Proselitismo religioso

A vedação do proselitismo religioso deveria ser encarada como reação do Estado a picaretas religiosos, interesseiros, querendo ganhar almas sem que elas queiram.

Fonte: Guiame, Sergio Renato de MelloAtualizado: terça-feira, 1 de outubro de 2024 às 17:36
(Foto: Unsplash/Harry Shelton)
(Foto: Unsplash/Harry Shelton)

A Resolução n. 34, de 24 de abril de 2024, veda o proselitismo religioso. Não veda pregação religiosa nos estabelecimentos prisionais, apenas impede que a alma do detento seja desejada pelos outros mais do que pelo próprio detento.

A vedação do proselitismo religioso deveria ser encarada como reação do Estado a picaretas religiosos, interesseiros, querendo ganhar almas sem que elas queiram. Mas é César tentando dizer o que é Deus e quem é Deus.

Quem tem que fazer esta triagem é a própria ovelha, não o pastor ou quem se faz passar por ele. Nem mesmo Deus quer fazê-la. Procureis e me achareis. Bateis na porta e eu abrirei. E ela tem que saber discernir entre verdade e mentira, que o proselitista está mais para ovelha perdida do que a própria ovelha.

O combate ao proselitismo religioso nos presídios vem embarcado, de carona, na pretendida cura petista da alma nos recém-criados puxadinhos espirituais do PT no SUS (tratar a alma como doença física em postinhos de saúde). Uma possessão demoníaca será tratada com comprimidos controlados.

Acontece que o que foi querido por esta vedação ao estelionato espiritual, apesar de ter usado a palavra “proselitismo”, não foi combatê-lo. A norma abriu as portas para o proselitismo religioso.

Fui defensor na execução penal por oito anos e não vi sequer um detento pedir por pais de santo, por Buda, pelo Alcorão, por Masaharu Taniguchi (da Sei-Cho-No-Ie), e outras tantas que se alinhariam a este pequeno rol exemplificativo. Que o pedissem. Seriam atendidos, claro. Pedindo por orações, por leitura de Bíblia, por palavras, por conselhos ou simplesmente por alguém que dê ouvidos às suas queixas contra o tal do sistema, da sociedade, da faca que entrou, do tiro que saiu, das influências, amizades, da família, tendo o direito constitucional de crer em quem quiser ou de não crer em nada, tem-se uma demanda menor do que a oferta de direitos constitucionalmente garantidos.

Agora, proselitizando tudo, ou seja, interessadamente, o que se tem é uma oferta maior que a demanda. E isso é proselitismo religioso. É César pecando no aquário de Deus.

Consequentemente teremos padres, pastores, filósofos de vidas ideais, místicos em geral, querendo uma vaguinha para suas “pregações” dentro dos estabelecimentos prisionais. Todos querendo tirar do pé da cova espiritual com uma ritualística própria de quem já está dentro dela.

 

Sergio Renato de Mello é defensor público de Santa Catarina, membro da Igreja Universal do Reino de Deus e autor de obras jurídicas e dos seguintes livros: Fenomenologia de Jornal, O que não está na mídia está no mundo e Voltaram de Siracusa.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Quando Abraão não é o carrasco

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