A população do Afeganistão está apavorada com os últimos acontecimentos e as ameaças do Talibã. “Vamos matar quem não abandonar cultura ocidental”, disseram os combatentes à BBC News enquanto avançavam capturando territórios a um ritmo acelerado.
Dezenas de milhares de cidadãos comuns afegãos já fugiram de suas casas — centenas já foram mortos ou feridos nas últimas semanas. Mas, para os líderes terroristas, isso parece ser normal.
“É uma luta, então as pessoas estão morrendo”, respondeu um deles friamente, usando como justificativa que “a briga foi iniciada pelos americanos” e disse ainda que “se eles não estão abrindo mão da cultura ocidental, então teremos que matá-los”.
Combatentes do Talibã exibem armas nas ruas de Cabul, durante o "Dia da Independência do Afeganistão". (Foto: AP)
A matança já começou
De acordo com a BBC News Brasil, em locais onde há líderes de “linha-dura”, até as músicas já foram banidas das rádios. Nas estações onde costumavam tocar uma mistura de música islâmica e sucessos populares em geral, a ditadura terrorista já chegou.
Um líder talibã local chamado Haji Hekmat, disse que “agora são apenas cantos religiosos” e os outros estilos são proibidos por “promover vulgaridade”, embora ele continue com o discurso de que “as pessoas podem ouvir o que quiserem”.
Conforme o G1, assim que foi anunciada a proibição, o Talibã matou a tiros um cantor de música folk. O assassinato aconteceu na sexta-feira passada (27), no vale do Andarabi, uma região montanhosa na província de Baghlan, a cerca de 100 quilômetros ao norte de Cabul.
A família de Fawad Andarabi relatou que os talibãs já tinham até tomado chá com o músico em outra ocasião. “Ele era um cantor inocente, que só entretinha as pessoas. Eles deram um tiro em sua cabeça”, disse o filho Jawad.
Andarabi tocava um instrumento chamado ghichak, uma espécie de alaúde. Ele cantava músicas sobre o lugar onde ele nasceu, sobre seu povo e sobre o Afeganistão.
Um vídeo publicado em redes sociais mostra Andarabi cantando, sentado em um tapete, no meio das montanhas. A letra diz que “não há um país no mundo como a minha terra, uma nação orgulhosa, nosso lindo vale, a casa dos nossos antepassados”.
Há relatos de que um afegão foi pego ouvindo música no mercado. Para puni-lo, os combatentes do Talibã o fizeram andar descalço sob o sol escaldante, até que ele perdesse a consciência. Os terroristas negam.
Não há liberdade, nem direitos humanos
Conforme as notícias, no entendimento dos talibãs, a “cultura ocidental” que deve ser banida do país inclui música, artes, comunicação, entretenimento, cultura e educação.
Alguns afegãos que eram bem-sucedidos nessas atividades fugiram do país deixando tudo para trás, após serem ameaçados. A jornalista Beheshta Arghand, âncora da rede afegã “Tolo News”, fugiu com os pais e os quatro irmãos. “Saí porque, como milhões de afegãos, temo o Talibã”, resumiu a jornalista à CNN.
Beheshta Arghand ganhou destaque por entrevistar, com perguntas incisivas, Mawlawi Abdulhaq Hemad, ao vivo, questionando-o sobre os direitos das mulheres. (Foto: Reprodução/Youtube/Tolonews)
O artista afegão Omaid Sharifi, também fugiu após constatar que não haverá mais em seu país espaço para arte, cores e beleza, pois são incompatíveis com o estilo de vida do grupo fundamentalista.
“Eu conheço o Talibã, sei o que é viver sob seu domínio. Não é possível mais trabalhar nessas condições”, lamentou o artista que foi advertido por extremistas a mudar de profissão. Ele contou que começaram a destruir seus trabalhos por conta própria.
O artista afegão Omaid Sharifi. (Foto: Reprodução/Twitter/Omaid Sharifi)
A cineasta Roya Heydari se despediu do Afeganistão: “Deixei toda a minha vida, minha casa para continuar a ter voz. Mais uma vez, estou fugindo de minha pátria. Mais uma vez, vou começar do zero. Com o coração partido, adeus pátria. Até nos encontrarmos novamente”.
No post, que viralizou no Twitter, a cineasta e fotógrafa disse que preferiu sair do país a viver enjaulada, sem poder trabalhar, conforme explicou à Al-Jazeera.
A cineasta afegã Roya Heydari, momentos antes de partir de Cabul, no Afeganistão. (Foto: Reprodução/Twitter/Roya Heydari)
O fotógrafo Massoud Hossaini foi o primeiro afegão a vencer o Prêmio Pulitzer, em 2012, com a foto de uma menina afegã ensanguentada e em choque, cercada de mortos e feridos, após um ataque terrorista num festival xiita.
Hossaini é agora um exilado. Fugiu de Cabul pouco antes de o Talibã tomar a capital. Ele disse que trabalhava como freelancer e tinha sido ameaçado pelo grupo por uma reportagem que fez com um jornalista estrangeiro sobre os casamentos forçados de meninas afegãs com combatentes.
De longe, ele prevê a morte da imprensa livre afegã “vibrante nos últimos 20 anos” e despreza as promessas de moderação feitas pelo grupo radical nesta segunda gestão.
O fotógrafo Massoud Hossaini, primeiro afegão a vencer o Prêmio Pulitzer. (Foto: Reprodução/Twitter/Massoud Hossaini)
Entre os perseguidos pelo Talibã estão também aqueles que decidiram seguir os passos de Cristo, deixando para trás o islamismo. Os cristãos são vistos pelo Talibã como traidores. Aos apóstatas o destino é a pena de morte.
“O cristianismo é visto como um religião ocidental e estranha ao Afeganistão. A opinião pública a respeito do proselitismo de cristãos a muçulmanos é abertamente hostil”, afirma o relatório de 2021 produzido pela ACN Internacional, uma ONG que descreve a situação de liberdade religiosa no mundo.
Fugas e tentativas de ajuda
Um líder cristão no Afeganistão, cujo nome foi ocultado para sua própria segurança, disse à ICC (International Christian Concern) que os cristãos estão sendo orientados a ficar em casa devido ao risco de se deparar com as patrulhas do Talibã.
“Alguns cristãos conhecidos já estão recebendo telefonemas ameaçadores”, disse o líder cristão à ICC. “Nessas ligações, pessoas desconhecidas dizem: estamos indo atrás de você”, especificou.
Will Stark, gerente regional para o sul da Ásia da ICC, disse ao Washington Times que as pessoas que não são conhecidas publicamente como cristãos estão sendo aconselhadas a mudar de endereço ou ficar escondidas por um tempo.
“Indivíduos com Bíblias ou literatura cristã foram instruídos a enterrá-las, descartá-las e se livrar delas. Porque se você for descoberto, há uma preocupação de que isso poderia levar à morte", acrescentou Stark.
Teme-se também que o acesso a documentos do governo por parte do Talibã possa ajudar na perseguição a grupos minoritários, conforme o Gazeta do Povo. Organizações e personalidades cristãs nos EUA estão se esforçando para enviar resgate aos cristãos afegãos.