Portadora de microcefalia comenta ação que visa autorizar abortos: "Me senti ofendida"

A jovem Ana Carolina Cáceres (24 anos) é, sem dúvida, um exemplo de superação dos limites muitas vezes impostos pela microcefalia. Atualmente formada em jornalismo, ela destacou que antes de optar pelo aborto, todos precisam buscar pelo mais importante: informação.

Fonte: Guiame, com informações do Bem Estar (Globo)Atualizado: segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016 às 19:43

"Quando li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Me senti ofendida. Me senti atacada". A declaração é de Ana Carolina Cáceres, 24 anos, e portadora de microcefalia, que expressou seu repúdio à ação elaborada pela antropóloga Debora Diniz, que integra o instituto de bioética Anis e deve entregar a proposta ao STF em menos de dois meses.

Ana Carolina é, sem dúvida, um exemplo de superação dos limites muitas vezes impostos pela microcefalia e contou durante uma conversa com jornalista da Ricardo Senra, da BBC Brasil, mais detalhes sobre como teve o apoio de seus pais para vencer estes desafios e afirmou que é preciso que as pessoas se informem mais sobre a síndrome.

"No dia em que nasci, o médico falou que eu não teria nenhuma chance de sobreviver. Tenho microcefalia, meu crânio é menor que a média. O doutor falou: 'ela não vai andar, não vai falar e, com o tempo, entrará em um estado vegetativo até morrer'. Ele - como muita gente hoje - estava errado", contou a moça, que se graduou recentemente em jornalismo, no estado do Mato Grosso do Sul.

Ana Carolina conta que escolheu a profissão de jornalista para ser uma "porta-voz da microcefalia", dando voz àqueles que ainda não são compreendidos da forma correta pela sociedade.

"Escolhi este curso para dar voz a pessoas que, como eu, não se sentem representadas. Queria ser uma porta-voz da microcefalia e, como projeto final de curso, escrevi um livro sobre minha vida e a de outras 5 pessoas com esta síndrome (microcefalia não é doença, tá? É síndrome!)", explicou.

"Com a explosão de casos no Brasil, a necessidade de informação é ainda mais importante e tem muita gente precisando superar preconceitos e se informar mais. O ministro da Saúde, por exemplo. Ele disse que o Brasil terá uma 'geração de sequelados' por causa da microcefalia. Se estivesse na frente dele, eu diria: 'Meu filho, mais sequelada que a sua frase não dá para ser, não", disse.

Ana Carolina explicou que as consequências da microcefalia são incertas e o diagnóstico da síndrome não justifica a opção dos pais pelo aborto.

"A microcefalia é uma caixinha de surpresas. Pode haver problemas mais sérios, ou não. Acho que quem opta pelo aborto não dá nem chance da criança vingar e sobreviver, como aconteceu comigo e com tanta gente que trabalha, estuda, faz coisas normais - e tem microcefalia", explicou. "As mães dessas pessoas não optaram pelo aborto. É por isso que nós existimos".

A jornalista destacou que muitas batalhas acompanham a vida de uma pessoa com microcefalia e consequemente, o cotidiano da família.

"Não é fácil, claro. Tudo na nossa casa foi uma batalha. Somos uma família humilde, meu pai é técnico de laboratório e estava desempregado quando nasci. Minha mãe, assistente de enfermagem, trabalhava num hospital, e graças a isso nós tínhamos plano de saúde", relatou.

"A gente corta custos, economiza, não gasta com bobeira. Nossa casa teve que esperar para ser terminada: uma parte foi levantada com terra da rua para economizar e até hoje tem lugares onde não dá para pregar um quadro, porque a parede desmancha".

Ana Carolina destacou que simplesmente autorizar o aborto em casos de microcefalia não seria uma solução eficiente.

"Eu acredito que o aborto sozinho resolveria só paliativamente o problema e sei que o mais importante é tratamento: acompanhamento psicológico, fisioterapia e neurologia. Tudo desde o nascimento", disse.

"Caso o projeto de aborto seja aprovado, mas havendo em paralelo assistência para a mãe e garantia de direitos depois de nascer, tenho certeza que a segunda opção vai vencer", afirmou.

"Se ainda assim houver pais que preferirem abortar, não posso interferir. Acho que a escolha é deles. Só não dá para fazê-la sem o mais importante: informação".

 

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