A violência doméstica também tem se espalhado na comunidade da fé, conforme um artigo do Eternity News. Durante um webinar, especialistas apontaram para vários tipos de violência doméstica que são “ocultadas, minimizadas e até descartadas”.
A psicóloga Kylie Maddox Pidgeon, que trabalha com mulheres que sofrem violência doméstica no contexto cristão, fala dos abusos que acontecem, inclusive, dentro do ambiente da igreja.
O webinar foi organizado pelo Instituto St James, em Sydney, Austrália, na semana passada, com o objetivo de oferecer ferramentas práticas para lidar com a violência doméstica e criar comunidades religiosas mais seguras. Mais de 100 pessoas participaram.
Estatísticas da violência
“Temos um quadro geral que indica que, na Austrália, 1 em cada 4 mulheres ao longo da vida e cerca de 1 em cada 13 homens são afetados por abuso doméstico”, disse Tracy Lauersen, presidente do Grupo de Trabalho sobre Violência Familiar da Igreja Anglicana da Austrália.
“Precisamos pensar nisso principalmente como uma questão de gênero, porque são principalmente as mulheres que são as vítimas-sobreviventes, e é perpetrado principalmente pelos homens”, alertou.
Além da violência física, Tracy também fala do abuso verbal e emocional: “O dano que estamos vendo não se limita às mortes trágicas e chocantes de mulheres, mas há danos para a vida das sobreviventes e das crianças que convivem com esses adultos”.
No abuso, existe a questão da mulher ser obrigada a negar sua personalidade e, no caso das cristãs, negar quem ela é como filha de Deus.
Igrejas despreparadas
“As igrejas estão mal equipadas porque nos concentramos mais no perdão e não na responsabilidade”, disse a psicóloga Kylie ao comentar que pesquisas sérias estão dando voz ao que as mulheres relatam em salas de aconselhamento.
No cenário atual, o que ocorre dentro das igrejas é que as mulheres são aconselhadas a perdoar para manter o casamento. Nesse caso, a responsabilidade acaba caindo sobre as costas delas, quando deveria ser do homem. "Eles precisam aprender a se relacionar com respeito”, completou.
“As igrejas podem ter a cultura de priorizar as vozes dos homens, seja pregando, ensinando, liderando, o que cria um viés inconsciente de que os homens são mais críveis ou que os homens são mais propensos a serem acreditados”, disse ainda.
“Ao passo que, na verdade, todas as pesquisas nos dizem que precisamos acreditar nas mulheres e que a violência, provavelmente, é ainda pior do que ela está nos dizendo.
Kylie tenta mostrar que a mulher acaba se acostumando com essa realidade do ambiente da igreja e prefere se calar. Sobre o divórcio, ela alerta que não é o real motivo do fim do casamento.
“Foi o comportamento violento dentro do casamento que minou o amor, o respeito e a confiança dia após dia”, explicou ao dizer que o divórcio é só o ponto final.
‘Um espaço seguro para as mulheres’
Três pesquisas da NCLS Research sobre violência doméstica revelaram que nas igrejas anglicanas, 88% das vítimas não buscaram ajuda de seus líderes.
Para a psicóloga, isso é muito sério. Ela explica que é necessário criar um espaço seguro nas igrejas, onde essas mulheres possam buscar ajuda. “É um desafio real e devemos pensar nisso. Precisamos pensar numa forma de apoiar mulheres e homens de maneira igual”, disse ainda.
“Eu respeito as posições teológicas, mas se você está promovendo a desigualdade entre homens e mulheres, você pode estar apoiando situações de violência doméstica”, completou.
Ela também explica que entende o papel do homem e da mulher, teologicamente falando. “Mas vejo que algumas práticas humanas promovem condições que levam à violência doméstica, como as vozes dos homens sendo priorizadas”, alertou.
Como ajudar essas mulheres?
Tracy ajudou no desenvolvimento desse “espaço seguro” nas igrejas anglicanas, instituindo os “10 compromissos anglicanos como um modelo para as igrejas responderem ao abuso”.
É preciso conversar sobre o assunto com a comunidade e falar abertamente sobre a violência doméstica. “Se você prega sobre isso, está abrindo um espaço para as pessoas realmente conversarem. Você está se apresentando como alguém acessível e que quer realmente ajudar”, ressaltou ao recomendar treinamentos para líderes.
Entre os compromissos, ela também citou a pregação sobre igualdade, sobre a importância de formar equipes e colocá-las na frente da igreja todos os domingos e investir nessas pessoas.
“Temos esses compromissos, mas são palavras no momento, o próximo passo é colocar tudo em prática”, concluiu.