Organizações de defesa dos direitos humanos e opositores acusam o governo de Hugo Chávez na Venezuela de manter como presa política uma juíza que ordenou a libertação de um banqueiro acusado de fraude, há pouco mais de um ano. Os grupos afirmam que o caso de Afiuni levanta suspeitas sobre a independência do Judiciário venezuelano.
A juíza Maria Lourdes Afiuni tem conseguido adiar repetidamente o início de seu julgamento, por considerar-se uma vítima de perseguição do presidente Chávez, afirmando que a Justiça não será imparcial em seu caso.
'Sou uma juíza sequestrada por ordem de Chávez', disse Afiuni em entrevista à BBC Brasil.
Nesta quinta-feira, Afiuni, de 47 anos, que sofre de câncer, obteve prisão domiciliar - uma das reivindicações que a defesa da magistrada venezuelana vinha fazendo nos tribunais.
Afiuni foi acusada de corrupção e abuso de autoridade há 13 meses, após ter decretado a libertação do banqueiro Eligio Cedeño, acusado de evasão fiscal, fraude bancária, contrabando e obtenção ilegal de divisas. Opositores de Chávez dizem que Cedeño era considerado inimigo do governo, por ter se oposto abertamente à política fiscal do país.
Cedeño ficou aguardando por três anos na prisão por sua primeira audiência na Justiça, o que excede os limites legais do país - de dois anos. Após a libertação, Cedeño deixou o país e está buscando asilo político em Miami.
De acordo com o Ministério Público, Cedeño foi libertado às 11h da manhã em Caracas e à tarde chegava a Miami, nos Estados Unidos.
'Viajar para Miami não é assim tão fácil. Havia toda uma estrutura do lado de fora que faz o Ministério Público presumir que isso estava planejado', afirmou à BBC Brasil a Procuradora Geral da República Luisa Ortega Díaz, responsável pelo indiciamento da juíza.
Afiuni foi presa minutos depois de Cedeño ter deixado o país, e logo depois acusada pelo Ministério Público de corrupção, abuso de autoridade e complô para evasão.
No dia seguinte à sua prisão, o presidente venezuelano Hugo Chávez disse que Afiuni deveria ser condenada a '30 anos de prisão', por ter libertado o banqueiro. 'Se vamos ter juízes delinquentes, salve-se quem puder', afirmou então Chávez.
Prisão domiciliar
De acordo com a Justiça venezuelana, a principal acusação contra Afiuni é a de que ela teria sido subornada para facilitar a libertação do banqueiro. O Ministério Público, no entanto, reconhece não ter encontrado provas materiais que comprovem que Afiuni teria recebido dinheiro para colocar Cedeño em liberdade.
'O Ministério Público comprovou que houve promessa e compromisso (de pagamento). O que não determinou é onde estava o dinheiro', afirmou Ortega Díaz.
A Procuradora-Geral da República questiona o fato de a juíza ter libertado Cedeño mesmo sabendo que seu sócio, Gustavo Arraiz, do Consórcio Movistar, havia sido condenado a seis anos de prisão, depois de confessar participação na operação que incluía compra fraudulenta de dólares.
Ortega Díaz alega ainda que Afiuni realizou a audiência sem a presença dos procuradores do Ministério Público - que neste caso era a parte acusadora.
'Preso político'
Em sua cela de 2x3 metros no Instituto Nacional de Orientação Feminina (INOF), Afiuni diz que não se submeterá a julgamento por um crime que não cometeu.
Afiuni argumenta ter libertado Eligio Cedeño por considerar que o banqueiro havia sido preso 'arbitrariamente'.
'Considerei-o como um preso político depois de ver seu histórico, depois de três anos de prisão', afirmou.
As ONGs de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional e Human Rights Watch condenaram a prisão de Afiuni. Em Caracas, um grupo de estudantes opositores deu início a uma greve de fome para exigir a libertação do que consideram ser presos políticos, entre eles Afiuni.
O representante da Venezuela na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), German Saltron, afirma, entretanto, que a prisão de Afiuni mostra que a Justiça no país passou a ser aplicada para 'crimes de colarinho branco que nunca iam para a prisão neste país'.
'Aqui banqueiros, políticos e juízes cometem delitos e quando são julgados, dizem que são perseguidos políticos', afirmou ele à BBC Brasil.
Para ele, há uma 'campanha' articulada entre a oposição e organismos internacionais para 'satanizar' o governo Chávez.
Apesar de ter cela especial e contar com privilégios que outras detentas não têm, Afiuni disse à BBC Brasil temer por sua segurança porque ela foi responsável pela condenação de várias daquelas detentas. 'Há casos que fui eu quem determinei a prisão, outros não, mas para essas presas eu represento o símbolo de repressão', afirma.
Afiuni e seus advogados acusam o juiz Ali Paredes, que chefia o caso, de ser favorável ao governo Chávez.
'Qualquer juiz que assumir meu processo, mesmo que não seja Paredes, vai acatar a decisão do presidente', disse a juíza, ao argumentar não confiar na independência da Justiça do país, da qual ela fazia parte há pouco mais de um ano.