Neste 30 de abril, Israel celebra o Dia da Lembrança — Yom HaZikaron — quando são lembrados todos os soldados que tombaram nas guerras do Estado moderno de Israel no desempenho de suas funções ao defender a bandeira do país. São lembradas também todas as vítimas de ataques terroristas. Esta é uma data solene em que se presta um profundo respeito à memória desses heróis nacionais nas inúmeras cerimônias civis e militares por todo o país.
O Dia da Lembrança é celebrado um dia antes do Dia da Independência (Yom HaAtzmaut). Há um nítido contraste entre as duas atmosferas que cercam essas datas. O Dia da Lembrança é envolto em tristeza e lágrimas pela dor de parentes e amigos de todos que tombaram em combate ou tiveram suas vidas ceifadas em atos terroristas, desde o nascimento do Estado novo, em 1948. É um dia pesado emocionalmente para todo o país.
Como no calendário judaico o dia começa ao anoitecer, a transição de Yom HaZikaron para Yom HaAtzmaut se dá em uma cerimônia no Monte Herzl, em Jerusalém, logo após o pôr-do-sol. Há uma clara transição de um espírito de luto e tristeza para um espírito de alegria que contagia toda a nação. Afinal, é o Dia da Independência e a criação do Estado de Israel foi um verdadeiro milagre, um evento altamente improvável, considerando que, apenas três anos antes, o povo judeu fora quase exterminado no Holocausto. Para alguém de fora, a pergunta que se faz é: Como conciliar sentimentos tão díspares em dois dias consecutivos? Qual o significado disso?
A liberdade não é de graça
A escolha da data para o Dia da Lembrança não foi aleatória, mas uma intenção clara de mostrar que a independência da nação e a liberdade usufruída por seus cidadãos têm um preço alto a ser pago. Para cada sorriso de alegria na celebração do Dia da Independência há uma quantidade incalculável de sangue que foi derramado por aqueles que sacrificaram suas vidas pelo país. A mensagem é óbvia e direta: a liberdade não é de graça, mas requer um preço muito alto.
Primeiro vem o sacrifício e a dor a fim de se garantir a liberdade e a paz. Esse é o significado das duas datas celebrativas ocorrerem em dias seguidos. Os dois eventos possuem um fundo didático que é manter viva essa relação entre sacrifício e liberdade na consciência das gerações mais jovens. Uma criança que cresce em Israel, desde tenra idade, compreende que uma coisa não ocorre sem a outra, mas são interdependentes. Essa luta pela liberdade não cessa, é permanente e requer coragem, força e disposição para nela persistir.
Uma luta antiga
Não é por acaso também que as duas datas ocorram alguns dias após Pesach, a Páscoa do Senhor, mais conhecida como a Festa de nossa Liberdade. Israel permaneceu escravo no Egito por cerca de quatro séculos até ser liberto por Deus com “braço estendido e com grandes juízos” (Êx. 6:6). Um dos motivos da instituição dessa Festa na Torá é ensinar às gerações mais novas que seus pais foram escravos um dia e que o Senhor os libertou com milagres, sinais e maravilhas, tirando-os do jugo da servidão para serem um povo livre.
Ao saírem do Egito e após a milagrosa travessia do Mar Vermelho, o povo logo aprenderia que precisaria lutar para continuar sendo um povo livre. Isso se deu na primeira batalha de Israel, em Refidim, contra os amalequitas. Mais tarde, tiveram de enfrentar os midianitas. Entretanto, após chegarem a Canaã, foram dezenas de batalhas até conquistar o território prometido a Abraão. Não foi diferente após a formação do Estado novo de Israel, quando as guerras seguidas exigiram sacrifício de sangue de seus milhares de soldados.
A Liberdade do Filho
Ambas as datas também possuem um significado profético e nos induzem a uma maior reflexão. O sacrifício e a liberdade se conectam na primeira vinda do Messias. Yeshua deixou claro que sua missão era libertar o homem do pecado, mas para isso seria necessário o derramamento de seu próprio sangue. Deus concedeu o precioso dom da liberdade a Adão que o entregou de bandeja a Satanás, ao violar o mandamento divino. Ele se pôs em algemas, bem como as impôs a seus descendentes.
Deus ama a liberdade; Satanás a odeia e busca roubá-la do homem em todo o tempo. E sua única forma de conseguir êxito é por meio do pecado. É aí que entra em cena o Filho do Homem, encarnado na humanidade para livrá-la do pecado e, como resultado, torná-la livre. “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36). Não há outra maneira de ser livre que não seja pelo Filho. A libertação do jugo do pecado veio por intermédio do sangue do Filho de Deus. Esse foi o máximo preço que pagou para nos restituir a liberdade da qual gozava Adão antes da queda.
É nesse contexto que Yeshua nos ordena a celebrar a Ceia do Senhor, comendo do pão e bebendo do vinho “em memória de mim” (zikaron). A alegria incomparável de quem experimenta a salvação de Yeshua é precedida pela lembrança de seu sacrifício, selado pelas marcas dos açoites e das perfurações que causaram o derramamento de seu sangue, juntamente com as lágrimas de dor.
A luta e o sacrifício pela liberdade de Israel, celebrados nesta semana, simbolizam profeticamente uma luta muito maior travada pelo Filho de Deus, cujo sacrifício trouxe à humanidade a possibilidade de se libertar das correntes do pecado, bastando receber de graça essa redenção. De graça para os homens, porém, um altíssimo preço para Deus.
“Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão” (Gálatas 5:1).
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor de A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.
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