Comecei esta semana falando de um tema muito delicado e ainda difícil de ser tratado corretamente no seio da Igreja Cristã. Me refiro à violência doméstica praticada por homens que, muitas vezes, ocupam cargos ministeriais ou simplesmente fazem parte da comunidade religiosa, mesmo cometendo o pecado de bater na mulher dentro de casa.
No artigo de hoje, quero focar em um erro muito comum nessas situações, que é a negligência da igreja diante dos casos onde a mulher é agredida pelo marido reiteradamente. Isso costuma ocorrer por causa da ideia equivocada sobre perdão e manutenção do casamento.
Alguns líderes simplesmente não consideram a possibilidade da mulher agredida poder se divorciar do marido, apenas por ser cristã. Em vez disso, eles insistem no fato da vítima da violência precisar "exercer o perdão", dando uma, duas e infinitas chances de recuperação ao marido agressor. Um absurdo!
Em primeiro lugar, precisamos deixar claro que o marido que bate na mulher está cometendo um crime, e isto significa que, independentemente do perdão, esta atitude deve ser denunciada às autoridades competentes. Assim como todo pecado tem as suas consequências, a consequência da violência doméstica é a aplicação da justiça.
Denunciar a agressão, pedindo socorro às autoridades ou à igreja, não impede que a mulher decida perdoar, assim como o perdão não impede que a denúncia do marido agressor não seja efetuada, pois uma coisa é a consequência da justiça humana e outra é a de Deus. A dos homens se paga aqui, na Terra.
Segundo, não há margem alguma na Bíblia que justifique a manutenção de um casamento onde a violência doméstica está presente. Pelo contrário, existe margem para a separação, visto que o homem que agride a sua esposa está deixando de cumprir o que o apóstolo Paulo ensina em Efésios 5, dos versos 24 ao 29:
“Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela; para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra; para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível".
“Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja”.
A passagem não diz que a mulher deve se divorciar se o marido fizer o contrário disso, mas precisa? A Bíblia também não diz, explicitamente, que não devemos furar a fila do banco, jogar lixo no meio da rua, usar uma droga qualquer ou fazer aborto, mas isso está dito implicitamente no seu conjunto de princípios e valores descritos de Gênesis ao Apocalipse, motivo pelo qual não precisamos ter o registro de um versículo para cada pecado existente no mundo.
Repare que os versos 24 e 29 de Efésios 5 estão ligados aos versos anteriores 22 e 23, onde o apóstolo orienta que as mulheres sejam "submissas" ao marido. O que temos aqui é uma condição resultante de outra. Em outras palavras, a mulher se submete ao esposo que a ama, cuida, "alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja”, a ponto de dar a vida por ela.
Está claro, portanto, que qualquer relacionamento fora dessa condição de reciprocidade, amor e cuidado, não caracteriza o casamento ensinado por Deus. A violência doméstica é o contrário de tudo isso, e o homem que a pratica abre mão da união matrimonial pela traição dos princípios divinos para a vida conjugal.
Por isso, a mulher cristã vítima da violência doméstica tem o total direito de querer se divorciar do seu marido agressor, visto que ela está sendo moral e biblicamente traída por ele a cada agressão que recebe.
Finalizo dizendo que Deus, mesmo nas piores situações, pode restaurar a família. Também acredito nisso. Mas esse não é o foco deste artigo. Minha intenção aqui foi chamar atenção de forma pontual para as situações em que o argumento do perdão é usado por certos líderes para querer legitimar a escravidão da mulher diante de um marido agressor, o que está errado.
Em outra oportunidade, espero poder falar sobre a possibilidade de restauração de um relacionamento marcado pela agressão. Em todo caso, porém, adianto que a mulher e a igreja jamais devem se omitir quanto à denúncia e à disciplina, pois essa atitude também faz parte da mudança de quem realmente deseja ter a sua família restaurada.
Marisa Lobo é psicóloga, especialista em Direitos Humanos, presidente do movimento Pró-Mulher e autora dos livros "Por que as pessoas Mentem?", "A Ideologia de Gênero na Educação" e "Famílias em Perigo".
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