A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu por unanimidade, nesta terça-feira (03), regulamentar o registro de medicamentos à base de cannabis. A norma entrará em vigor 90 dias após a publicação e deverá ser revista três anos após a publicação no Diário Oficial.
A discussão sobre o tema começou em 2014 na Agência, mas só chegou ao plenário da Diretoria Colegiada neste ano. O debate foi concluído após interrupção temporária depois que dois conselheiros, Fernando Mendes e Antonio Barra, pediram vista. Relator das propostas, o diretor presidente da Anvisa, William Dib, já havia votado a favor da regulamentação desses temas.
Durante os três anos ao longo dos quais a regra estará valendo, os compostos feitos com cannabis serão enquadrados em uma classificação especial chamada "produtos à base de cannabis", sujeitos à regulação da Anvisa.
Segundo a Agência, eles ainda não podem ser definidos como "medicamentos", porque não há comprovações científicas suficientes sobre a eficácia e a segurança desses produtos.
O diretor Fernando Mendes propôs um texto substitutivo para a medida de regulamentação incluindo esse modelo alternativo para a classificação desses produtos com o objetivo de evitar a fragilização no processo de autorização de outros tipos de medicamentos.
Mendes argumentou que os medicamentos à base de cannabis atendem aos critérios exigidos para os demais medicamentos, mas, como os produtos à base da planta ainda não foram objeto de estudos clínicos consistentes, classificá-los nesse grupo poderia acabar abrandando os critérios para autorização de outros tipos de remédios.
Pela proposta, as empresas devem continuar a realização de pesquisas científicas para comprovar a eficácia e segurança dos produtos à base da planta.
THC abaixo de 0,2%
De acordo com a proposta aprovada pela Anvisa, os medicamentos produzidos à base da planta devem ter percentual abaixo de 0,2% de THC. Esses medicamentos só poderão ser comprados com receita médica.
No caso de produtos com percentual de THC acima de 0,2%, a prescrição é autorizada somente a pacientes terminais "que tenham esgotado as alternativas terapêuticas".
As empresas produtoras devem apresentar plano de gerenciamento de risco e estudos clínicos sobre o produto com apresentação de resultados positivos. A norma impede a produção de cosméticos, alimentos e cigarros do rol de produtos permitidos.
— A atuação da Anvisa na garantia do acesso da população a medicamentos de qualidade, eficazes e seguras, passa por analise técnica, a partir da realização de pesquisa clínicas e análise da segurança e eficácia (do medicamento) — afirmou Mendes.
Para terem registro autorizado, as empresas interessadas em produzir esse tipo de remédio deverão garantir, segundo a resolução, controle de qualidade. É necessário ainda que haja base técnica e científica para justificar a formulação do medicamento.
Os produtos só poderão ser comercializados em farmácias, com exceção das de manipulação, e deverão ser vendidos por um farmacêutico. Para produzir os medicamentos, as empresas poderão importar a cannabis "semielaborada", ou seja, não será permitida a importação da planta e sim o substrato da cannabis.
Estudos sérios
Para a psicóloga cristã Marisa Lobo, a liberação da substância para uso medicinal é um avanço. “Já houve a reclassificação do canabidiol pela Anvisa, inclusive foi um pedido do movimento que presido deste 2005, o #MaconhaNao, feito ao senador Magno Malta, juntamente com as famílias que sofrem com crianças e outros membros com doenças como esclerose múltipla, epilepsia, etc. que comprovadamente melhoram com o uso do óleo de canabidiol”.
Marisa diz que “temos que entender que canabidiol é uma substância encontrada na maconha, mas não é a droga fumada”.
A psicóloga afirma que liberar o canabidiol não é liberar drogas, e não pode ser usado como lobby de campanha pró-maconha. “É um medicamento, sério e os doentes não podem ser usados, para lobby de maconha recreativa”, diz.
Para Marisa, há estudos sérios no mundo que comprovam a eficácia do canabidiol, na melhora de sintomas de algumas doenças específicas. “Se a substância for usada de forma controlada e responsável, de forma pontual, ajudará a muitos doentes”, acredita.
Cultivo proibido
A Agência decidiu arquivar a proposta de resolução que previa autorizar o plantio de maconha por empresas para fins medicinais. A proposta do relator foi rejeitada por três votos a um.
O único conselheiro a votar a favor foi o diretor-presidente William Dib. Em linha com a posição do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Cidadania, Osmar Terra, o conselheiro da Anvisa Antonio Barra votou contra a autorização para que empresas façam o plantio controlado de maconha para fins medicinais. Barra foi indicado ao cargo pelo presidente.
Em um voto de mais de duas horas, o conselheiro argumentou que o processo não foi conduzido devidamente na Agência.
Segundo Barra, a Anvisa não realizou estudos profundos e tampouco consultou adequadamente ministérios e autoridades relacionadas ao tema, tanto na área de Segurança Pública quanto nas áreas da Saúde, Economia e Agricultura. Durante exposição, Barra argumentou que a forma como foi conduzida a discussão prejudica o processo e deixa o país vulnerável à ação de grupos criminosos e impactos no Sistema Único de Saúde (SUS). Após a leitura de diversas consultas a pastas do governo, Barra foi taxativo:
“Fica claro que órgãos protagonistas de segurança pública não foram adequadamente envolvidos nas discussões tratadas”, disse Barra, acrescentando ao longo do voto: “Está claro que a Anvisa não pode decidir sozinha sobre assuntos tratados nesse voto.”
“Na citada lei não consta atribuição da Anvisa no sentido de autorizar e regular o cultivo de plantas sujeita a controle especial. De forma geral, o ponto de partida são as drogas, os produtos prontos e não os materiais e processos que geram esses insumos. Destaca-se que Anvisa está atuando como promotora de uma atividade nova no país, que, no mínimo, demandaria autorização de outros órgãos do governo. A agência tem objetivo claro que é regular e atuar em atividades que já existam, nas quais obviamente sejam identificado risco sanitário e consequente necessidade de atuação”, afirmou durante o voto.