Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog de mesmo nome onde publica estudos bíblicos com ênfase na história, língua e cultura judaicas relacionadas ao cristianismo.
A construção do Tabernáculo de Moisés e do Templo de Salomão segue um padrão ditado por Deus que encontra um paralelo em algo muito superior — a Criação do universo. Ao recorrer à língua original da Torá, é possível traçar alguns pontos desse paralelo misterioso.
A começar pelo Tabernáculo, as instruções e definições de sua estrutura, seu mobiliário e seu serviço pelos sacerdotes ocupam quase metade do livro de Êxodo, o que por si já deveria chamar nossa atenção. Ele começou a ser erguido no primeiro dia do primeiro mês (Nisan), sendo inaugurado exatamente um ano depois. O primeiro dia do ano religioso, cuja contagem fora determinada por Deus (Êx. 12:1), marcava um novo início. Assim também foi o início da Criação, contado como o primeiro dia — yom echad (Gn. 1:5). Em relação à construção do Templo, Salomão levou sete anos para edificá-lo — um ano para cada dia da Criação.
Deus instrui Moisés a iniciar a montagem do Tabernáculo pelo Santo dos Santos, onde seria posta a arca do testemunho, o lugar de sua habitação. A arca, onde repousava o Espírito de Deus, era o ponto de referência dessa arquitetura sagrada. Sem ela, não fazia sentido erguer um Tabernáculo. O livro de Gênesis (Bereshit) inicia declarando que o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. Ele é o ponto de partida de toda a Criação, assim como foi para o Tabernáculo.
“Haja luminares no firmamento”
Em Gênesis 1:6, Deus cria uma separação, uma espécie de cobertura sideral, entre as águas que estavam acima e abaixo, a qual é chamada de rakia. Esta palavra é traduzida algumas vezes por firmamento e se refere à abóbada celeste, ao arco visível do céu. É a mesma palavra empregada para se referir ao “teto” da habitação de Deus no Salmo 150:1. Ela demonstra uma ligação direta entre a Criação e o santuário de Deus.
Deus ordena a Moisés que mantenha a lâmpada da menorá sempre acesa no santuário (Êx. 27:20). A palavra traduzida por lâmpada é maor. É a mesma empregada no plural (meorot) para se referir aos luminares no firmamento — o sol e a lua —, a fim de fazerem separação entre o dia e a noite, conforme Gênesis 1:14. Assim como os luminares do dia e da noite não cessam de brilhar, a luz da menorá deveria brilhar continuamente diante do Senhor.
Mesmas palavras-chaves
Como o exemplo da luz da menorá, há um paralelo inegável entre a Criação e a edificação do Tabernáculo, especialmente quando se analisa a Torá no hebraico. “Viu (vayar) Deus tudo o que tinha feito, e que era (ve’hineh) muito bom” (Gn. 1:31). Após criar o homem e a mulher, Ele também os abençoa: “Deus os abençoou (va’yvarech otam)” (Gn. 1:28).
Ao terminar o Tabernáculo, “Moisés inspecionou (vayar) toda a obra e viu (ve’hineh) que a tinham feito como o Senhor ordenara. Então, Moisés os abençoou (va’yvarech otam)” (Êx. 39:43). Não somente a ideia transmitida nesses textos é similar na Criação e na construção do Tabernáculo, como as palavras-chaves são exatamente as mesmas, com os verbos na mesma conjugação.
Perceba também a semelhança destes versículos: “Havendo Deus acabado (va’ychal) no sétimo dia a obra que fizera (malachtô)” (Gn. 2:2); e “Assim Moisés acabou (va’ychal) a obra (hamelachah)” (Êx. 40:33).
Na visão que Isaías teve do Senhor, os serafins “clamavam uns aos outros dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a Terra está cheia da sua glória” (Is. 6:3). O material que melhor simboliza a glória de Deus nas Escrituras é o ouro. Não é de surpreender que todo o Templo de Salomão fosse revestido de ouro. Era uma maneira de representar que toda sua Criação está revestida de sua glória.
Pai da Criação
O plano de construção do Tabernáculo, mostrado a Moisés pelo Senhor no monte Sinai, além de preparar um lugar onde repousaria a glória de Deus, continha símbolos que replicavam a Criação pelo Altíssimo. Qual era a ideia a ser transmitida?
Os povos pagãos da antiguidade edificavam templos para seus deuses que ficavam confinados a esses espaços. A construção do Tabernáculo e, mais tarde, do Templo de Salomão, por outro lado, era um eco da Criação, uma forma de dizer que o Deus de Israel não estava limitado a uma edificação feita por mãos humanas, mas era Ele próprio o Criador do céu, da Terra e de tudo que neles há, além de ter formado o homem do pó.
Por isso, em sua oração inaugural do Templo, Salomão exclamou: “Mas, na verdade, habitaria Deus na Terra? Os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei” (1Re 8:27).
Longe da tentativa de confinar o Todo-Poderoso em uma construção humana, o Tabernáculo e o Templo eram um modelo simbólico de afirmar que Ele é o Rei do universo e o Pai da Criação.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor de A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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