Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog de mesmo nome onde publica estudos bíblicos com ênfase na história, língua e cultura judaicas relacionadas ao cristianismo.
O próximo dia 13 de julho coincide com 17 de Tamuz no calendário judaico. Esta é uma das datas mais tristes e infames na história de Israel. Dezessete de Tamuz contém uma série de eventos trágicos para o povo judeu, perdendo apenas para o 9 de Av. Alguns desses eventos estão registrados nas Escrituras, outros apenas na tradição judaica.
O primeiro deles ocorreu ainda na peregrinação do deserto. Foi no dia 17 de Tamuz que Moisés desceu do monte Sinai carregando as duas tábuas da Torá e se deparou com a imagem do povo celebrando e idolatrando o bezerro de ouro. Esse foi o primeiro episódio de idolatria que abriu o caminho para outros, nos séculos posteriores, e que culminou com o terrível castigo do exílio babilônico.
O pior rei de Judá
Se traçarmos o perfil dos reis de Israel e de Judá, veremos que Manassés foi um dos piores, se não o pior de todos. Ele “fez o que era mau aos olhos do Senhor”, cometendo abominações piores do que as dos amorreus — povo que habitava a terra de Canaã antes da chegada de Israel. Embora fosse filho do rei Ezequias, considerado um dos mais justos monarcas, cujo reinado agradara a Deus, Manassés tomou um caminho contrário ao de seu pai.
Promoveu práticas condenáveis pela Torá como adivinhação e feitiçaria. Não satisfeito, ofereceu seu próprio filho a ídolos como Moloque, sacrificando-o no fogo, o que realmente provocou a ira do Senhor. Além disso, inundou as ruas de Jerusalém de sangue inocente, tornando o reino de Judá abominável por sua conduta.
Embora seu pai Ezequias tenha destruído os altos que contaminavam a terra, Manassés tornou a reedificá-los. Não somente adorou os astros e estrelas como impôs essa idolatria ao povo, contaminando seus súditos. Sem limites para seus pecados, ergueu uma imagem de escultura do poste-ídolo Asherah (Astarte) dentro do Templo do Senhor, profanando o local onde Deus prometera estabelecer seu Nome para sempre. A imagem de Manassés foi erigida no santuário exatamente em 17 de Tamuz.
O rei Manassés é um modelo comprobatório de que nem sempre os filhos seguem os bons caminhos e exemplo dos pais. A despeito de todo ensino e moralidade transmitidos por eles, no final, a tendência do coração humano — de natureza perversa e decaída — definirá suas escolhas e seu destino, levando o ser humano para perto ou longe de Deus.
Uma brecha nas muralhas
Em 9 de Tamuz, o exército da Babilônia abriu uma brecha nas muralhas de Jerusalém (Jr. 39:2). Este evento trágico levou à destruição do Templo de Salomão um mês mais tarde, em 9 de Av de 586 a.C. Oito dias depois, exatamente em 17 de Tamuz, foi interrompido o sacrifício diário no Templo (korban tamid), pois o cerco babilônio impediu o suprimento de ovelhas para a cidade.
Após seis séculos, a história se repetiu com exatidão e foi também em um 17 de Tamuz que outro império, desta vez o romano, abriu uma brecha nas muralhas de Jerusalém, em 70 d.C., abrindo caminho para a destruição do segundo Templo três semanas depois, exatamente no mesmo 9 de Av, data da destruição do primeiro Templo.
Os eventos trágicos de 17 de Tamuz não param por aí. Foi também nessa data que um general romano, em um ato de afronta ao judaísmo, queimou um rolo inteiro da Torá. Este foi um dos muitos atos que culminaram com a revolta de Bar Kochba, no século II d.C., a última das três grandes rebeliões contra o império romano, e acarretou consequências contundentes para o povo judeu na diáspora que durou quase dois mil anos.
“Entre os estreitos”
Por esses motivos, 17 de Tamuz é um dia fatídico, uma data de maus presságios para Israel, perdendo somente para 9 de Av, a data que concentra mais catástrofes para o povo judeu desde os tempos de Moisés.
Nas três semanas que vão de 17 de Tamuz a 9 de Av, segue-se um tempo de lamento, oração e jejum pelo povo judeu, um período de menos celebrações e menos alegria. Evita-se, por exemplo, marcar casamentos nesse período. O termo “angústias”, no original “entre os estreitos” (bein hametzarim), mencionado em Lamentações 1:3, refere-se especificamente a essas três semanas.
Apesar das tragédias que se abateram sobre Israel nessa data, em decorrência de seus pecados tantas vezes enfatizados nas advertências dos profetas, Deus cumpriu sua promessa de restaurar seu povo como nação. Ele tornou a ajuntar os dispersos de Jacó dos quatro cantos do mundo, ainda que tenha demorado quase dois milênios para o fazer. E ainda há de restaurá-lo espiritualmente para receber seu Messias nos dias do fim.
Essa fidelidade do Senhor em disciplinar, corrigir, buscar e restaurar seu povo, a despeito dos bezerros de ouro e das brechas nas muralhas dos tempos antigos bem como da era contemporânea, serve-nos de ânimo e força para continuar buscando-o com integridade e sinceridade. Ainda que nos faça passar “entre os estreitos”, seu propósito é nos levar a um lugar de descanso e comunhão. Essa é a mensagem de esperança de 17 de Tamuz.
“Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a iniquidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O Senhor não retém a sua ira para sempre porque tem prazer na misericórdia. Tornará a apiedar-se de nós; pisará aos pés as nossas iniquidades e lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar” (Miquéias 7:18-19).
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor de A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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