João Grandino Rodas, reitor da USP (Universidade de São Paulo), afirmou em entrevista ao R7 que a tensão na Faculdade de Direito pode ser explicada por uma briga interna pelo poder. Os alunos do curso fizeram uma paralisação na última sexta-feira (14) devido à transferência de livros da biblioteca da instituição para um prédio inadequado. A nomeação de duas salas com nomes de doadores de verbas também provocou protestos dos estudantes.
A biblioteca já foi alvo de investigação do Ministério Público Federal, que diz ter encontrado 160 mil livros colocados em pilhas de caixas de papelão. O diretor da faculdade, Antonio Magalhães, solicitou a volta de metade das obras ao lugar original, mas o vice-diretor, Paulo Casella, tentou impedir a nova mudança. Na última sexta-feira (14), Casella pediu afastamento de 30 dias do cargo. Os estudantes devem fazer uma nova assembleia nesta terça-feira (18) para discutir os problemas da faculdade.
Rodas é ex-diretor da Faculdade de Direito e assumiu a reitoria da universidade em janeiro. Apesar de ter ficado em segundo lugar na eleição para reitor da USP, tendo recebido 104 votos - 57 a menos que o primeiro colocado -, ele foi escolhido para o cargo pelo então governador de São Paulo, José Serra. Rodas é diplomado em quatro áreas: música, educação, direito e letras. Ele tem, ainda, três mestrados: em direito, diplomacia e ciências político-econômicas.
Confira a seguir a entrevista completa:
R7 - Como foi a decisão de mudar a biblioteca de lugar?
João Grandino Rodas - Há três anos e meio, houve uma mudança do projeto pedagógico e da grade curricular [do curso de direito], durante a minha gestão. Os alunos escolhiam 40% das matérias. As salas de aula que tinham 115 alunos passaram a ter 57. Duas coisas eram necessárias: aumento de professores, o que a reitora anterior concedeu, e mais espaço. Todas as turmas já seguem as novas divisões, com exceção do quinto ano. Começamos então a fazer desapropriações [para obter mais espaço para novas salas]. Pedimos, por exemplo, para o então governador Claudio Lembo lugares como o [prédio] anexo dois, na rua Riachuelo, que abrigará a parte administrativa [da faculdade].
R7 - Por houve atraso na mudança?
Rodas - A biblioteca transferida é uma que ocupava oito salas de aula e que reunia acervos dos departamentos. A desapropriação do prédio [na rua Senador Feijó, onde estão os livros da biblioteca] só saiu em 30 de dezembro de 2009. Foi feita uma reforma completa em quatro andares e precisávamos de salas para fevereiro, senão não teríamos como fazer a nova divisão das turmas. Na portaria que publicada [confirmando a transferência], havia todo um cronograma. Havia uma sequência planejada. Por alguma razão, isso não aconteceu. Foi possível fazer em um mês a reforma dos andares, montar as estantes e contratar a mudança. Sempre foi dito que a reitoria está aberta, mas não posso me meter lá [na Faculdade de Direito]. Ao ficar numa faculdade dois ou três meses sem biblioteca, é claro as pessoas reclamam. Mas, agora, a biblioteca central da USP está fechada por causa da greve [dos funcionários]. Alguém está reclamando?
R7 - O Ministério Público chegou a fazer vistorias e encontrou problemas na mudança. Como o sr. avalia isso?
Rodas - Não houve vazamento de água nos livros, nenhum foi danificado. Segundo o diretor da faculdade, uma torneira foi deixada aberta e não molhou nada. O Ministério Público não é juiz. Ele diz que a biblioteca é indivisível, mas ela é sim [divisível]. Tenho muito respeito pelo ministério, mas seu papel é levar o caso para a Justiça. A primeira coisa que ele fez foi pedir a interdição das salas, mas não conseguiu. Quando se pensa na mudança, queremos que a biblioteca tenha as mesmas condições anteriores. Mas não podemos querer que tenha as mesmas condições da Biblioteca Nacional da França, não tem lógica. E se tinha a necessidade administrativa [de liberar as] salas de aula.
R7 - A que se deve tanta tensão na Faculdade de Direito?
Rodas - No momento de transição [da gestão da faculdade], ficou mais simples para que várias forças pequenas encontrassem uma bandeira. O atraso na entrega da biblioteca ajudou para que a bandeira fosse maior. Um grande número de bibliotecárias não queria a mudança. E os alunos já estão pensando na próxima eleição do Centro Acadêmico 11 de Agosto. Se uma parte da biblioteca, pelo menos, tivesse sido aberta, talvez a tensão não tivesse sido tão grande. Mas, no fundo, a questão não é a biblioteca ou a nomeação de salas, surdamente há uma briga política pelo poder dentro da faculdade. A mudança de diretor para outro e uma série de interesses em jogo, como a eleição de professores para cargos, explicam porque até hoje os problemas estão sem solução.
R7 - Duas salas reformadas foram batizadas com nome de dois doadores, o advogado Pinheiro Neto e o banqueiro Pedro Conde. O sr. defende tais nomeações? Como avalia os protestos em razão delas?
Rodas - Parece que eu criei uma sala e quis nomear de Pato Donald, mas existe um contexto. Há 40 anos, os alunos não quiseram ir para a Cidade Universitária [a Faculdade de Direito fica no Largo São Francisco, região central de São Paulo], mas é preciso arrumar aqui. A Faculdade de Direito é muito atrasada no que diz respeito à utilização de meios tecnológicos. Quando entrei lá, só havia três projetores. Foi feita uma campanha para captar recursos para a modernização da faculdade. Em um ano e meio, cerca de 600 alunos doaram R$ 1.000 cada. Mas houve uma surpresa, ex-alunos abonados se dispuseram a fazer melhorias fundamentais em salas e reformas em banheiros. As salas extremamente modernas, com lousa digital, ar condicionado e acústica, saíram por R$ 900 mil cada uma. No lugar de onde saiu a biblioteca dos departamentos, havia o projeto de construir seis salas de aula e a previsão de arrecadar doações para isso, de R$ 200 mil, R$ 300 mil. Mas agora ninguém mais vai querer doar. Aqueles que fizeram isso, ao invés de ter reconhecimento, viraram vilões. Fazendo isso, a faculdade não vai conseguir fazer uma modernização de ponta.
R7 - Como as questões devem ser resolvidas?
Rodas - Acharam erros na questão, administração é isso, vamos corrigir. O que está acontecendo não é querer achar erros para resolver. No fundo, vemos a teoria da terra arrasada, uma bagunça tamanha... Se esse é o objetivo, quem vai perder é a escola, que tem 183 anos e vê aluno querendo bater [em outros] lá dentro. Estamos virando uma escola de direito em que uma pretensa justiça está sendo feita com as próprias mãos. O que eu espero é que os alunos e professores vejam que não é fazendo isso que se chega a algum lugar.
Por Amanda Polato
* Colaborou Carlos Arthur França, estagiário do R7