Cristofobia nos presídios

Em algum lugar do mundo sempre tem algum cristão sendo perseguido, discriminado, assediado, desmoralizado, hostilizado.

Fonte: Guiame, Sergio Renato de MelloAtualizado: quinta-feira, 13 de junho de 2024 às 18:06
(Foto: Unsplash/Hasan Almasi)
(Foto: Unsplash/Hasan Almasi)

O objetivo aqui não é fazer o que o próprio texto diz para não fazer, proselitismo religioso. Estarei sendo hipócrita se fizer o contrário do que minhas palavras dizem. Sem apologia a qualquer tipo de religião, apenas exponho minha visão acerca do espinhoso tema e de acordo com os fatos midiáticos dos quais eu tenho conhecimento. Isso é bom e oportuno que seja esclarecido, já que tudo que é falado ou escrito publicamente hoje é encarado como política do nós contra eles e vice-versa. A divisão, a política do fascismo, da qual quero me afastar.

Em algum lugar do mundo sempre tem algum cristão sendo perseguido, discriminado, assediado, desmoralizado, hostilizado. Desta vez não é porque este imitador de “Cristo” esteja blasfemando, discutindo com ateu ou muçulmano, morando em algum país comunista ou asiático, como Indonésia, Birmânia ou China, no Quênia e África Central, na Coreia do Norte, Síria, Iraque, Irã, Paquistão, Arábia Saudita, Egito, Sudão, Quênia, Nigéria, Índia, Turquia e, inclusive, Estados Unidos, França, Reino Unido e Espanha.

Desde que a cultura e a moralidade ocidental foram contaminadas pela luta de classes marxista, o cristianismo é o vilão culpado de males sociais, como machismo, misoginia, sexismo, preconceito, etc. Isso virou paranóia elitista. Um sintoma, embora não necessariamente ligado a tais motivos, está no novo trato que o governo brasileiro está dando à questão da assistência religiosa nos presídios, um direito previsto na Constituição, na forma de liberdade religiosa e de culto, e na lei, que dispõe sobre prestação de assistência religiosa. Uma cristofobia intra muros sob o disfarçado argumento de combate à animosidade religiosa, ao fundamentalismo cristão, à religião-política no interior do ergástulo prisional, reduto onde, claro, a consciência individual do preso deve ser preservada contra ataques doutrinários e maliciosos que visam apenas poder e interesse pessoal ou de grupo.

Como a cristofobia veio de teorias universitárias sem qualquer fundo de fato verdadeiro, tendo origem apenas em mentes férteis, uma conclusão já se impõe: não parece coisa de gente de carne e osso. Ossos secos. Locke aqui é oportuno: “Liberdade absoluta, liberdade justa e verdadeira, liberdade igualitária e imparcial, é disso que precisamos” (in Carta sobre a tolerância). De mais a mais, ainda dele, “Não posso, portanto, senão esperar que este Discurso seja considerado altamente oportuno por todos os homens que têm grandeza de alma o bastante para preferir o interesse do público ao de um partido… É para o uso daqueles que já possuem este espírito ou para inspirar esse espírito naqueles que não possuem…”.

No Brasil, veio agora a Resolução n. 34, de 2024, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o CNPCP. Ela revoga a anterior, de 2011, a Resolução n. 8. Em ambas o motivo é o mesmo: vedar a conversão de presos. Ao dizer que veda o proselitismo religioso, a resolução acaba impedindo a conversão de pessoas em situação de privação de liberdade, pondo em risco a inviolável liberdade de consciência e de crença que ela mesma, de acordo com os seus considerandos, visa combater. Mas não se confia em considerandos de leis, assim como não se confia em manchetes de jornais.

Coisa de se estranhar. Coisa boa não é. A bem da verdade, o que a resolução quer mesmo é vedar que pessoas presas se convertam ao cristianismo. Quando o óbvio tem que ser falado, informado, disciplinado, como a resolução quer inculcar que é necessária a liberdade de consciência e de crença, algo tão óbvio, é porque as coisas não andam bem.

No caso, é o cristianismo que está sendo atacado. Não se vê nos estabelecimentos prisionais brasileiros religiões diferentes da cristã. Padres, bispos, pastores são mais comuns de se ver do que pais de santo, por exemplo. Logo, o objetivo disfarçado da resolução, ao pretexto de defender a inviolabilidade da consciência e de crença, é vedar que os presos aceitem Jesus.

Qual o problema de o preso aceitar Jesus dentro do estabelecimento prisional? Ora, nenhum. Aliás, parece ser problemático apenas para o Estado, o novo “César” contemporâneo que veio nos atormentar de novo. A Igreja Universal do Reino de Deus tem frequentemente trazido testemunhos de conversões cristãs nestes ambientes. O problema, então, está em desagradar ao diabo.

O motivo até parece bom. Vedar o proselitismo é impedir o livre desejo de aceitar ou não uma religião e deixar livre a escolha de um messias, ou até mesmo não aceitar qualquer religião ou messias. Mas o alvo é a religião cristã, querendo passar a impressão de que religiosos cristãos agem de forma indevida quando ensinam sobre fé e conversão a Jesus, como se estivessem impondo e não apenas evangelizando. Pegaram novamente Cristo para cristo.

A obrigação de dar assistência religiosa nos presídios é claramente prevista em lei. Visa-se contribuir para a ressocialização do preso. Qualquer ato governamental ateu, antirreligioso, anticristão, que impeça esta compreensão, que discrimine, que assedie, que desmoralize, que hostilize ou que intente esta compreensão viola, sim, a liberdade de consciência e de crença.

Claro que existe e possa existir proselitismo. Ele é difuso. Mas tem mais na universidade, nas artes, no cinema, no teatro, na televisão, nos esportes, no uso do dinheiro público, etc., e este proselitismo é uma investida esquerdista para politizar o ambiente cultural, político e religioso em favor de suas bandeiras ideológicas. Devemos nos lembrar dos seguintes exemplos já ocorridos. No cinema, Josias Teófilo, diretor do documentário sobre o saudoso Olavo de Carvalho, “O jardim das aflições”, é um deles. Artistas negaram trabalhar com Josias por temerem represálias, por exemplo.

A Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 1984) é clara e dispensa qualquer esforço retórico para ser corretamente interpretada. A sua própria literalidade convence. Ela determina que o preso tem direito à assistência religiosa. Assim como o pão é o alimento para a carne, Cristo é o alimento para o espírito. O preso não se converte do crime apenas com pão. Ele precisa mais do que compreender seu erro.

A autoridade entrará no mérito da pregação religiosa? Ora. Quem está encarregado de dizer o que é e o que não é proselitismo, interesses escusos, ou clericalismo, ou seja, pela autoridade do pregador? Quem dirá que a pregação religiosa é algum tipo de “agenda divina” politicamente infiltrada de algum grupo com intenções meramente doutrinárias, riqueza pessoal ou vaidade, a exemplo de um celular que se escapou do escaner corporal e já transita dentro das celas? Ou um padre que exalta o PT ou o PSOL? Como ressaltado na introdução à Carta sobre a tolerância, de John Locke, do século XVII, “Credos religiosos e credos políticos inspirados pelo clero tendem a ser ideológicos no sentido estrito do termo: são doutrinas que servem ao poder e não à verdade”. Por isso que Locke é oportuno, já que ensinou sobre a tolerância religiosa, e hoje, por mais que tentem convencer pelo diferente, quem precisa ser tolerado é Cristo, o sempre e sempre renegado.

A releitura dos fundamentos da tolerância religiosa é, agora, oportuna. Na intenção de cumprir a norma e resguardar a livre vontade do preso, os agentes prisionais que cuidarão da entrada dos religiosos estarão treinados para julgar se o que vai ser pregado passará pelo crivo daquilo que Locke chamou de “antinomianismo”, ou seja, lições de moral no lugar da pura religião? Estará claro para o agente fiscalizador que um santo do PT estará ali em nome do Estado, de Deus ou de satã? Terá ele discernimento de espíritos para provar as intenções dos pregadores?

Trata-se de guerra espiritual. Também acontece com os puxadinhos do PT na saúde pública, onde rezas “brabas” de orixás, caboclos e guias serão como água benta que cura e liberta de qualquer tipo de mal que acomete aquele que entrar em algum postinho de saúde desse imenso Brasil cristão (mas provavelmente furarão a fila por serem vítimas discriminadas da sociedade judaico-cristã). Guias como estes estarão exorcizando não exatamente demônios, mas sim uma cultura que eles culpam no lugar dos presos. Karl Marx tinha dito que a culpa pelo crime é da luta de classes, o satanás do crime. E, então, quem serão os proselitistas? Padres, bispos, pastores e outros evangelistas cristãos que estarão nos ergástulos para levar a mensagem de salvação cristã e, como sempre fazem imitando o que acontece nos cultos nas igrejas, perguntarem se o preso aceita ou não Jesus como salvador de suas almas para levarem uma vida abundante em todos os sentidos, desde o financeiro até o espiritual.

Criminosos não nasceram criminosos. Como disse a respeito no parágrafo anterior, Marx entende que o crime vem da luta de classes. De um jeito ou de outro, os criminosos não são santinhos. Eles não são incapazes de entender que o ato que praticaram é errado, é crime, e se comportarem de acordo com esta consciência. Alguns deles podem até querer se libertar do hábito delitivo e não conseguem, mas esta vontade, enquanto mera vontade interna, ainda não os inocenta. Então, o que deve ser tratado é a alma, não o corpo (não sou adepto de Michel Foucault, que diz que o problema está na prisão do corpo). Acredito que o ser humano não é um caso perdido, ele tem cura, e carregar a cruz de Jesus já dentro da cela, com a consciência do próprio erro, pode ser um recomeço para a libertação da alma.

 

Sergio Renato de Mello é defensor público de Santa Catarina, membro da Igreja Universal do Reino de Deus e autor de obras jurídicas e dos seguintes livros: Fenomenologia de Jornal, O que não está na mídia está no mundo e Voltaram de Siracusa.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

 

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