"Quando li a reportagem sobre a ação que pede a liberação do aborto em caso de microcefalia no Supremo Tribunal Federal (STF), levei para o lado pessoal. Me senti ofendida. Me senti atacada". A declaração é de Ana Carolina Cáceres, 24 anos, e portadora de microcefalia, que expressou seu repúdio à ação elaborada pela antropóloga Debora Diniz, que integra o instituto de bioética Anis e deve entregar a proposta ao STF em menos de dois meses.
Ana Carolina é, sem dúvida, um exemplo de superação dos limites muitas vezes impostos pela microcefalia e contou durante uma conversa com jornalista da Ricardo Senra, da BBC Brasil, mais detalhes sobre como teve o apoio de seus pais para vencer estes desafios e afirmou que é preciso que as pessoas se informem mais sobre a síndrome.
"No dia em que nasci, o médico falou que eu não teria nenhuma chance de sobreviver. Tenho microcefalia, meu crânio é menor que a média. O doutor falou: 'ela não vai andar, não vai falar e, com o tempo, entrará em um estado vegetativo até morrer'. Ele - como muita gente hoje - estava errado", contou a moça, que se graduou recentemente em jornalismo, no estado do Mato Grosso do Sul.
Ana Carolina conta que escolheu a profissão de jornalista para ser uma "porta-voz da microcefalia", dando voz àqueles que ainda não são compreendidos da forma correta pela sociedade.
"Escolhi este curso para dar voz a pessoas que, como eu, não se sentem representadas. Queria ser uma porta-voz da microcefalia e, como projeto final de curso, escrevi um livro sobre minha vida e a de outras 5 pessoas com esta síndrome (microcefalia não é doença, tá? É síndrome!)", explicou.
"Com a explosão de casos no Brasil, a necessidade de informação é ainda mais importante e tem muita gente precisando superar preconceitos e se informar mais. O ministro da Saúde, por exemplo. Ele disse que o Brasil terá uma 'geração de sequelados' por causa da microcefalia. Se estivesse na frente dele, eu diria: 'Meu filho, mais sequelada que a sua frase não dá para ser, não", disse.
Ana Carolina explicou que as consequências da microcefalia são incertas e o diagnóstico da síndrome não justifica a opção dos pais pelo aborto.
"A microcefalia é uma caixinha de surpresas. Pode haver problemas mais sérios, ou não. Acho que quem opta pelo aborto não dá nem chance da criança vingar e sobreviver, como aconteceu comigo e com tanta gente que trabalha, estuda, faz coisas normais - e tem microcefalia", explicou. "As mães dessas pessoas não optaram pelo aborto. É por isso que nós existimos".
A jornalista destacou que muitas batalhas acompanham a vida de uma pessoa com microcefalia e consequemente, o cotidiano da família.
"Não é fácil, claro. Tudo na nossa casa foi uma batalha. Somos uma família humilde, meu pai é técnico de laboratório e estava desempregado quando nasci. Minha mãe, assistente de enfermagem, trabalhava num hospital, e graças a isso nós tínhamos plano de saúde", relatou.
"A gente corta custos, economiza, não gasta com bobeira. Nossa casa teve que esperar para ser terminada: uma parte foi levantada com terra da rua para economizar e até hoje tem lugares onde não dá para pregar um quadro, porque a parede desmancha".
Ana Carolina destacou que simplesmente autorizar o aborto em casos de microcefalia não seria uma solução eficiente.
"Eu acredito que o aborto sozinho resolveria só paliativamente o problema e sei que o mais importante é tratamento: acompanhamento psicológico, fisioterapia e neurologia. Tudo desde o nascimento", disse.
"Caso o projeto de aborto seja aprovado, mas havendo em paralelo assistência para a mãe e garantia de direitos depois de nascer, tenho certeza que a segunda opção vai vencer", afirmou.
"Se ainda assim houver pais que preferirem abortar, não posso interferir. Acho que a escolha é deles. Só não dá para fazê-la sem o mais importante: informação".