Caroline Fontes

Caroline Fontes

Ela é do Rio, bacharel em Teologia com pós- Ciência da Religião, formada em Pedagogia – UERJ, pós-graduação em Neuropsicopedagogia – FAMEESP. Igreja Assembleia de Deus.

Série Mulheres da Reforma: Argula von Grumbach, uma verdadeira apologeta

Argula von Grumbach entrou para a história como a pioneira da literatura escrita por mulheres no protestantismo.

Fonte: Guiame, Caroline FontesAtualizado: quarta-feira, 29 de outubro de 2025 às 17:37
Argula von Grumbach. (Imagem ilustrativa gerada por IA)
Argula von Grumbach. (Imagem ilustrativa gerada por IA)

Argula von Grumbach (1492-1554), considerada a primeira mulher reformada da Europa e uma verdadeira apologeta, nasceu na Baviera, Alemanha, em 1492, e é reconhecida como reformadora entre os luteranos por ter se posicionado publicamente, por meio de seus escritos e cartas, contra uma decisão tomada pelo professor João Eck da Universidade de Ingolstadt e por membros do conselho dessa universidade. Ela entrou para a história como a pioneira da literatura escrita por mulheres no protestantismo.

Argula nasceu em uma família formada por líderes proeminentes, nas proximidades de Regensburg, na Baviera. Ainda menina, aprendeu a ler e escrever, e aos dez anos recebeu de seu pai uma Bíblia, acompanhada da recomendação para que a estudasse com dedicação (Rute S. Almeida, 2021). Com o passar do tempo, ao entrar em contato com os escritos dos reformadores, que enfatizavam o retorno à Palavra de Deus, ela passou a ler a Bíblia ininterruptamente, chegando a decorar longos trechos. Por isso, ficou conhecida como “a Bíblia alemã ambulante”.

Argula se tornou conhecida por um fato que, para aquela época, foi considerado um escândalo. Tudo começou quando um jovem professor da Universidade de Ingolstadt, Arsatius Seehofer, depois de ter contato com professores reformadores da Universidade de Wittenberg, ensinou a seus alunos elementos da doutrina reformada luterana. Por esse motivo, recebeu duras críticas de João Eck, inimigo de Lutero, sendo desligado da função de docente e submetido a um processo inquisitório cuja acusação foi heresia.

No dia 7 de setembro de 1523, o resultado do processo foi uma humilhante retratação pública de Arsatius Seehofer, sob ameaça de tortura, e sua condenação a viver o resto da vida em um mosteiro. Ao saber do ocorrido, Argula indignou-se profundamente e escreveu cartas panfletárias. Destaca-se neste contexto a primeira carta, escrita a G. E. Schulte em 20 de setembro de 1523, intitulada “Como uma mulher nobre cristã na Baviera”, na qual repudiou com firmeza a atitude do reitor e do conselho da Universidade de Ingolstadt.

Perseguição e testemunho de fé

Seu marido foi demitido do cargo junto à corte, sob a alegação de que não conseguia conter ou controlar sua esposa em sua defesa dos escritos reformadores. A demissão trouxe dificuldades financeiras, abalo no casamento e barreiras para a educação dos filhos.  A ira dos teólogos foi ilimitada. Em vez de debater, os poderosos demitiram seu esposo e ordenaram que ele a “colocasse na linha”, usando, se necessário, a violência. Ela precisava, entre aspas, “lembrar o seu lugar”. Argula se tornou alvo dos sermões do professor Auer. Em um sermão de 8 de dezembro, ele a chamou de: “Demônio feminino, fêmea desesperada, filha miserável e patética de Eva, diabo arrogante, tola, vadia herética e sem vergonha”. Em um gesto de coragem, chegou a convidar o conselho da universidade para um debate público em língua alemã, o que foi ignorado pelas autoridades, que passaram então a intensificar a perseguição contra ela e sua família.

Em um de seus escritos, Argula expressou sua fé e posicionamento diante das acusações que recebia por seu envolvimento com a Reforma: “Geralmente me chamam de luterana, mas eu não sou. Eu sou batizada em nome de Cristo, a quem eu confesso — e não confesso Lutero. Mas confesso que ele, Martinho, também se confessa como um fiel cristão. Que Deus nos ajude para que nunca mais neguemos isso, nem por vergonha, desonra, cárcere ou torturas”.

Martinho Lutero expressa o reconhecimento e a admiração pela coragem e pela fé de Argula von Grumbach:  “A nobre mulher Argula […] trava uma árdua luta neste Estado, com grande spírito e cheia de palavras e entendimentos sobre Cristo. Ela merece que oremos por ela, para que Cristo venha a triunfar através dela.” (Martinho Lutero, 1524)

Em sua carta, Argula argumentou que Mateus 10:32 referia-se ao sacerdócio de todos os crentes, e não apenas dos homens: “Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus”. Ela cria que essas palavras incluíam igualmente todos os cristãos e, portanto, a incluíam também.

Legado

Argula foi homenageada pelos pietistas alemães no século XVIII, mencionada em hagiografias populares no século XIX, e tornou-se tema de pesquisa acadêmica no século XX. Os últimos anos de vida de Argula foram difíceis, marcados por problemas financeiros e pela morte de três filhos.  Apesar disso, suas cartas e panfletos ajudaram a divulgar o movimento reformador na Baviera, sendo lidos em voz alta em uma sociedade amplamente analfabeta. Seu alcance ultrapassou os exemplares impressos, e seus textos foram considerados escritos teológicos de alguém com conhecimento inegável.  Não há consenso sobre o ano exato da morte de Argula, mas o relato de sua vida foi incluído na obra “História dos Mártires”, de Ludwig Rabus (1572), considerada a primeira hagiografia luterana. O texto a consagrou como professora e exemplo de consolo e encorajamento para as mulheres cristãs, deixando um legado de fé, erudição e coragem que ecoa até hoje.

Referências bibliográficas:

ALMEIDA, Rute Salviano e PINHEIRO, Jaqueline Sousa. Reformadoras: mulheres que influenciaram a reforma e ajudaram a influenciar a igreja e o mundo. 1ed. – Rio de Janeiro: GodBooks; Thomas Nelson Brasil, 2021. 

 

Caroline Fontes (@caroline.fontes) é bacharel em Teologia, com pós-graduação em Ciências da Religião. Também é formada em Pedagogia pela UERJ e pós-graduada em Neuropsicopedagogia pela FAMEESP. Atualmente, é mestranda em Ciências da Religião pela UMESP. Diaconisa na Igreja Assembleia de Deus – Cidade Santa, organizou o livro devocional Chamadas para Florescer e idealizou o Clube de Leitura da Mulher Cristã – Enraizadas em Cristo. Reside no Rio de Janeiro, é casada com o Pr. Ediudson Fontes e mãe do Calebe Fontes.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Série Mulheres da Reforma: Joana de Navarra, a coragem de uma rainha reformadora

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