Acompanhando as redes sociais temos visto que existe uma certa relação entre o livro bíblico de Eclesiastes e os coachings.
O que Immanuel Kant fez ao escrever A religião nos limites da simples razão é bem controverso e paradoxal. De um lado, parece ter pretendido dar um fôlego à religião e à moralidade cristã ao reduzi-las a uma mera crença sentimental que as pessoas adotam sem pensar, ou seja, natural e, portanto, inevitável e necessária. De outro, conduz à conclusão de que este rebaixamento foi um passo a mais na sua secularização contínua, ou seja, foi mais uma chicotada em um Jesus já agonizando demais.
O que o filósofo estava querendo dizer é que existe uma religião natural e que devemos aceitá-la, cultivá-la, preservá-la, mesmo sem Messias, sem Bíblia, sem joelho no chão. Uma religião acima dos céus, o que talvez Nietzsche tenha dito depois com além do bem e do mal (só que Kant era conservador e Nietzsche queria destruir os valores morais). Isso é até um certo ponto algo bom, servindo para ensinar os burros ou semiburros, zumbis ou candidatos a zumbis. Ele faria indagar: se todos traíssem, se todos furtassem, se todos agredissem? Ora, fica já certo que não precisamos de crença religiosa para não cometermos estes erros humanos. A mera lógica resolve.
De olho nas redes sociais, que viraram um espetáculo de horror humano, de vez em quando aparecem coachings dos mais variados tipos. Tem muita menininha nova querendo ensinar até sexo anal. Este cenário caótico lembra os dias de Sodoma e Gomorra sem a mesma dignidade daquele tempo, que parece não ter mercantilizado o sexo como hoje.
Mesmo considerando a gritante, notória e incontroversa imoralidade destas atividades, pergunto se vale a pena seguir em frente com projetos profissionais deste tipo sem olhar quem somos, de onde viemos e para onde vamos? O que essa gente, esses tolos que correm atrás do vento, tem na cabeça?
De outra parte, outra pergunta vem necessariamente: se tivéssemos certeza de que nosso projeto profissional não daria certo? Se começarmos a colocar em dúvida o que somos e o que fazemos?
Tem muita, mas muita gente mesmo, que recorre a tudo quanto é coisa para obter as respostas que precisa. A Bíblia é lida também, principalmente ao final dos quarenta e nove do segundo tempo, a última porta, quando deveria ser sempre a primeira.
Eclesiastes está aí para nos alertar: cuidado com os abusos da fé. É como dizer “baixa a tua bola”, pés no chão. Quanto a este ponto, o presidente Lula, preguiçoso, não leu Eclesiastes 5 inteiro, só a primeira parte que diz: “Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco quer muito; mas a fartura do rico não o deixa dormir”, ignorando o final: “E a todo o homem, a quem Deus deu riquezas e bens, e lhe deu poder para delas comer e tomar a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus.”.
Eclesiastes não é gênio maligno cartesiano, daquele que duvida até chegar à certeza absoluta para qualquer ciência que queiramos ter. Ele não foi escrito para nos colocar em dúvida, para nos levar ao extremo do absurdo da ciência, que é o niilismo, como queria Nietzsche, que morreu doido. É também, então, motivacional, mas não um capítulo de um curso que se acessa clicando em um link ou uma nota de rodapé de um PDF. Ele é a base, a estrutura, de um projeto maior, mais a longo prazo, que termina com o por vir eterno, no efetivo descanso de toda nossa obra terrena, quando poderemos, enfim, se o observarmos, dizer: valeu a pena!
Por tudo isso, qualquer autor de livro motivacional ou coaching não teria razão se odiasse o presente texto ou o livro bíblico de Eclesiastes.
A dúvida, a paralisia, o ceticismo e o niilismo devem ser eliminados de pronto, já que a Bíblia deve ser lida em todo o seu contexto, não como picaretas espirituais a leem destacando trechos que favorecem e eliminando outros que prejudicam o convencimento acerca das suas fantasias espirituais. O que ligares na Terra terá sido ligado nos céus. Isto é uma autorização para agir, um aviso de que vai dar certo, bastando apenas paciência, podar excessos e saber lidar com as emoções, com a vozes que querem nos fazer parar antes mesmo de tentar.
Sergio Renato de Mello é defensor público de Santa Catarina, membro da Igreja Universal do Reino de Deus e autor de obras jurídicas e dos seguintes livros: Fenomenologia de Jornal, O que não está na mídia está no mundo e Voltaram de Siracusa.
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