A ansiedade tem seu aspecto positivo, e podemos entendê-la como um estado de alerta que nos favorece em várias situações. Por exemplo, precisamos entrar em estado de alerta para nos proteger de perigos e ser cautelosos para não fazer escolhas erradas, nem nos meter em enrascadas. A ansiedade também nos favorece para estar alertas diante de situações em que precisamos manter o foco para realizar algo, como uma prova, um trabalho, uma apresentação ou um show. Outras vezes, os estados de alerta podem ativar ações necessárias diante de situações que precisam ser mudadas, ou para favorecer o surgimento de criatividades para reinvenções e adoção de caminhos possíveis e melhores.
No entanto, a ansiedade deixa de ser positiva quando os estados de alerta se manifestam como um estado interno contínuo, e/ou como um padrão de comportamento. Da mesma forma, quando se estendem por muito tempo e sem resolução, e se fazem presentes em contextos que não justificam sua manifestação. Assim sendo, corremos o risco de desenvolver uma ansiedade patológica. Ela se instala quando raramente, ou nunca, saímos do estado de alerta. Com o tempo poderá afetar o sono, o trabalho, as relações e em sua ponta extrema, poderá evoluir para experiências de pânico.
Podemos exemplificar os processos de ansiedade com um passeio no centro da cidade, quando estamos em uma rua onde comumente acontecem muitos assaltos. Nessa situação, provavelmente entraremos em um estado de alerta protetivo, seguraremos nossa bolsa junto ao corpo, manteremos nosso celular escondido e os nossos olhos acionados como uma máquina de raio-x para observar quem se aproxima. Esse estado de alerta é uma forma de ansiedade saudável e necessária, pois é acionada para promover a autoproteção. No entanto, ao retornarmos para nossa casa, sentarmos no relaxante sofá da sala, e ainda mantivermos a mesma postura de alerta adota, temos um processo de ansiedade nada saudável em andamento.
A ansiedade é algo inerente ao ser humano e pode ter seu aspecto positivo. A busca, portanto, não é por sua eliminação completa, pois ela nos favorece em muitos aspectos ao acionar mecanismos de proteção, atenção, expectativa e motivação para mudanças necessárias. No entanto, andar em ansiedade constante, em um estado de alerta contínuo, denota um perigo para a saúde mental e sinaliza que precisamos encontrar um manejo mais saudável da ansiedade.
Em um quadro de ansiedade, é muito comum uma pessoa se regular por antecipações de possíveis situações futuras ou de ameaças e descontroles situados no futuro. O foco geralmente se encontra nas problemáticas preocupações do amanhã ou em circunstâncias distantes de onde a pessoa está. Permanecer em um estado antecipatório contínuo é característico da ansiedade patológica. Nela, o estar presente se torna difícil. Assim sendo, retornar ao momento presente seria uma jornada importante para se lidar com a ansiedade, para que favoreça a saúde e não evolua para um estado patológico.
Para que essa jornada seja possível, sugere-se a atenção plena. Ela é favorável para momentos de relaxamento e altamente indicada para ser adotada como estilo de vida. O princípio básico é estar plenamente atento ao momento presente para promover: a) o despertamento da percepção do funcionamento interno dos processos mentais, emocionais e físicos; b) o reconhecimento da conexão entre as pessoas; c) a operação no mundo com maior autocompaixão e compaixão aos semelhantes. Acolhendo o princípio básico da atenção plena, pode-se aplicar suas técnicas para as mais diferentes áreas da vida.
Por exemplo, quando formos nos alimentar, podemos direcionar atenção plena ao nosso prato, nas texturas, nos sabores e aromas da comida. Nesse momento presente, desligamos das outras distrações para dar atenção à nossa alimentação. Outro exemplo é na hora em que vamos dormir, que pode ser percebido como um momento sublime. Podemos transformar a cama e o travesseiro em um “espaço sagrado”, que significa um espaço separado de preocupações, distrações e de tudo mais que tira o foco do dormir. Dessa forma, é possível permitir-se deitar como pessoa inteira, que une corpo, mente, alma e espírito para repousar, e, assim, deixar fora do quarto todo o resto, que nos fragmenta e desumaniza, em preocupações incontroláveis e elucubrações infindáveis.
Exercitar a atenção plena pode não ser fácil para boa parte das pessoas, especialmente pela vida acelerada e frenética da atual sociedade. Uma boa maneira de iniciar é prestar atenção na própria respiração. Nada é mais presente do que a respiração. Cada lufada de ar que inspiramos e o gás carbônico que expiramos, nutre a vida no presente. Do ponto de vista da fisiologia, a respiração é o processo pelo qual um organismo vivo troca oxigênio e dióxido de carbono com o seu meio ambiente. Esse é um processo do aqui e agora. Não é possível respirar para o ontem e nem para o amanhã, mas somente para o aqui e agora. Assim, para desativar essa máquina ansiosa e adotar a atenção plena como estilo de vida, pode-se começar colocando a atenção plena em nossa respiração. Para isso, sugere-se um lugar tranquilo, silencioso e confortável para ter um tempo de relaxamento e solitude.
Na autorregulação da atenção para a experiência presente, é possível adquirir uma melhor correlação com a própria interioridade e com as outras pessoas. Como a exemplo de Maria, ao receber Jesus em sua casa e desfrutar da companhia do mais nobre dos amigos (Lucas 10.38-42), também podemos nos permitir escolher a melhor parte. No momento presente ressignificamos as nossas vivências, reorganizamos as pautas da vida, reconectamo-nos uns aos outros mais compassivamente, nos reencontramos, reconhecemos quem somos e quem Deus é. Assim sendo, desacionamos a máquina do “andar ansioso” e aumentamos as possibilidades de melhorias na saúde mental, emocional, relacional e espiritual.
Vale apropriar-se do singelo lembrete de Abraham Lincoln: “Uma coisa boa em relação ao futuro é que ele chega à razão de um dia de cada vez”. Viver um dia por vez significa viver melhor, com menos cargas e menos exaustões por antecipações futuras, que muitas vezes nem se cumprem. Viver um dia por vez é possível na medida em que aceitamos nossos limites, eliminamos alguns itens da agenda e desacionamos o estresse rotineiro. Esse deve ser um movimento não apenas para as próximas férias ou para o pós-pandemia. Adotar um estilo de vida presente significa que podemos assumir responsabilidades numa medida mais equilibrada. Isso nos permite saborear a vida com menos coisas e estresses, focando mais nas abundâncias do que nas faltas. Dessa forma, nos liberamos para priorizar um tempo para o descanso, para interagirmos significativamente com quem amamos e para realizarmos a nossa missão no mundo.
Por Clarice Ebert, Psicóloga (CRP0814038), Terapeuta Familiar, Mestre em Teologia, Professora, Palestrante, Escritora. Sócia do Instituto Phileo de Psicologia, onde atua como profissional da psicologia em atendimentos presenciais e online (individual, de casal e de família). Coordenadora e palestrante, em parceria com seu marido, do Ministério Vida Melhor (um ministério de cursos e palestras). Membro e docente de EIRENE do Brasil.
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