Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a Procuradoria-Geral da República (PGR), Augusto Aras foi o único dos candidatos ao cargo a se comprometer com uma série de “valores cristãos” previstos em carta da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). Aras recebeu apoio institucional da entidade, que tem trânsito na cúpula do governo, na disputa pela chefia do Ministério Público.
A controversa indicação de Augusto Aras pôde ser medida nas mídias sociais, onde as manifestações contrárias ao seu nome para a PGR deram origem à #AugustoArasNão. Para aqueles que se opõem ao nome de Aras, o passado dele em defesa de causas, como o fim da operação Lava Jato, destoa do momento político do Brasil.
O documento, de dez páginas proposto pela Anajure, registra visão da entidade – braço das igrejas protestantes no meio jurídico – sobre temas como liberdade religiosa, sexualidade, aborto, gênero, conceito de família, acolhimento de refugiados, ensino confessional, repressão à corrupção e separação dos Poderes, entre outros. Parte do texto sugere posições institucionais que, no entendimento da associação, deveriam ser adotadas pelo Ministério Público e pelo governo.
Na lista dos itens defendidos pela associação estão a manutenção dos símbolos religiosos em repartições públicas, monumentos públicos com conotação religiosa, feriados religiosos e a menção a “Deus” no preâmbulo do texto constitucional. O documento diz que o Poder Judiciário deve se abster de atuar como legislador. Para a entidade, o Ministério Público deve ter sua atuação limitada às funções institucionais, evitando condutas “personalistas” em operações como a Lava Jato – ideia já exposta por Aras.
“Ele (Aras) falou que é conservador, leu a carta e está de acordo com os princípios ali elencados”, disse ao Estado o presidente da Anajure, Uziel Santana. “Ele se comprometeu com a pauta prevista, tanto moral quanto de combate à corrupção.” A Anajure tem cerca de 700 associados, entre juízes, desembargadores, advogados, promotores e procuradores.
Bolsonaro prometeu editar projeto de lei para proibir “ideologia de gênero” no ensino fundamental. Há dez ações no Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade de leis estaduais e municipais que versam sobre a mesma vedação a orientações sobre sexualidade e gênero nas escolas. Sete delas foram propostas pela Procuradoria-Geral da República. Para a Anajure, as leis devem ser reconhecidas como válidas.
“Há uma desconstrução de valores morais nos últimos anos, a imposição de uma agenda contrária ao pensamento de pais e famílias, da igreja. E isso não é bom”, afirmou Santana. Ele disse que a Anajure não deseja “impor” a sua visão moral ao País, mas busca que ela seja “respeitada”. Para ele, o “alinhamento” entre governo e Procuradoria-Geral significa “estar harmônico sem falta de independência”.
A carta expõe argumentos contra questões como o aborto e o reconhecimento de família, na esfera pública, composta por uma união homoafetiva. “A instituição familiar deve ser preservada como heterossexual e monogâmica.” A Anajure defende a possibilidade de realização de tratamentos para “reversão sexual”, afirma que os registros públicos devem admitir apenas o gênero binário (masculino e feminino), argumenta em favor do ensino confessional e sugere a criação de cargos de Estado para defender a liberdade religiosa internacionalmente.
Num dos trechos, a entidade pede comprometimento do procurador-geral com o “mandamento” de que as igrejas “são imunes à cobrança de tributos e assim devem permanecer”. O temor de que elas venham a ter receitas taxadas aumentou por causa do projeto de uma contribuição sobre pagamentos em estudo, com apoio de setores da equipe de Bolsonaro, enquanto o Congresso debate a reforma tributária. A Anajure e a Frente Parlamentar Evangélica se articulam para barrar a iniciativa.
Aras iniciou ontem corpo a corpo no Senado, onde será sabatinado, em busca de apoio e já começou a montar sua equipe. O subprocurador aposentado Eitel Santiago Pereira confirmou, em redes sociais, que aceitou convite para o cargo de secretário-geral da PGR. “Que Deus abençoe minha decisão.”
Nesta segunda-feira (09), líderes do Ministério Público realizaram atos em defesa da independência da instituição e contra a indicação de Aras – Bolsonaro ignorou a lista tríplice eleita pela categoria. Em Brasília, o primeiro colocado da lista, Mario Bonsaglia, afirmou que “preocupa a visão de que o procurador-geral precisaria ter um programa alinhado ao governo”. Procurado, Aras não se manifestou.