O julgamento da descriminalização do aborto, iniciado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 22 de setembro, tem o potencial de provocar uma transformação na abordagem da Justiça brasileira em relação a esse tema.
O pedido da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442), proposta ao Supremo pelo (Partido Socialismo e Liberdade – PSOL), de extrema esquerda, já foi tema de audiência pública na Corte em 2018.
Ao ouvir a população, uma pesquisa do ano passado apontou que 7 a cada 10 brasileiros reprovam a legalização o aborto.
O julgamento da ação busca que o Supremo determine a incompatibilidade de dois artigos do Código Penal, que criminalizam tanto a gestante quanto a pessoa que realiza o aborto.
O reinício do julgamento registrou o primeiro voto favorável à liberação do aborto até a 12ª semana de gestação, emitido pela ministra Rosa Weber, que ocupa a presidência da Corte e havia se comprometido a retomar a discussão antes de sua aposentadoria em outubro.
A retomada do julgamento ainda não tem data, após a ação ter sido interrompida devido a um pedido de destaque feito pelo ministro Luís Roberto Barroso, para transferir o julgamento do ambiente virtual para o plenário físico.
Contrários ao aborto
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça já se manifestaram publicamente contra a ampliação do acesso ao aborto.
Ministro Nunes Marques participa da sessão da Segunda Turma do STF. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF).
Durante a sabatina de sua indicação ao STF em outubro de 2020, o ministro Nunes Marques expressou sua oposição à interrupção da gravidez com base em razões pessoais, mencionando influências de sua experiência familiar e pessoal.
"Questões familiares, questões pessoais, experiências minhas vividas. A minha formação é sempre em defesa do direito à vida".
O ministro também expressou a opinião de que as três hipóteses atualmente permitidas para a interrupção do aborto no Brasil estavam em conformidade com a lei e que apenas circunstâncias excepcionais poderiam justificar uma ampliação dessas permissões.
"Dentro da quadra que está estabelecida, eu analiso com muita razoabilidade a forma atual do tratamento desta questão (do aborto). Eu entendo que o poder Judiciário muito provavelmente exauriu as hipóteses dentro desta sociedade", disse também na sabatina.
"Só se eventualmente vier a acontecer algo que hoje é inimaginável. Alguma pandemia, algum problema como o caso da anencefalia provocada pelo mosquito da zika, algo nesse sentido que transformasse a sociedade e provocasse, tanto o Congresso quanto o Poder Judiciário, para promover modificações nesse sentido", disse.
André Mendonça, quando era advogado-geral da União (AGU), chegou a se manifestar na ação que pedia a liberação do aborto para grávidas infectadas pelo vírus da zika.
Ministro André Mendonça participa da sessão plenária. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF)
Na época, ele argumentou contra o direito ao aborto em caso de gestante infectada pela zika, declarando que seria uma espécie de eugenia interromper a gravidez por esse motivo.
"Lamentável. Um retrocesso para a sociedade. O pedido se trata do estabelecimento e da constitucionalização de uma segregação das espécies, que foi presente no regime nazista", argumentou na ocasião.
Votos incertos
Quanto aos votos dos demais ministros da Corte, existe incerteza. Exceto o voto já declarado favorável emitido pela ministra Rosa Weber em 22 de setembro.
Ministra Rosa Weber. (Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF)
Algumas pistas sobre os possíveis posicionamentos dos demais ministros podem ser encontradas nos julgamentos anteriores que trataram da liberação do aborto de anencéfalos em 2012 e da pesquisa científica com células-tronco embrionárias em 2008.
Estes casos geraram discussões sobre os direitos do embrião e se sua vida está protegida pela Constituição, o que pode influenciar a forma como os ministros abordarão a questão da descriminalização do aborto.
Dos ministros que ainda estão no Supremo Tribunal Federal, votaram a favor da liberação do aborto de anencéfalos Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
Atualmente, não há ministros na Corte que tenham se posicionado contra a liberação nesse caso específico. Essa informação pode fornecer uma indicação dos possíveis posicionamentos dos ministros no julgamento sobre a descriminalização do aborto em geral.
Dias Toffoli, por sua vez, não participou do julgamento sobre o aborto de anencéfalos porque, quando ocupava o cargo de advogado-geral da União, já havia manifestado seu apoio à causa a favor da interrupção da gravidez de fetos sem cérebro.
Quanto a Cristiano Zanin, ministro indicado por Lula da Silva, não está claro nos bastidores do STF qual será seu posicionamento no julgamento da descriminalização do aborto. No entanto, é importante notar que ele expressou uma posição conservadora sobre o tema durante sua sabatina no Senado.
Ministro Cristiano Zanin participa da sessão plenária do STF. (Foto: Carlos Moura/SCO/STF).
"O direito à vida está expressamente previsto na Constituição. É uma garantia fundamental. Nessa perspectiva, temos que enaltecer o direito à vida, porque aí estamos cumprindo o que diz a Constituição da República", afirmou.
"Também nesse assunto existe um arcabouço normativo consolidado, tanto da tutela do direito à vida, como também as hipóteses de exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez como prevê o artigo 128 do Código penal", respondeu, em referência aos casos em que a lei permite o aborto.
Alexandre de Moraes se recusou a revelar sua posição sobre a ampliação do direito ao aborto durante sua sabatina em 2017, argumentando que julgaria o tema caso fosse aprovado para o STF.
Isso é consistente com a prática comum dos indicados ao STF de não antecipar suas opiniões sobre questões que podem vir a ser decididas pelo tribunal.
Em seu livro "Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional," publicado antes de se tornar ministro, Alexandre de Moraes expressou seu posicionamento a favor de uma ampliação limitada das três hipóteses que já permitem o aborto legal, segundo o Conjur.
Em sua avaliação, Alexandre de Moraes defendeu que a interrupção da gestação deveria ser considerada na impossibilidade do feto nascer com vida ou na impossibilidade de sua sobrevivência fora do útero.
No entanto, ele se posicionou contra a interrupção da gestação quando houver probabilidade de que o bebê nasça com complicações físicas ou mentais, enfatizando a importância de proteger o direito à vida do feto nesses casos.