Embora muitos americanos tenham perdido a fé na religião organizada, dados recentes indicam que o interesse pelo Livro Sagrado permanece forte.
Em setembro, as vendas de Bíblias cresceram 11% em relação a 2024, impulsionando um boom contínuo no mercado.
Só naquele mês, foram comercializadas 2,4 milhões de unidades, em um aumento que coincidiu com a morte do ativista cristão conservador Charlie Kirk, segundo a Circana, empresa que monitora vendas de livros.
No total, mais de 18 milhões de exemplares já foram vendidos neste ano.
“As vendas de Bíblias vêm crescendo de forma constante nos Estados Unidos desde 2021 e têm estabelecido recordes anuais inéditos desde 2022”, disse Brenna Connor, analista do setor na Circana BookScan, ao RNS.
“O ano de 2024 marcou o maior volume de vendas de Bíblias nos EUA em 20 anos, e 2025 está a caminho de superar esses níveis, destacando o crescente interesse dos consumidores norte-americanos por conteúdo religioso.”
Títulos mais vendidos
Entre os títulos mais vendidos estão a edição econômica da Bíblia Padrão Inglesa, a Bíblia de Aventura para crianças e a Bíblia Ela Lê a Verdade, inspirada em uma comunidade feminina online.
Também se destaca uma Bíblia rosa da versão King James, sucesso há anos. Além disso, Donald Trump arrecadou mais de US$ 1,3 milhão ao endossar uma Bíblia patriótica baseada na música God Bless the USA, de Lee Greenwood.
Embora as editoras saibam quantas Bíblias são vendidas, não têm dados sobre quem compra. Para Tim Wildsmith, ex-pastor e criador de conteúdo bíblico, a instabilidade dos últimos cinco anos, da pandemia à polarização política, pode estar influenciando.
“Com o mundo em caos, as pessoas buscam algo em que confiar”, afirmou.
“Parte de mim se pergunta se as pessoas estão apenas procurando algo para se acalmar — aquela busca espiritual por paz, seja lá como você queira chamar”, disse ele.
Na livraria Christian Connection, em Sycamore (Illinois), a tradução mais popular é a New Living Translation, especialmente nas edições integradas ao aplicativo Filament, da editora Tyndale. Fácil de ler, a NLT ganha ainda mais destaque porque o app oferece materiais de estudo para ajudar na compreensão, explicou Kelli Malm, que administra a loja com a mãe.
“As pessoas querem algo fácil de ler, especialmente se são cristãos novos, e, se forem mais jovens, podem usar um aplicativo”, disse ela.
“É praticamente uma escolha óbvia – elas têm uma Bíblia que carregam consigo e não precisam necessariamente levar a grande Bíblia de estudo.”
Efeito Charlie Kirk
Desde setembro, a loja registrou aumento nas vendas, e um cliente chegou a afirmar que a morte de Charlie Kirk o motivou a voltar à igreja, contou Malm.
Ela contou que, antes de setembro, não sabia quem era Kirk, mas acredita que Deus pode transformar algo ruim em redenção.
Embora a maioria dos compradores de Bíblias na loja seja mais velha, ela percebeu um aumento entre clientes de 30 e 40 anos.
“Eles estão descobrindo a fé ou retornando a ela”, afirmou.
Colton Burkhart, calouro da Universidade de Wisconsin-Whitewater, já está em sua terceira Bíblia – uma edição de estudo MacArthur comprada após desgastar a anterior.
Ele organiza o livro com abas coloridas e usa um quadro com códigos de cores para facilitar a consulta.
Burkhart contou que tentou ler a Bíblia pelo celular, mas achou muito distrativo.
“Preciso de algo que eu realmente consiga ler”, disse, acrescentando que gosta de fazer anotações e destacar os versículos já lidos.
Edições diferentes
Amy Simpson, editora de Bíblias da Tyndale House Publishers, afirmou que a empresa comercializa centenas de edições diferentes, muitas vezes variando apenas nas cores.
Segundo ela, não há um modelo específico impulsionando as vendas – o crescimento ocorre em todas as frentes. Por isso, as editoras oferecem tantas opções, capazes de atrair públicos de diferentes idades.
Segundo Melinda Bouma, vice-presidente da HarperCollins Christian Publishing e editora de Bíblias da Zondervan, a variedade de edições facilita atender à demanda. Se uma versão esgota, há muitas outras disponíveis. A HarperCollins publica 22 traduções em inglês e espanhol, distribuídas em centenas de edições.
Bouma afirmou que as vendas de Bíblias estão crescendo em todas as categorias, inclusive infantis. Ela destacou que a Bíblia de Estudo NIV, disponível há 40 anos, ultrapassou recentemente a marca de 10 milhões de cópias vendidas.
Segundo Bouma, a Bíblia de Jesus, voltada para a Geração Z, também tem bom desempenho. Ela observa um renovado interesse pela fé entre os jovens, refletido nas vendas de Bíblias.
O relatório anual Estado da Bíblia da Sociedade Bíblica Americana aponta que 41% dos americanos são leitores da Bíblia”, ou seja, leram o livro ao menos três vezes no ano fora dos cultos. O índice subiu em relação aos 38% do ano passado, mas segue abaixo dos 50% registrados em 2021.
O relatório indica que 36% da Geração Z e 39% dos millennials são “usuários da Bíblia”, com alta entre millennials em relação a 2024 (30%). Já apenas 1 em cada 5 americanos é considerado “engajado com as Escrituras”, ou seja, a Bíblia tem papel central em sua vida.
Oportunidade paa igrejas
Jennifer Holloran, presidente da ABS, afirmou que o aumento nas vendas de Bíblias é uma oportunidade para as igrejas ajudarem os fiéis a entender melhor o que leem.
“Eu iria ainda mais longe e diria que as igrejas têm uma responsabilidade real de administrar este momento – não apenas educando, mas acompanhando os novos leitores da Bíblia em uma jornada de descoberta, atuando como intérpretes e companheiras neste momento decisivo”, ela disse ao RNS.
Apesar do aumento nas vendas de Bíblias, uma pesquisa recente da Gallup, divulgada em 13 de novembro, mostrou que menos da metade dos americanos (49%) considera a religião importante em suas vidas – um dado que reforça o declínio contínuo e amplamente documentado da religiosidade no país.
Wildsmith contou que começou a perceber um aumento na compra de Bíblias em 2020, durante a pandemia. Para ajudar novos leitores a escolherem uma edição adequada, passou a publicar resenhas no YouTube – a primeira delas ultrapassou 18 mil visualizações.
Primeira vez
O sucesso o levou a uma nova carreira como criador de conteúdo, hoje com mais de 250 mil seguidores e mais pedidos de análise do que consegue atender. Ele também escreveu o guia “Traduções da Bíblia para Todos”.
Segundo ele, a maior parte de seu público é formada por pessoas que já leram a Bíblia e buscam algo diferente, mas um número crescente de seguidores está tendo contato com as Escrituras pela primeira vez.
O boom bíblico, disse ele, mudou sua vida.
“Se você tivesse me dito cinco anos atrás, quando eu só estava brincando com isso, que isso se tornaria de fato um trabalho e algo que eu poderia fazer, eu teria achado que você estava louco”, disse Wildsmith. “Mas aqui estamos.”
