“A igreja ameaça o poder do governo comunista”, diz Marco Cruz sobre perseguição na China

O domínio global da China pode influenciar outros países na perseguição, avalia o secretário-geral da Portas Abertas no Brasil.

Fonte: Guiame, Luana NovaesAtualizado: sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021 às 14:04
Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas no Brasil, falando ao Guiame. (Foto: Guiame)
Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas no Brasil, falando ao Guiame. (Foto: Guiame)

Igrejas têm sido fechadas, destruídas e monitoradas pelo governo da China, em uma nova onda de perseguição que se intensificou nos últimos anos. Por outro lado, os mais de 100 milhões de cristãos do país têm se fortalecido e sido considerado uma ameaça para a hegemonia do Partido Comunista chinês.

Em nossa série de lives, o Guiame falou nesta quinta-feira (4) com Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas no Brasil, sobre o que está por trás da perseguição ao cristianismo na China, que em apenas três anos, subiu 26 lugares na Lista Mundial da Perseguição desenvolvida pela missão.

Com base em relatos de um antigo representante da Portas Abertas na China, Marco Cruz diz que o país enfrenta hoje o que é chamado de “segundo inverno”.

“O primeiro inverno foi a revolução cultural, a ascensão do comunismo. Nessa época, cristãos foram presos e mortos; e a Portas Abertas fez o contrabando de milhões de Bíblias. Os pastores e igrejas daquela época aprenderam a desenvolver resiliência e a depender do Senhor”, disse Cruz.

“Depois veio um período de relativa estabilidade em relação ao primeiro inverno, mas não podemos chamar isso de liberdade”, esclareceu. “Antes não havia Bíblias, mas depois as pessoas começaram a ter acesso a Bíblias online. Houve esse tempo em que eu podia baixar um aplicativo e ter acesso a sites cristãos”.

Com a ascensão do governo de Xi Jinping, os cristãos chineses passaram a viver o segundo inverno, que é descrito por Cruz como “uma nuvem negra, densa e pesada que está sobre todo o país” — caracterizada especialmente pelo aumento do controle e vigilância sobre as igrejas. 

Marco morou por três anos como expatriado em Shangai, na China, e testemunhou de perto a realidade das igrejas. Ele contou ao Guiame que frequentava uma igreja internacional que tinha permissão do governo para funcionar, contanto que fosse monitorada. 

“Havia cultos em chinês e um estrangeiro como eu poderia participar. Mas a polícia religiosa tinha uma salinha dentro do prédio da igreja e fazia censura do sermão do pastor. A polícia religiosa era quem fazia a tradução simultânea para os estrangeiros”, ele relatou.

“Na igreja que eu frequentava havia um monitoramento de câmeras. Hoje isso se estendeu para todas as igrejas do país. O governo tem o controle facial dos membros, é uma vigilância que acontece 24 horas”, destacou.

Veja a live completa:

Oportunidades na pandemia

Com o início do surto de Covid-19 na China, em dezembro de 2019, as igrejas foram fechadas e começaram a ter novas oportunidades de evangelismo por meio das reuniões virtuais. “A igreja começou a ter acesso a um público maior ainda e o governo ficou com receio, porque a igreja tem um certo poder de influência na China”, explicou.

“O governo se assustou com o aumento dos cultos online e proibiu que as igrejas fizessem cultos em plataformas abertas. As igrejas só podiam trabalhar em grupos fechados”, contou.

Muitos são os meios de controle do governo chinês para restringir a ação das igrejas no país, inclusive o desenvolvimento de uma nova versão da Bíblia. “Agora o governo está traduzindo uma versão da Bíblia para que fique mais alinhada com a doutrina comunista”, disse Marco.

Ele explica: “Na China existe apenas um partido e uma forma de pensar. As outras formas de pensamento podem até existir, mas ninguém pode ficar sabendo. Quando a Bíblia diz que há só um Deus e um só Senhor, isso vai contra a cultura comunista, que venera a figura do Xi Jinping. É uma ameaça para a hegemonia do Partido Comunista. A igreja ameaça o poder do governo”.

Qual a diferença entre igreja legalizada e clandestina?

Na China, existem dois tipos de igrejas: as chamadas legalizadas e clandestinas. As denominações legalizadas são registradas em órgãos autorizados pelo governo do Partido Comunista da China.

As igrejas protestantes são registradas no Movimento Patriótico das Três Autonomias e na Associação Cristã da China, já as católicas, na Associação Patriótica Católica. Estas denominações estão debaixo da vigilância, censura e monitoramento do governo, sem liberdade em seus sermões, encontros e ações de evangelismo.

“A igreja se restringe ao prédio, que é totalmente monitorado pelo Partido Comunista”, explica Marco. “Enquanto a igreja legalizada fica debaixo de monitoramento, a igreja clandestina não é aceita pelo governo, mas tem a liberdade de pregar a Bíblia como ela é. As pessoas têm a liberdade de testemunhar a Bíblia para seus vizinhos, mas claro, correndo risco de ser presas”.

Marco revela que “há inclusive pastores e padres que são funcionários do governo” e atuam para monitorar as igrejas.

Por outro lado, o aumento do controle das igrejas tem impulsionado o crescimento das congregações clandestinas. “Uma igreja que funcionava em um local único e teve seu líder preso, acaba se dividindo em cinco e multiplicando”, explicou Marco.

Influência global da China

A China se estabeleceu como uma potência econômica global e tem feito laços diplomáticos e econômicos com diversos países ao redor do mundo. Isso, segundo Marco, deve ser visto como um sinal de alerta para as igrejas.

“Em muitos países, a cosmovisão cristã é vista como uma cosmovisão ocidental e atrelada aos Estados Unidos. Quando um país como a China começa a expandir seu domínio sobre outros países, eles são muito mais aceitos. Países como Afeganistão, Paquistão, Blangadesh, Vietnã, estão tendo sua infraestrutura de aeroportos, portos e estradas construída pela China. Na África também há muito investimento em infraestrutura pela China. A China está fazendo um trabalho de domínio global”, disse.

“A China está expandindo o seu domínio sócio-econômico, político e cultural pelo mundo”, destacou o secretário-geral da Portas Abertas.

Por causa do período de relativa liberdade vivido no passado pela China, a liderança atual da igreja chinesa “não está preparada para enfrentar o segundo inverno”, alertou Marco. “O papel fundamental da Portas Abertas é treinar a liderança atual para lidar com o segundo inverno”, explica.

Para saber mais sobre o trabalho da Portas Abertas e colaborar com doações, acesse: www.portasabertas.org.br

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