Ando inebriado de beleza.
De repente me sinto esmagado pelo esplendor.
Sem mais nem menos, sou batizado por uma Presença nas águas encantadas da poesia.
Tudo me encanta, tudo me seduz.
Nesse mergulho, passo a gostar de pequenos gestos.
Relembro momentos fugidios que marcaram minha retina com enorme alegria.
Ressuscitam em mim olhares, toques e sílabas soltas, responsáveis pelo resgate de mim mesmo.
Sei, uma presença estranha me possui.
Ela é vento sagrado que abre o estojo de jóias chamado saudade.
Sua presença imperceptível ressuscita traços do que me fez sorrir um dia.
Estou convencido de que só percebo a sombra do divino.
Sua formosura tem a negritude da asa da graúna, é gentil como o sorriso da criança e forte como o olhar do ancião.
Acolho o sopro divino e miudezas me fascinam.
A genialidade poética do Chico Buarque e a doçura do Henry Nouwen se somam à erudição de outros poetas para me deixar com o impulso de correr, saltar, arriscar.
Sinto-me vivo. Os meus olhos se enchem de azul.
A minha pele se cobre com o rubro sensual do crepúsculo.
O meu coração acolhe o que a noite fecunda.
Percebo o abraço do infinito.
Uma beleza sutil me arrebata enquanto o instante fugidio me endoidece.
Na areia sorrateira que desce, me vejo encharcado de eternidade, assombrado pela vastidão sideral, atraído pelo insólito, desejoso do devir.
Mantenho o olhar absorto no horizonte improvável.
Um sopro primordial vem e tenho anseio de me sentar em uma catedral vazia.
A presença do intangível me conduz a esses espaços bucólicos.
Guardo a sensação de que algum companheiro, parecido com o andarilho que arde corações, ainda me acompanha.
Virtudes que jamais alcancei me animam a conquistar o que me resta de fôlego.
Desfaço no peito os nós da discórdia, despedaço na mente as lógicas do ódio e me inundo de sede por mais bondade.
Me uno aos que lutam para conquistar a praça onde justiça, paz e alegria dão as mãos.
Por algum motivo, no êxtase do sagrado, perfumo a casa com velas aromáticas, leio Pessoa e escuto Bach.
Lamento quem se foi e tento guardar sob sete chaves os que me são caros.
Esses mínimos acenos do divino me deixam com a alma à flor-da-pele.
Sinto a vida em estado puro.
Soli Deo Gloria
- Ricardo Gondim