"Há muitos anos deixou de ser um problema das classes dos menos favorecidos e tornou-se problema de todos". O alerta dado pela psicóloga cristã especializada em Direitos Humanos Marisa Lobo quebra paradigmas antes estabelecidos sobre a questão da dependência química e seus efeitos na sociedade.
Segundo dados fornecidos pelo secretário nacional de políticas sobre drogas, Vitore Maximiano em 2014, o consumo de drogas pelos brasileiros é cerca de quatro vezes maior que a média mundial - que é de 0,4%.
O secretário também alertou que os universitários formam um público que consome mais drogas que a todo o restante da população brasileira.
Em entrevista exclusiva ao Guiame, a psicóloga, palestrante e presidente do movimento "Maconha Não" falou sobre o perigo que as drogas representam para a sociedade e a relevância que comunidades terapêuticas e igrejas possuem neste processo.
Confira a entrevista logo abaixo:
Portal Guiame: Antes visto como um mal associado a classes baixas, o vício em drogas tem mudado o seu contexto. Novas substâncias têm surgido, ampliando assim o campo afetado por este problema. Como você poderia resumir este quadro atualmente? Já se reconhece este mal nas classes mais altas? O que tem mudado nos últimos anos, quando se analisa esta situação?
Marisa Lobo: Sim, com certeza, há muitos anos deixou de ser um problema das classes dos menos favorecidos e tornou-se problema de todos. Drogas afetam todas as classes sociais, sexo, até mesmo religiões. A prova disso é o grande número de internos em comunidades terapêuticas, do qual a maioria é de desviados de igreja ou de famílias de evangélicos ou católicos. Esses ainda buscam internamento, mas outros, se não têm condições financeiras para se internar em clínicas que custam em média de 3 a 7 mil reais por mês, recorrem a vagas sociais nas comunidades ou nas vagas mais baratas - que é outra opção. A cultura de internamento é de classe média alta e / ou de religioso.
Guiame: Medidas públicas como a internação compulsória ou a "bolsa-crack" tem levantado polêmica em todo o país. Como você caracteriza a ação do governo no combate às drogas - seja no ataque ao narcotráfico ou no tratamento de dependentes químicos?
Marisa Lobo: Não sou contra nenhuma ação que favoreça a diminuição do uso e nem mesmo da "bolsa-crack", mas acredito sem medo de errar que esta ação é hipócrita. É uma tentativa - em minha opinião - desesperada de tirar os "craqueleiros" da cracolância. O que questiono são os reais objetivos disso, pois essa ação da "bolsa-crack" visa trabalho e moradia o que é apenas parte da recuperação, mas não é vinculada a um tratamento médico e psicológico, tão pouco à reinserção familiar ou apoio às famílias. Vejo como somente mais um golpe político ou uma ação desastrosa dos defensores de direitos humanos que não entendem de dignidade humana - se entendessem, saberiam que o viciado quer é sair das drogas e não morrer fazendo uso delas. Isso é dignidade? Não podemos generalizar, fazer com que a sociedade creia que alguém usa drogas porque não tem oportunidade, ou moradia por exemplo. Se assim fosse, milhões de pessoas estariam na cracolândia e não é o caso.
O que questiono é a intenção, a legitimidade das ações e a efetividade de se dar emprego e moradia (ótimo) sem o principal fator, que é vincular ao tratamento médico e psiquiátrico. Isso é coisa de paises que cultuam a droga e a morte. O futuro disso? Será a manutenção dessa pessoa no mundo das drogas e a cultura de que "em um país de altas taxas de desemprego, é só usar drogas que o governo te sustenta e até de dá moradia". Tem ideia de quantas pessoas moram nas ruas e não usam drogas? Essas situações é que me preocupam... essa inversão de valores, essa vitimização do sujeito e essa cultura de desumanização.
Guiame: Qual o melhor contexto para se iniciar a prevenção contra as drogas? Na família? Na escola? Na Igreja? Há idade "certa" para tratar deste assunto?
Marisa Lobo: Em primeiro lugar, oferecendo modelo familiar de "não uso" e muito diálogo. Em segundo, na escola deveria ser ensinado tudo sobre drogas, de forma continuada, fazendo parte do curriculum escolar, deixando claro para as crianças como as drogas são prejudiciais à saúde física e psíquica e como ela quebra vínculos afetivos, retarda o conhecimento, infantiliza emoções. É preciso tratar as drogas como "as vilãs da história", mesmo e não como se faz hoje, com essa história de "politicamente correto e redução de danos" ou ainda com essa deturpação da liberdade de expressão, incentivando o uso com mentiras do tipo "drogas são boas ou ruins: depende de quem usa"; "você pode usar mais se tiver um limite seguro" ou ainda "você decide sobre o teu corpo, tem direito de morrer de overdose, se quiser"; etc. Temos que barrar este tipo de pensamento, pois é imaturo, irresponsável e típico de um adulto usuário relativista, que não acredita no poder de ressignificação do sujeito. É o que penso.
Em minha experiência, recomendo que a Igreja promova palestras, ações preventivas, fale com a juventude sobre o tema, exaustivamente e saiba que ela é parte fundamental no processo de prevenção e tratamento das drogas, pois crer em um poder superior capaz de devolver a sanidade é fundamental para a recuperação e a prevenção. Temos estudos que provam essa máxima. Eu creio e tenho comprovado isto também na minha caminhada como palestrante sobre o assunto.
Guiame:"Quais mudanças - sejam elas comportamentais, alimentares, relacionais - podem ser observadas pela família como "sinais de alerta" no jovem / adolescente?
Marisa Lobo: Quando percebemos os sinais, é porque o tempo de uso já é considerável. Muitas drogas demoram alguns meses ou até anos para mostrar suas complicações, principalmente emocionais. Então quando o usuário apresenta comportamentos desajustados, por exemplo e mudanças de humor, pode já estar usando há meses. As mudanças são comportamentais, de estilo de vida. As drogas afetam o ser humano em 4 dimensões: biológica, psicológica, social e espiritual. Tudo à sua volta se desestabiliza, principalmente a sua relação familiar. Mas podemos estar atentos aos primeiros sinais, que são as mudanças de amizades, comportamento, linguagem, higiene, humor, queda no rendimento escolar, faltas em seus compromissos [escola, faculdade, trabalho], enfim todos os sinais devem ser observados e monitorados. O principal de tudo é ser muito amigo de seus filhos e estabelecer um diálogo, uma relação de confiança.