“Deus recordará seu trabalho, mesmo que o mundo não note ou o esqueça”.
Durante a Reforma Protestante, houve muitos acontecimentos, e os ensinamentos defendidos por Martinho Lutero acenderam uma perspectiva de liberdade espiritual e religiosa. No entanto, hoje devemos aprofundar mais o conhecimento que temos sobre esse momento histórico, a fim de não escondermos a contribuição de pessoas, sejam homens ou mulheres. A história desses cristãos deve ser contada com clareza e verdade.
Sabemos que o contexto social da idade média era extremamente opressor para as mulheres, e a liderança eclesiástica da época reforçava o preconceito, limitando o papel feminino na sociedade. Foi exatamente nesse cenário que Catarina Schutz nasceu, em 1497, em Estrasburgo (Alsácia, atual França). Ela vinha de uma família de artesãos e não pretendia se casar, mas viver de seu ofício. Ela recebeu uma educação excelente, que usou em favor da fé reformada.
Durante sua juventude, sua cidade passou por muitas mudanças com a divulgação das doutrinas da Reforma. Catarina Zell começou a ler a Bíblia bem jovem e tinha muitas perguntas sobre a vida religiosa, embora a prática da leitura bíblica não fosse apoiada pela hierarquia eclesiástica da época. Ela não foi para um convento, algo que era comum na vida de muitas mulheres. Antes de conhecer o caminho da justificação pela fé, quando jovem Catarina sentia que sua alma estava doente até a morte e que, por causa de seus pecados, Deus não poderia aceitá-la, pois julgava não ter feito o suficiente por Ele.
No entanto, Catariana entendeu que somos justificados pele fé, por meio eficaz da graça de Deus. Confiando somente em Cristo como seu salvador, entendeu a Bíblia de uma nova maneira. Além da convicção da salvação, compreendeu o chamado de Cristo em sua vida que era para ser uma “pescadora de pessoas”. Em pouco tempo, Catarina estava pronta para devotar a vida a esse chamado.
Mateus Zell, foi um padre católico romano, ele foi o primeiro pregador a celebrar a missa em alemão, em Estrasburgo. Tendo aderido às ideias da Reforma, Zell desejava renovar a igreja e pregou o puro Evangelho de Cristo. Contudo, ele foi perseguido pelas autoridades católicas, pois suas mensagens causaram agitação, e o arcebispo romano recusou-se a permitir que ele subisse novamente ao púlpito. Mesmo assim Zell, não se calou. Continuou evangelizando multidões, que aceitaram seus ensinos, e a maioria das pessoas da cidade se tornou protestante.
No meio dessa multidão estava Catarina, por quem se apaixonou. Em 1523, eles se casaram, formando um, dos primeiros casais convertidos ao protestantismo. Dessa forma, Mateus Zell se tornou um dos primeiros padres a ser excomungado por se casar. Catarina provou ser uma jovem esposa piedosa e discreta que vivia em completa harmonia com o marido.
Catarina e Mateus Zell eram parceiros no ministério pastoral, eles trabalhavam juntos. Ele não discriminava o papel de Catarina ao servir a Cristo. “O que nos uniu e nos manteve juntos não foi prata ou ouro. Nós dois possuímos alago mais elevado: “Cristo foi o marco adiante dos nossos olhos” (ALMEIDA, p. 111, 2021).
No trabalho pastoral Catarina e Mateus Zell estavam lado a lado, eles acolhiam os refugiados e reformadores perseguidos, ajudando aos necessitados e visitando os doentes, os presos e os moribundos. Catarina também foi auxiliar do marido nos ensinos e pregações em um grau incomum. Muitas pessoas a procuravam em busca de conselho e conforto, e ela se apoiou no próprio estudo religioso e de sua experiência para atendê-las. Infelizmente, eles sofreram muitas calunias e difamações eram espalhadas sobre o casal, dizendo que ela era espancada pelo marido.
Ela também foi perseguida pelos próprios líderes luteranos, que a criticavam dizendo que ela queria usurpar o cargo do marido. Catarina foi chamada de “perturbadora da paz da igreja” por Ludwig Rabus, um antigo residente em sua casa que tinha recebido ajuda espiritual de Catarina. Ela ajudava as pessoas que eram dissidentes (aqueles que divergiam da teologia reformada), pois, para ela o mais importante era manter o amor cristão. Mateus Zell, considerava a esposa “companheira conjugal”, “ministra assistente” e “mãe dos aflitos”, funções que ela desempenhou com louvor.
Em sua defesa ela disse: “Eu sou uma perturbadora da paz? Sim, na verdade na minha própria paz. Vocês chamam isso de perturbar a paz? Ao invés de gastar meu tempo em divertimento frívolos, visitei os infestados pela prega e cuidei dos mortos. Eu tenho visitado os presos e aqueles que estão sob sentença de morte. Algumas vezes, por três dias e três noites eu não comi nem dormi. Nunca usurpei o púlpito, mas fiz mais do que qualquer ministro visitando aqueles que estavam na miséria. Isso está perturbando a paz da igreja”?
Catarina deu à luz a dois filhos que não sobreviveram, o que ela reconheceu como vontade divina. Com isso, seu foco foram incansáveis atividades sociais. Ela também escreveu ao bispo da cidade, defendendo seu posicionamento contra a suposta vida celibatária dos religiosos. Em seus textos vemos uma mulher confiante de profundo conhecimento bíblico e teológico. Mas, a Câmara Municipal de Estrasburgo não se agradou de que uma mulher chamasse a atenção das pessoas dessa forma e a proibiu de divulgar tais escritos. A proibição foi encaminhada a Mateus, seu guardião perante a lei. Ela acatou a ordem até a morte dele, mas depois continuou a publicar textos religiosos.
O final da vida de Catarina foi intensamente marcado por doenças e discussões com a nova geração de pregadores Estrasburgo, estritamente luteranos, que perseguiam todos os dissidentes com sermões de ódio. Catarina defendia os menos favorecidos, e dava testemunho de tolerância com pessoas de diferentes credos por meio de suas palavras e seus atos. Ela abrigou perseguidos de muitas denominações e foi chamada de “mãe dos reformadores”, amparando-os em sua grande casa pastoral de Estrasburgo, nessa casa as pessoas encontravam conforto espiritual e alimento para alma e corpo.
Ela era uma cristã convicta de seu papel social, pensava no bem-estar das pessoas, ela publicou um hinário, a obra sob forma de quatro pequenos panfletos, a um custo bem baixo, para que todos os pudessem adquirir. Catarina trocou correspondência com os reformadores Zuínglio, Bullinger e Lutero, a quem pediu que tratasse os suíços com mais delicadeza na controvérsia da ceia do Senhor.
Catarina foi autora de três cartas panfletárias, seis livros e outros escritos que tiveram bastante repercussão na época. Além de cartas apologéticas, publicou um texto para confortar mulheres perseguidas na congregação em Kenzingen, cujos esposos estavam refugiados em Estrasburgo.
Ela pregou publicamente no sepultamento de seu esposo e em dois sepultamentos de mulheres dissidentes: uma schwenkfelder (um nobre silesiano, refugiado em Estrasburgo, que discordava da doutrina de Lutero sobre a transubstanciação, entre outras doutrinas). E outra anabatista (os anabatistas foram, inicialmente, discípulos de Zuínglio, na Suíça, que discordaram da prática do batismo infantil, afirmando que as crianças não tinham condições de passar pela experiência da regeneração; por isso, seus seguidores eram rebatizados).
Catarina Zell nos mostra que, mesmo em meio a tantas dificuldades, devemos manter nosso coração firme em Cristo e viver profundamente, com entendimento, as coisas de Deus, expressando o amor de Cristo. Um legado de fé aliado ao conhecimento bíblico e teológico. Por mais que tentassem tirá-la desse caminho, ela não se permitiu desistir. Catarina foi uma pastora e discípula de Cristo, que viveu os valores cristãos de amor, compaixão e serviço.
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, Rute Salviano e PINHEIRO, Jaqueline Sousa. Reformadoras: mulheres que influenciaram a reforma e ajudaram a influenciar a igreja e o mundo. 1. ed. – Rio de Janeiro: GodBooks; Thomas Nelson Brasil, 2021.
Katharina Schütz Zell: pregadora, teóloga, mulher reformadora, mãe na fé. Disponível em:
<https://legado.luteranos.com.br/textos/katharina-schutz-zell-pregadora-teologa-mulher-reformadora-mae-na-fe>. Acesso em 26 nov 2024.
Caroline Fontes é formada Bacharel em Teologia; com pós- Ciência da Religião, formada em Pedagogia – UERJ, pós-graduação em Neuropsicopedagogia – FAMEESP. Reside no Rio de Janeiro, casada com pr. Ediudson Fontes, mamãe de Calebe Fontes. Diaconisa na Igreja Assembleia de Deus – Cidade Santa, e idealizadora do Clube de Leitura da Mulher Cristã- Enraizadas em Cristo.
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