Dois candidatos com mais de 90 anos embarcam na eleição deste ano

Dois candidatos com mais de 90 anos embarcam na eleição deste ano

Fonte: Atualizado: sábado, 31 de maio de 2014 às 10:16

Os dois candidatos mais velhos nas eleições deste ano entram na campanha com perspectivas diferentes. Dalva do Nascimento , de 92 anos, candidata a suplente de senador no Distrito Federal pelo Partido Comunista Brasileiro, mal aceitou o desafio e já desistiu de fazer campanha. Argumenta que sente tonturas por causa da labirintite e acaba de enfrentar duas cirurgias de catarata, para corrigir problemas na visão que dificultam a leitura diária dos clássicos marxistas. Dalva é estreante em uma corrida eleitoral.

Aos 90 anos, Antonio Castanheiro , candidato a deputado federal pelo PTB do Rio, tem em comum com a colega do DF a admiração por Getúlio Vargas e o fato de ter se filiado aos 15 anos a um partido político. Assim como ela, acompanha de perto as transformações sofridas pelo País desde que o Rio de Janeiro deixou de ser a capital, Getúlio entrou para a história e os eleitores deixaram o campo para povoar as grandes cidades. Um tempo em que jamais se imaginava que o voto seria contabilizado por um clique no botão verde da urna eletrônica. Castanheiro é veterano em eleições e está disposto a conquistar votos à moda antiga. O iG entrou em contato com os dois nonagenários, que contaram, por telefone, suas histórias e expectativas para a política dos dias atuais.

Comunista, graças a Deus

Pelo telefone, a candidata pede, pela terceira vez, para que a pergunta seja refeita. “O senhor pode falar mais alto? Perdi a audição do ouvido direito e do outro só tenho metade”, explica. Com algum esforço, Dalva do Nascimento, de 92 anos - 77 só de militância - engata a conversa ao falar sobre socialismo e os tempos de Luis Carlos Prestes, mas não mostra a mesma empolgação com a possibilidade de se eleger suplente de senadora pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Distrito Federal.

Apesar de estar filiada desde os 15 anos à legenda, dona Dalva é novata em eleições. Encontrada em casa após duas frustradas tentativas de contato – na primeira vez, ela estava no meio de uma cirurgia de catarata e, na segunda, também – ela contou à reportagem, na última sexta-feira, que só aceitou se candidatar este ano por obediência partidária. E a um bom comunista, explica ela, cabe cumprir e não contestar as ordens do alto escalão.

“Sou suplente de uma senhora chamada...não estou me lembrando. Acho que é Rosana. O senhor me desculpa, tenho labirintite e às vezes me esqueço das coisas. Não vou fazer campanha porque se saio sozinha na rua dá tontura, alguém sempre precisa me acompanhar”, explica a candidata, que é 35 anos mais velha que a “titular” Rosana Chaib.

Dona Dalva mora em Guará 1, cidade-satélite de Brasília, com uma filha adotiva, de 58 anos, uma irmã, de 94, e dois sobrinhos. Nunca casou nem se elegeu para cargo algum. “Só estudei, trabalhei, e fui ajudar a família. Éramos oito irmãos. Hoje sou eu e minha”, diz.

Em seu registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a candidata comunista informou ter como ocupação o cargo de “capitalista de ativos financeiros”. Na prática, diz, é contadora e tesoureira do partido, formada em Uberlândia (MG), onde se criou, e aposentada em 1971. Desde então, viu o poder de compra diminuir, diminuir, até chegar a um salário e meio, ou exatos R$ 836,20. “Antes era uma importância de mil, quinhentos e pouco cruzeiros...”, lamenta.

Revolta maior mesmo, diz, só com os estrangeirismos, a multiplicação de escolas de inglês pelo País, o fim das aulas de civismo ou dos coros para o hino nacional antes da aula. Diz detestar estereótipos sobre comunistas – “é uma falsidade falar que comunista não tem religião” e não gosta de falar sobre os adversários que debandaram do comunismo ao longo do século 20.

O PC do B, aliado de primeira ordem do Partido dos Trabalhadores, “foi uma desmoralização”, afirma Dalva; o PPS, Partido Popular Socialista, virou qualquer coisa, menos socialista. “Hoje todo mundo é oportunista, quer ganhar qualquer coisa.”

A eleição de Lula, em 2002, foi uma “boa vitória”, avalia, porque só com ele o Brasil teve reconhecimento internacional. Só que Lula, ressalta ela, hoje é “mais patrão que operário” e passou a maior parte do governo “em cima do muro” – diz isso apesar de elogiar o aumento concedido aos aposentados no início deste ano. Só votou no atual presidente, conta ela, no segundo turno das eleições que disputou; mas só porque o partido mandou, e quando o partido manda, explica ela mais uma vez, cabe apenas cumprir.

Tal devoção se expressa nos broches e camisetas com desenhos da foice e da espada que diz colecionar e na entonação do hino da Internacional Comunista, que passa a cantar no telefone, não sem certo embargo na voz: “De pééééééé, ó vítimas da fooooooooome”. “Com a foice e martelo, ponho no peito e vou embora”.

Apesar dos “problemas com a vista”, Dalva guarda devoção também aos clássicos da literatura comunista – guarda “O Capital”, de Karl Marx, como livro de cabeceira, e se queixa da dificuldade de ler, um pouco a cada dia, o livro “O Socialismo Traído – Por Trás do Colapso da União Soviética”, de Roger Keeran e Thomas Kenny.

“Estou lendo devagar. Bem devagarzinho. Nessa noite mesmo eu perdi o sono e li”, diz a candidata, que cita partes da leitura para emendar o primeiro torpedo contra “o safado do (Mikhail) Gorbachev”, líder soviético responsável pela transisão da URSS para a economia de mercado. “Foi ele que criou as medidas anticomunistas e difamou o (Joseph) Stálin”.

Stálin, aliás, que junto com Getúlio Vargas e Luis Carlos Prestes são “verdadeiros deuses” nas palavras de dona Dalva. “Ihhhh, meu filho, era a coisa mais linda. Passávamos a noite em reunião ouvindo o Prestes falar. Nunca nessa vida compare esse homem com o Lula”, repreende a candidata, antes de abrir uma nova vaga no panteão comunista: “É, o Brizola também merece nosso respeito”.

Antonio Castanheiro , getulista desde criancinha

O primeiro contato durou apenas 15 segundos. Depois do quinto toque, finalmente Antonio Castanheiro atende o telefone no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Do lado de lá da linha, diz “alô”, mas é incapaz de compreender o pedido de entrevista. “Sabe o que é, eu não escuto direito. A minha mulher deve chegar mais tarde. O sr. liga depois, tá?!”

Desta tarde em diante, todo o contato foi feito através de Cláudia Regina Ribeiro, com quem Antonio é casado há 16 anos. A diferença de idade entre os dois é de mais de 20 anos. Durante duas noites as perguntas eram feitas à Cláudia, que repetia ao marido duas ou três vezes, até ele entender. As respostas eram sempre longas e repletas de histórias.

Aos 90 anos, Antonio Castanheiro passa pela vigésima eleição como candidato. Filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) desde os vinte e cinco anos, ele concorre em 2010 a uma vaga de deputado estadual contrariado. “Meu desejo era ser deputado federal, mas o partido achou melhor eu me manter no Rio e tive que obedecer”, diz o candidato, que prega a obediência partidária quase como um princípio militar. “O partido tem uma estratégia de crescimento que não pode ser contestada por causa de vaidades pessoais”, justifica.

A obediência partidária, aliás, tem sido o grande dilema do candidato nonagenário. Como o PTB é coligado com o PMDB no Rio, ele pode tranquilamente assumir seu voto no atual governador Sérgio Cabral, de quem é amigo de longa data. Contudo, na esfera federal o PTB faz parte da aliança em torno doosé Serra, o que impede Castanheira de assumir o voto em Dilma Rousseff (PT), que diz ser sua candidata do coração. “Do tamanho que o Brasil é, ele está muito atrasado em relação aos vizinhos da América Latina, que já tiveram uma presidente mulher. Gostaria muito de votar nela, mas ainda não consultei o partido para saber o que eles acham”, afirma Castanheiro.

Essa obediência partidária do candidato fluminense é antiga e remete aos tempos de Getúlio Vargas, de quem é afilhado político e admirador imponderável. Mesmo contrário a guerras e ditaduras, ele teve que defender o padrinho político, justificando a instalação do Estado Novo e a opressão contra os paulistas separatistas, que originou a chamada “Revolução Constitucionalista de 32”, onde morreram mais de mil pessoas. “As elites paulistas queriam derrubar Getúlio e a única forma de defender a alternância de poder foi ir à guerra, lamentavelmente”, conta o candidato.

Na época da Revolução, Castanheiro tinha apenas 12 anos. Apesar disso, já nutria admiração por Getúlio porque seu pai e o ex-presidente tinham sido amigos no Rio Grande do Sul, quando ambos ainda eram cadetes da escola militar. “Os dois iam para festas e farreavam juntos. Ele sempre contava as histórias vividas no Sul”, lembra. O pai tornara-se oficial da Marina e sempre teve orgulho da amizade com Vargas.

Ungido por essa amizade, o jovem Castanheiro sentiu-se na liberdade de solicitar um emprego ao presidente da República. O primeiro encontro entre ele e mandatário brasileiro aconteceu em um evento da escola militar carioca, onde Getúlio homenageava os oficiais que serviram na Segunda Guerra Mundial. Castanheiro era um desses soldados e servira no pelotão da FEB (Força Expedicionária Brasileira) de artilharia antiaérea contra as tropas de Hitler. Ao ver-se frente a frente com Getúlio, o rapaz não teve dúvida: solicitou-lhe um trabalho e foi prontamente atendido com um cargo na Justiça Federal.

O emprego possibilitou o jovem ingressar no curso de Direito. Com o diploma na mão, chegou ao cargo de Oficial de Justiça Federal. O convite para filiar-se ao PTB veio ainda no período de estudante, pelas mãos do filho médico do presidente, Lutero Sarmanho Vargas, de quem foi grande amigo e admirador. “Ele disse que eu tinha jeito para a política e que estava na hora de retribuir as coisas que o País tinha me dado de bom. Me filiei ao partido e estou até hoje na política, sem me arrepender”, lembra.

Passados mais de sessenta anos do episódio, Antonio Castanheiro sai todos os dias de casa com os santinhos do bolso, atrás de potenciais eleitores. Apesar da idade, ele aborda comerciantes, vizinhos e colegas das Laranjeiras e fala sobre suas propostas políticas. Lúcido e afável, sua principal plataforma é a defesa dos aposentados: “Não é possível que nossos idosos ainda sejam destratados em pleno século 21. Um País que não cuida do seus velhos não cuida de ninguém”, repete ele ao telefone pela terceira vez.

Embora reconheça que deixa a esposa preocupada quando sai de casa, o nonagenário não abre mão do corpo-a-corpo nas ruas. “Campanha não se faz sentado na poltrona, tem que dar a cara e participar da vida da comunidade”, diz ele. “Se envolver nas questões da comunidade é, antes de tudo, exercício de cidadania”, completa Castanheiro, que já foi deputado federal entre 86 e 89, presidente do Rotary Club carioca duas vezes, além de um dos fundadores do Associação de Oficiais de Justiça do Rio.

A solução para evitar os conflitos em casa foi trazer a companheira para a política, disputando cargos ou acompanhando seus evento. “Tenho medo dele andando sozinho por ai, nessas comunidades distantes por onde ele se mete. Sempre que começa uma campanha a minha vida pára. Fico atrás dele pedindo votos. Na última eleição para vereador também me candidatei a pedido dele, mas não divulguei meu nome para não dividir os eleitores”, narra a esposa. “Com 90 anos ele ainda tem fôlego para fazer três, quatro discursos por dia”, diz Claudia.

O orgulho de ser getulista ele carrega nas campanhas e rechaça qualquer comparação entre o ex-presidente suicida e Lula. “Os dois foram grandes líderes dos trabalhadores. Mas as condições políticas eram outras. Lula nunca precisou usar a força contra as elites, mesmo sob tiroteio. Mesmo assim, Getúlio fez coisas pelo povo que duram até hoje, como a CLT ( Consolidação das Leis do Trabalho ) ou o voto para a mulher. Ele deu trabalho, comida e roupa para o povo”, argumenta.

Perguntado sobre a morte de Getúlio, Castanheiro desconversa e diz que não acredita na tese de suicídio do seu padrinho político. "É difícil explicar por telefone, mas muitas fatores estão por trás desse episódio", explica. Apesar de negar as comparações entre Lula e Getúlio, o petebista nonagenário admite que o País passa por mudanças profundas, especialmente na área social. “Parece que só depois do Lula é que descobriram que o Brasil é cheio de pobres e trabalhadores”, brinca.

Sem dinheiro para bancar uma campanha com equipamento de som, perua, bandeiras e cabos eleitorais pagos, Castanheiro investe no corpo-a-corpo e na distribuição de santinhos para atrair o eleitorado. Netos, noras e filhos também entram de cabeça na campanha para ajudar, divulgando a candidatura entre amigos e vizinhos. “Nossa ideia é colocar alguns vídeos no YouTube para ajudar a elegê-lo”, conta a esposa, esperançosa.

Na última eleição para vereador, Castanheiro obteve apenas 1800 votos, quantidade impossível de eleger qualquer político. Para esse pleito, ele já prepara uma dobradinha com outro candidato a deputado federal do PMDB, esperançoso para que o número de eleitores cresça. Avesso a promessas de campanha, seu único compromisso é continuar tentando retornar a política. “Os deputados hoje são descolados da realidade social, da situação dos aposentados. Sou de uma família em que as pessoas vivem cem anos, só desistirei de mudar isso na hora da morte”, desabafa.

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