Viver não cansa. Fatigam as perguntas de quem não quer ter opinião própria, os comentários emburrecedores de quem não gosta de pensar, as lógicas dos religiosos que adoram encabrestar e serem encabrestados.
Viver não cansa. Exaure precisar debater com quem lê ‘Veja’, ter que ouvir a opinião de quem adora o Diogo Mainardi e ainda debater com quem nutre a espiritualidade com o Max Lucado, que abençoou a decisão do Bush de invadir e destruir o Iraque.
Viver não cansa. Desespera calar diante de vaidade maquiada de piedade; ter que respeitar narcisismo travestido de desprendimento, fazer vista grossa a escroque de colarinho clerical e calar com frase do tipo: não critique, eles ganham almas para Jesus e despovoam o inferno.
Viver não cansa. Chateia explicar para fariseu de plantão que beber vinho não significa embriaguez e dançar a valsa na formatura da filha não é promover licenciosidade sexual. Ruim arrazoar com analfabetos funcionais e tentar mostrar que distinguir música cristã e música do mundo não passa de picuinha religiosa. – existe, sim, música boa e ruim.
Viver não cansa. Amarga calar no descalabro ético de alguma igreja e ainda engolir o arrazoado: a igreja ‘X’ cresce e está expandindo o reino de Deus; resultados importam. Difícil assistir ao esfarelamento da credibilidade do protestantismo e ainda engolir seco porque: aquela igreja ‘X’ é como hospital de emergência, lá as pessoas se convertem para depois se filiarem às igrejas sérias.
Viver não cansa. Horroriza detectar a agenda megalomaníaca de televangelistas gringos como Benny Hinn, Morris Cerullo e Mike Murdock. Tenebroso notar que pastores, bispos e neo-apóstolos são inspirados e movidos pela mesma volúpia de poder. Dá tédio precisar explicar porque não participo de eventos, marchas e conferências ao lado desses renomados líderes. Mais triste ainda notar que em igrejas históricas, muitos só sobrevivem devido à politicagem denominacional, ao obscurantismo teológico e ao ranço fundamentalista. Péssimo admitir que vários fazem da vocação pastoral um jeito de ganhar a vida – mas com um esforço mínimo.
Viver não cansa. Exaure ver as igrejas lotadas de incautos em busca de um mega milagre porque ao cumprirem a sua parte, Deus fica obrigado a cumprir a dele. Maçante saber que cada campanha de oração, que se propõe destrancar os cadeados do céu, foi projetada, na verdade, para arrancar dinheiro de gente crédula. Triste notar que muitos líderes religiosos não diferem em nada de políticos venais, que só se interessam em defender interesses pessoais.
Viver não cansa. Debilita lidar com a inveja de quem não tem brilho próprio e vive da calúnia. Constrangedor saber que a indústria da música gospel alimenta narcisismo e vaidade de cantores que jamais seriam bem sucedidos fora de suas igrejas – para compensar a falta de talento, alguns fazem biquinho de amor para Jesus e vertem lágrimas forçadas.
Viver não cansa. Faz bem ao coração lidar com o rapaz e a moça, ávidos por sonhar com um mundo melhor. Anima conviver com o homem e a mulher, com fome e sede de justiça. Dão novo alento idosos que destilam uma sabedoria acumulada pela experiência. Encanta conversar com o poeta e aprender sobre sua intuição. Alegra a alma estar perto de um bom músico e viajar na delicadeza do som que produz. Estimula notar a riqueza acadêmica do mestre que divide sua erudição com humildade. A disciplina do atleta, a veemência do profeta e a sensibilidade do monge têm força para curar da canseira de quem rouba a esperança.
Viver, decisivamente, não cansa - é tão bom que dá vontade de não morrer nunca.
Soli Deo Gloria
- Ubirajara Crespo