Bertold Brecht, um dos maiores poetas que já viveu, dizia que um mundo que precisa de heróis é um mundo triste por depender de tal tipo de pessoa. Em seu ponto de vista, Brecht argumentava que buscar inspiração em seres mitológicos não gerava consistentes mudanças no comportamento humano. Bem, a história prova que Brecht estava, neste assunto, errado. O estrondoso sucesso de filmes do gênero idem.
Vamos ser sinceros, atualmente vivemos num mundo cada vez mais caótico: religiosos consideram sua crença como a única verdade, políticos governam em benefício próprio e em prol dos interesses das grandes empresas, o povo não se une para nada a não ser rir da desgraça alheia, fazer festa ou prejudicar o azarado que estiver mais perto. Há miséria, corrupção e a diferença entre compreender, respeitar e concordar está cada vez mais esquecida.
O próprio Brecht levanta uma outra questão interessante, que toma forma numa pergunta que nos provoca reflexão: que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio? Já se fez a mesma pergunta? Parece que, não importa para onde olhamos, os valores estão invertidos. Qualquer coisa normal que fazemos se torna motivo de troféu e reconhecimento, expondo o fato de que o mundo anda carente de bons exemplos. Já parou para pensar no que são heróis ou o que eles representam?
Não importa se são relacionados à mitologia ou à alguma religião, ou a histórias em quadrinhos, o fato importante é sobre o que caracteriza esses indivíduos singulares que, mesmo fruto da imaginação de um autor, influenciam, não muito raro, gerações inteiras. O que os torna um referencial é, na realidade, a essência do heroísmo, aqueles atributos que os leva a solucionar problemas de proporções épicas com uma firmeza de caráter e um senso de justiça que admiramos, mas nem sempre nos lembramos de desenvolver.
O mundo nunca precisou tanto de pessoas assim.
Não estamos falando de homens de outro planeta com capa vermelha ou semideuses trovejando raios por aí. Estamos falando de exemplo. Do que um herói representa. Estamos falando de pessoas que possam servir de referência comportamental e tenham a coragem de se posicionar firmemente ao lado do que é certo, independente da inversão de valores que assola a sociedade.
O homem que se formou em medicina por missão de vida
O mundo precisa de heróis reais que façam e saibam inspirar outros a fazer a diferença em seus círculos sociais. Pessoas compromissadas com a esperança. Que não se dobram diante das perversidades. Pessoas como o prêmio Nobel da Paz de 2018, Denis Mukwege, o terceiro de nove filhos de um casal de pastores congoleses, que resolveu estudar medicina com o simples objetivo de curar as mulheres pelas quais o seu pai só podia orar.
Dênis é um médico ginecologista que ganhou um prêmio pelos seus esforços em denunciar crimes de guerra contra a humanidade no Congo, onde mulheres de qualquer idade eram raptadas e estupradas como estratégia de guerra. Ele decidiu que queria fazer a diferença num mundo de indiferença e transformou aquelas mulheres em sua missão pessoal de vida, se tornando ginecologista para ajudar aquelas mulheres. Como médico, Mukwege já tratou mais de 30 mil vítimas de estupro e violência sexual na República Democrática do Congo.
Heróis feitos de carne, osso e integridade
Precisamos de pessoas como Rosa Parks, uma moça simples que se cansou de ter que sentar no último banco do ônibus porque era negra e, em 01 de Dezembro de 1955, se recusou a ceder seu lugar no ônibus para um branco. Sua recusa foi o estopim do movimento que foi chamado de "boicote aos autocarros de Montgomery" e fez com que um jovem pastor negro começasse a introduzir em seus sermões ingredientes que iniciaram o movimento dos direitos civis dos negros norte-americanos. O nome do jovem pastor era Marthin Luther King Jr.
Precisamos de outros "Nelson Mandela", que se recusou a se fazer de vítima do sistema e provou, com sua vida, que é possível derrotar um regime totalitário com nada mais que amor e perdão. Vejo uma Malala Yousafzai, que encarou sozinha um regime para, pasmem, ter o direito de estudar. Vejo uma Anjezë Bojaxhiu, filha de pais palestinos, que foi à Índia como missionária a serviço do Instituto Beatíssima Virgem Maria. Lá, fundou a casa da Esperança e, a despeito da fé "diferente" dos nativos, todos viram um amor tão grande que começaram a lhe ajudar independentemente da sua "outra" fé. Alguma vez você já ouviu falar de uma missionária cristã que recebia sustento de Hindus, Muçulmanos e budistas? Anjesë foi essa missionária. E você a conhece, mas como Madre Teresa de Calcutá.
Sabe, o mais interessante é que aqueles que mais precisam sabem reconhecer a voz que devem seguir e, de fato, seguem. Durante a cerimônia de premiação de Dênis Mukwege, alguns congoleses assistiam nas tribunas e, ao fim da cerimônia, despediram-se do médico entoando uma canção: "Deus escolheu-te. Trabalha por ele com o teu coração, o teu espírito".
Precisamos parar de defender lados e entender que a ideologia que verdadeiramente importa e faz a diferença não é política, de esquerda ou de direita, e sim aquela que prioriza o outro e o que é correto. É aquela que me faça ser mais do que um simples apelo por mudança e me transforme na mudança, que me credencie a ser um exemplo. Os heróis acima eram pessoas comuns como nós, mas entenderam isso e mudaram a história de seus locais sem nenhuma capa. Seus únicos superpoderes foram o exemplo e uma disposição para não se calar diante das injustiças e barbaridades que aconteciam em suas sociedades. Nosso país precisa, mais do que nunca, destes heróis.
Alguém já disse que pior que o barulho dos maus é o silêncio dos bons. Não se cale. Decida ser a mudança que o mundo precisa.
Seja uma voz. Seja um herói na vida de alguém.
Alisson Magalhães é Ministro Ordenado na Igreja do Nazareno, formado em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, professor de Teologia em cadeiras teológicas, pastorais e na área de música e adoração. Autor do livro Cristianismo 4.0 - Desafios para a comunicação cristã no século XXI, à venda pela Book Up Publicações. Atualmente serve com sua esposa, Elaine, como Pastor na Igreja do Nazareno em Otacílio Costa, na Serra Catarinense, onde também atua como jornalista e Secretário de Administração e Comunicação Institucional na Prefeitura de Palmeira/SC.
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