Inaugurada em 2009, no plano de expansão universitária, a Faculdade de Medicina da UFRJ em Macaé (RJ) enfrenta problemas de infraestrutura, uma ação civil pública e descontentamento e evasão de alunos e professores.
A pedido de alunos, a Defensoria Pública da União (DPU) move desde março uma ação civil pública na qual pede que os estudantes possam frequentar aulas no tradicional campus do Rio, por falta de condições adequadas em Macaé.
Faltam peças molhadas para as aulas práticas de Patologia e Anatomia, a maioria das matérias de Medicina são conjuntas com Nutrição e Enfermagem, não há laboratórios, as aulas práticas são precárias e escassas e os hospitais na cidade não estão habilitados a orientar os alunos.
Além disso, faltam professores médicos e com mestrado e doutorado. Dos 14 que tinham esses títulos no início do curso, há pouco mais de dois anos, restam apenas quatro. Os demais abandonaram o curso. Os estudantes também têm feito o mesmo, às vezes antes mesmo de entrar, diante da má-fama. Na turma de 30 aprovados para começar em março, só 19 se matricularam; restam 12 atualmente. No quarto período, sobraram 12 dos 30 alunos que iniciaram a faculdade. Muitos estudantes pediram transferência, mobilidade acadêmica (transferência, por no máximo um ano e meio), prestaram novo vestibular ou pensam em sair.
Com dificuldades para contratar professores com doutorado e mestrado, um novo concurso para docentes exige apenas graduação em Medicina. Não é necessário ter nem sequer residência para se tornar professor de carreira da UFRJ em Macaé.
Para a Defensoria, o curso não tem estrutura mínima, com graves deficiências apontadas inclusive em relatório de avaliação do MEC e a expansão universitária da UFRJ em Macaé deveria vir acompanhada de planejamento e pesados investimentos, para dotar o campus avançado de estrutura mínima necessária ao aprendizado, o que não ocorreu de fato. Hospitais sem condições
Segundo a ACP, as unidades hospitalares de ensino conveniadas não estão preparadas para a formação do estudante de medicina, o que foi confirmado por um médico do Hospital de Macaé, ouvido pelo iG e por recente reportagem do jornal do Cremerj. Os hospitais não têm residência médica credenciada, não são considerados centros de referencia regional há dois anos e não tem complexo assistencial quaternário atendem majoritariamente ao SUS.
Atualmente, quando a primeira turma da faculdade, no quinto período, já está prestes a chegar à metade do curso, o campus Macaé não tem hospital adequado para a formação dos estudantes de Medicina, diz o defensor, na ação. A Associação Médica Brasileira exige que para os novos cursos de Medicina haja laboratórios com espaço e ambiente adequado; sala de necropsia com depósito, refrigeração e congelação; salas de laboratórios de ciências morfológicas; e sala de dissecação, com um cadáver para quatro alunos.
MEC aponta problemas estruturais e prejuízo das primeiras turmas
A Faculdade de Macaé, que obteve nota 3 em 5 na avaliação do MEC para começar a funcionar, não conta com nenhum desses itens. O MEC apontou necessidade urgente de maior número de professores médicos e dedicação presencial. Segundo o relatório, existem problemas estruturais e o planejamento e organização do curso foram concomitantes ao vestibular e ao ingresso de alunos, o que prejudicou a formação das primeiras turmas, com deficiências importantes do conteúdo proposto. Segundo o MEC, chamou a atenção o fato de três cursos da universidade estarem integrados: Enfermagem, Nutrição e Medicina. Esses cursos têm exatamente o mesmo conteúdo teórico, prático e avaliações. O coordenador do curso, Paulo Eduardo Xavier de Mendonça admite problemas, mas afirmou que o curso está se estruturando. De acordo com ele, a falta de professores médicos e as aulas conjuntas com Nutrição e Enfermagem, por exemplo, ocorrem por causa de nova diretriz pedagógica, que prevê integração entre faculdades.
Defensor vê chance de formar médicos sem preparo e de pôr vidas em risco
Para o defensor André Ordagcy, é a notória falta de professores que faz com que os alunos assistam às aulas com as turmas de Enfermagem e Nutrição, com mesmo conteúdo prático e teórico e mesmas avaliações. Ele aponta diferentes cargas horárias entre os cursos no Rio e em Macaé, com prejuízo para a última, o que não poderia ocorrer, porque pertencem a uma instituição e deveriam ter o mesmo padrão de qualidade.
O defensor diz que o curso necessita ser urgentemente melhorado. As diversas irregularidades graves apresentadas no curso de Medicina, campus Macaé, acarretarão gravíssimos prejuízos não só para a formação acadêmica dos alunos, como também ao erário público. O dispêndio de dinheiro público acabará não revertendo para o benefício da sociedade, através da inserção no setor de saúde de profissionais qualificados, o que, normalmente, seria esperado de uma universidade consagrada como a Federal do Rio de Janeiro.
Na opinião do defensor público, o dano causado aos alunos é irreparável. Corre-se o risco de se formarem profissionais de Medicina completamente despreparados para lidar com a população, colocando em risco vidas humanas, diz. O juiz federal Marcelo Ennes, que recebeu a ação civil pública, reconhece a gravidade e a urgência da situação e diz que os alunos de Macaé devem ter condições de aprendizado minimamente semelhantes aos da UFRJ no Rio, mas afirma que, neste caso, as restrições e deficiências são tantas e tamanhas que comprometem substancialmente esse necessário tratamento isonômico.
Para ele, a administração pública vem tomando providências insuficientes. Apesar disso, o juiz não deu antecipação de tutela (decisão imediata), determinando que os alunos de Macaé passem desde já a estudar no Rio, por entender que os estudantes do Rio podem sair prejudicados. A questão continua aguardando julgamento.
Em paralelo, o Ministério Público Federal, após um inquérito civil público que apurou deficiências no funcionamento do curso de Medicina como a insuficiência de professores médicos, falta de equipamentos suficientes em laboratórios e de livros, entre outras , firmou, em 7 de junho, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a UFRJ.
TAC descumprido
O objetivo do TAC, assinado pelo então reitor da UFRJ, Aloisio Teixeira, é assegurar as condições mínimas necessárias para a execução satisfatória de seu plano pedagógico. Para isso, a UFRJ se comprometeu a contratar dez professores temporários e dois professores adjuntos (com doutorado) até 1º de agosto passado; nove professores auxiliares e até 1º de janeiro de 2012; um professor titular de Saúde Coletiva até julho de 2012 e nove professores auxiliares até janeiro de 2013. A meta é atingir até 31 de dezembro de 2014 a meta mínima de 79% dos docentes com carga de 40 h e dedicação exclusiva.
A faculdade prometeu comprar os equipamentos e materiais necessários até 1º de setembro, além de livros para a biblioteca e, até janeiro, deverá estar implantado um laboratório de preparação de peças anatômicas em Macaé.
Apesar de o TAC ser de 7 de junho, a UFRJ só abriu processo seletivo para contratar 14 professores médicos em 22 de julho, um mês e meio depois. Em documento de 28 de julho, a universidade pede o adiamento dos prazos do TAC alegando se tratar de um projeto inovador, que gera uma série de dificuldades de ordem operacional. Ocorre que, em virtude de circunstâncias alheias à vontade da UFRJ não será possível a contratação de docentes até 1/8/2011, diz o atual reitor, Carlos Levi. Entre essas circunstâncias, a UFRJ usou como justificativas estar em período de férias/recesso, greve dos servidores e o zelo pela excelência de seus concursos, mormente para o provimento de servidores docentes, o que realmente impõe maior elasticidade no período de seleção. Embora só tenha lançado o concurso 45 dias depois do TAC, a UFRJ alega que os prazos do concurso impediriam o cumprimento do prazo.
Em 10 de agosto, diante do pedido da universidade e do não-cumprimento do acordo, o MPF o prorrogou por mais 60 dias. Até 10 de outubro, novo prazo, o concurso ainda não estará encerrado.
Para o defensor André Ordagcy, a UFRJ firmou o TAC tentando esvaziar a ação civil pública. Mesmo assim, diz, a universidade não conseguiu cumprir o próprio acordo e requereu a suspensão. Ele admite que algumas melhorias foram implementadas após a ação civil pública, mas continua muito aquém do esperado.