Moisés foi o primeiro homem a conhecer o nome de Deus. Embora Abraão tenha sido escolhido o patriarca de Israel, foi Moisés — o legislador do povo — que teve o privilégio singular de ouvir o misterioso nome divino que, mais tarde, se manifestaria plenamente por meio de seu Ungido.
A revelação veio em resposta a um clamor sincero: “Rogo-te que me mostres a tua glória” (Êx. 33:18). Se Moisés e toda a nação recém-liberta do Egito teria que andar com o Deus Todo-Poderoso, é compreensível que seu líder quisesse conhecê-lo mais intimamente. Ele não buscava apenas os títulos majestosos de Deus, mas o seu nome único, impronunciável, repleto de significado e envolto em mistério.
Contudo, havia limites. Moisés não podia ver a face do Senhor, o que significaria morte. Em vez disso, teve de se contentar em vê-lo pelas costas (Êxodo 33:23). Ao subir ao Sinai, pela segunda vez, o Senhor desceu numa nuvem e ali proclamou seu Nome a Moisés. Em seguida, ao passar o Senhor perante Moisés, proclamou:
“Senhor, Senhor Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade, que usa de beneficência com milhares, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado. Contudo, ao culpado não tem por inocente; castiga a iniquidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até a terceira e quarta geração” (Êx. 34:6).
Duas faces da mesma moeda
Moisés clama primeiro o tetragrama impronunciável do nome de Deus duas vezes — traduzido em nossas bíblias por SENHOR —, seguido de El (Deus), exaltando logo a seguir seus atributos. Os primeiros desses atributos estão relacionados à misericórdia, compaixão e perdão. Os demais, a justiça, punição e juízo. Os sábios judeus viram nisso duas manifestações distintas do mesmo Deus. Para eles, o tetragrama sagrado (יהוה), ligado à misericórdia, contrasta com o nome El, relacionado ao juízo.
Logo, é essencial compreender que estamos lidando com o mesmo Deus. Aquele que perdoa e se compadece é o mesmo que julga e pune. A misericórdia e a justiça são inseparáveis; duas faces da mesma moeda. Conhecer apenas um desses aspectos é uma visão incompleta do caráter divino e falharemos em nos relacionar com o Rei do universo.
Cheio de graça e de verdade
O significado desses dois nomes e seus atributos, porém, só pôde ser compreendido na plenitude após a vinda do Messias. A expressão “grande em beneficência e em verdade”, no hebraico — rav chesed ve’emet — é mais precisamente traduzida por “cheio de graça e de verdade”. Esta mesma expressão aparece no Evangelho de João, ao se referir ao Messias. “O Verbo se fez carne e habitou entre nós. Vimos a sua glória, a glória como do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo. 1:14).
Um judeu familiarizado com a Torá, ao ler João em hebraico, reconheceria imediatamente essa conexão. João usou intencionalmente as palavras de Êxodo para afirmar que Aquele que se revelou a Moisés agora se manifestava plenamente em carne e osso. O Verbo — HaDavar — estava entre os homens, “cheio de graça e de verdade”.
Oração respondida
Após um pouco mais de treze séculos, o Senhor resolvera atender à oração que Moisés lhe fizera antes de subir ao monte Sinai para se encontrar consigo. Seu clamor “Rogo-te que me mostres a tua glória” não pôde ser atendido por inteiro, uma vez que nenhum homem poderia ver sua face sem morrer.
Os Evangelhos contam que Yeshua subiu a um monte a fim de orar com Pedro, Tiago e João. Lá no topo, tal como no monte Sinai, uma nuvem de glória cobriu o Senhor, enquanto Ele falava com Moisés e Elias. Ambos tiveram um encontro com Deus no Sinai (ou Horebe). Agora, viam diante de si “a glória como do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”.
Não sabemos o teor da conversa entre os três, mas certamente Moisés soube que sua oração ousada, feita há tanto tempo, era agora respondida. Dessa vez, ele não viu apenas as costas do Senhor. Na mesma nuvem que cobriu o Sinai naquele encontro glorioso, agora, em outro monte, o Senhor revelava sua face e sua glória na imagem do Filho encarnado e transfigurado, respondendo ao pedido de Moisés.
Esta mesma glória está disponível hoje para quem quiser contemplá-la. A glória do Filho único, cheio de graça e de verdade, não está mais oculta numa nuvem sobre um monte distante. Ela se revelou na Pessoa de Yeshua e pode ser contemplada por todo aquele que o busca de coração. Aquele que respondeu ao clamor de Moisés ainda responde hoje aos que o buscam com sinceridade. É preciso querer, pedir, buscar e bater.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor de A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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