‘Nossa guerra não é contra carne e sangue’, diz cristão sobre conflitos em Mianmar

Desde o golpe militar, a repressão às igrejas e a profanação de propriedades cristãs se intensificaram.

Fonte: Guiame, com informações de Portas AbertasAtualizado: quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023 às 14:22
Soldados em Mianmar. (Foto: Flickr/Prachatai)
Soldados em Mianmar. (Foto: Flickr/Prachatai)

Tun (nome fictício por razões de segurança) é um cristão que vive deslocado em Mianmar desde o golpe militar ocorrido em 1° de fevereiro de 2021. Ele conta que a guerra contra a Igreja no país é nítida e que o plano de Deus está sendo cumprido naquele lugar.

“O exército não é nosso inimigo real. Como citado em João 14, o trabalho do inimigo

é roubar, matar e destruir o corpo de Cristo. Ele não quer que o plano de Deus para a igreja se cumpra, por isso usa todo seu poder para perturbar e impedir que o Evangelho seja levado ao mundo”, disse.

“A batalha não é contra carne e sangue”, enfatizou ao lamentar todas as vítimas da guerra, tanto os cristãos quanto os não cristãos. 

‘Destruíram apenas as igrejas’

Quando os conflitos se intensificaram no país, Tun observou que apenas as igrejas foram destruídas: “Sem nenhum respeito, eles apenas destruíram igrejas, porém deixaram os templos budistas e os santuários intocados”.

“Em nossa vizinhança, nem mesmo uma única bala atingiu templos budistas. Então, esse golpe, podemos dizer que, de forma direta e indireta, é perseguição [aos cristãos]”, ele apontou.

Segundo o cristão perseguido, a repressão às igrejas e a profanação de propriedades cristãs em Mianmar se intensificaram: “Quando o golpe começou, as forças da Junta Militar invadiram igrejas para bombardeá-las, incendiá-las, pegar todo o dinheiro ou quebrar as janelas”. 

‘Parecia outro lugar do mundo’

Há dois anos vivendo como refugiados em seu país, Tun e sua esposa Lhing (nome fictício) tiveram suas vidas “viradas de cabeça para baixo”, como descrevem. 

Conforme a Portas Abertas, antes do golpe militar, o casal conduzia estudos bíblicos em sua casa com os vizinhos. “Na época, eles tinham no quintal fileiras e mais fileiras de cana-de-açúcar prontas para serem colhidas, além de cabras, galinhas e porcos”, especificou a organização.

Mas, depois que tanques militares chegaram à sua cidade, ele, a esposa e os três filhos foram forçados a fugir por segurança. A família nunca mais retornou ao lar. “Nós tivemos medo. Todas as linhas telefônicas foram cortadas e não havia mais internet. Sentimos como se estivéssemos em outro lugar do mundo”, relatou.


Tun conta como as igrejas foram atacadas. (Foto: Portas Abertas)

Mudança repentina de cenário

Tun conta que as tensões na vizinhança cresceram. “Protestos encheram as ruas com pessoas gritando por justiça e liberdade. As pessoas odiaram os militares e queriam a democracia de volta”, disse.

Logo nos primeiros meses de protesto, a Junta Militar atirou na cabeça de um manifestante, levando civis a pegar em armas e formar a Força de Defesa do Povo (PDF, da sigla em inglês). 

Foi nessa ocasião que Tun decidiu fugir com sua família. “Na manhã do primeiro dia, minha esposa e eu investigamos a estrada para descobrir onde os militares estavam. Quando confirmamos qual caminho era seguro, empacotamos nossos bens e necessidades de emergência”, lembrou.

Tun e Lhing fugiram com os três filhos em duas motos. “Levamos apenas sacolas bem pequenas. Se carregássemos muitas roupas, sacolas e outras coisas, os militares nos postos de controle não nos permitiriam sair da cidade”, contou.

Eles fizeram parecer como se estivessem saindo apenas para um passeio de um dia, mas Tun e a família nunca mais voltaram. Ao chegarem a um local seguro, Tun pediu por ajuda. “Deus preparou amigos e parceiros para cuidarem de nós e nos receberem”, compartilhou.

Estratégias de sobrevivência

Mesmo em meio ao deslocamento, Tun continua pregando o Evangelho. Ele e a família estão em um abrigo temporário com mais de dois mil deslocados cristãos. Lá, ele encontrou oportunidades para ministrar. 

“Todos os meios de sobrevivência se foram. Além de estarem sem emprego desde o golpe, a pandemia aconteceu. Eles já gastaram as economias e agora se esforçam pelo alimento diário. Já venderam terrenos, brincos, colares de ouro, tudo para sobreviver”, disse. 

Embora eles sejam gratos pela ajuda dada por agências internacionais, Tun não quer que os deslocados cristãos dependam disso: “Alguns fazem negócios apanhando carne de animais selvagens, como javali. Outros vendem no mercado, no início da manhã, vegetais colhidos na floresta”. 

Para ajudar ainda mais os companheiros cristãos, Tun dá a eles treinamentos de subsistência. “Os cristãos são muito receptivos e de  mente aberta. Antes do golpe, eles estavam ocupados com muitas coisas, mas agora eles pedem pelo treinamento”, enfatizou.

Tun disse que está maravilhado em como Deus tem transformado a ira por meio do perdão: “Isso é a mão do Senhor trabalhando no coração dos cristãos”.


Cristãos trabalham para sobreviver em campos de refugiados.. (Foto: Portas Abertas)

‘Igrejas são marcadas com tinta vermelha’

Todos esses ataques geram medo entre os cristãos das tribos Chin e Kachin, de onde Tun vem. “Algumas igrejas ainda não podem se reunir para cultuar porque o prédio foi marcado com tinta vermelha”, ele disse.

“Os que se reunirem para cultuar, serão baleados pelo exército ou presos pela polícia. Se o combate ocorre perto de uma igreja e ficam com raiva, incendeiam a igreja”, explicou

Tun compartilha que sempre que ouve notícias de igrejas atacadas sente uma dor profunda. “Apesar disso, como aprendemos no treinamento de preparação para a perseguição, sabemos que podem destruir prédios, mas não podem destruir os cristãos, a igreja é real. Esse é meu consolo”, concluiu.

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