O significado do Dia do Senhor

O Dia do Senhor é Yom Adonai, mencionado inúmeras vezes nos profetas e mesmo por outros apóstolos como Pedro e Paulo no Novo Testamento.

Fonte: Guiame, Getúlio CidadeAtualizado: quarta-feira, 26 de junho de 2024 às 12:35
(Foto: Pixabay)
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O termo Dia do Senhor é bem conhecido dos cristãos devido a seu emprego no Apocalipse de João. Entretanto, é um termo controverso, pois não há consenso sobre a que dia exatamente ele se refere; se é o sábado dos judeus ou o domingo dos cristãos. Novamente, precisamos nos voltar para a Oliveira Natural a fim de investigar o contexto judaico do século I, quando João o escreveu em suas revelações na ilha de Patmos.

Sábado ou Domingo?

Uns interpretam que o Dia do Senhor referido por João é uma alusão direta ao Shabbat (sábado). Afinal, esse é um dia especial instituído por Deus dentro da semana. Se João fora arrebatado para ter suas experiências proféticas que redundaram em um livro tão importante para o cristianismo, faria todo o sentido que isso ocorresse nesse dia especial para os judeus do século I e discípulos de Yeshua.

O problema com essa interpretação é que em nenhuma literatura judaica, contemporânea ou não de João, esse termo é usado para se referir ao sábado. Sendo assim, João não criaria um termo referente ao Shabbat do nada, sem especificar isso. Precisamos lidar com o contexto judaico da época, considerando fatores pertinentes como a linguagem usada, os símbolos, os códigos, os costumes etc.

Por exemplo, alguns séculos antes de Jesus até pouco depois da destruição do Templo, muitos escritos apocalípticos foram produzidos, especialmente pela comunidade dos essênios. Embora a grande maioria não conste no cânon sagrado, muitos guardam profunda semelhança com o Apocalipse de João, como o livro de Enoque. Em nenhuma dessas literaturas, apocalípticas ou não, existe o termo Dia do Senhor como referência ao sábado. Portanto, essa é uma interpretação sem fundamento do real significado do termo.

A segunda interpretação e a mais tradicional é que o Dia do Senhor é uma referência ao dia da Ressurreição de Jesus, primeiro dia da semana judaica (primeiro do sábado como era conhecido) ou o domingo, conforme conhecido mundialmente. Essa interpretação sofre do mesmo problema da anterior, pois em nenhuma outra literatura da época há alguma menção ao primeiro dia da semana como sendo o Dia do Senhor.

Aliás, o primeiro dia da semana, consagrado ao deus-sol no Império Romano, ganhou esse nome ainda no século IV, quando Constantino, após sua conversão ao cristianismo, chamou-o de Dia do Senhor (Dominus Dei) exatamente por causa da Ressurreição. No entanto, além de não constar em nenhuma menção prévia na literatura judaico-messiânica, João não parece intencionado em narrar em que dia da semana as revelações lhe foram dadas. Se estivesse preocupado em registrar quando isso ocorreu, faria mais sentido escrever a data exata, como era normal entre os cronistas antigos de Israel, e não mencionaria apenas o dia da semana. Portanto, alegar que o Dia do Senhor é o domingo não passa de outra afirmação vazia de fundamentos.

Yom Adonai

Olhando para o mesmo contexto judaico no qual João estava inserido, assim como as demais comunidades messiânicas a quem dirige sua mensagem apocalíptica, o termo Dia do Senhor ganha sentido quando se olha para os livros dos profetas de Israel que estão repletos do mesmo termo. O Dia do Senhor é Yom Adonai, mencionado inúmeras vezes nos profetas e mesmo por outros apóstolos como Pedro e Paulo no Novo Testamento. Muita controvérsia e disputa de interpretações teológicas poderiam ser evitadas se tão somente pesquisássemos as Escrituras com maior diligência. Deixemos que a Bíblia interprete a si mesma.

O Dia do Senhor (Yom Adonai) é uma referência aos dias do fim, um tempo de juízos e castigos divinos sobre a Terra, mencionado repetidamente nos livros proféticos da Bíblia hebraica (Velho Testamento). Dentre muitas passagens, encontramos fartura desse tema em Isaías, Ezequiel, Joel, Amós, Obadias, Sofonias, Zacarias, Malaquias etc. Todas elas abordam o Dia do Senhor como sendo um tempo difícil para os homens, de catástrofes e caos, um tempo de castigo sobre a Terra para julgar a rebeldia do homem contra Deus e sua insistência deliberada no pecado. Vejamos, por exemplo, o que diz Isaías sobre Yom Adonai:

“O dia do Senhor dos Exércitos será contra todo soberbo e altivo, e contra todo o que se exalta, para que seja abatido (...) Os homens se meterão nas cavernas das rochas, e nas covas da terra, por causa da presença espantosa do Senhor e por causa do esplendor da sua majestade, quando ele se levantar para sacudir a terra. (...) e meter-se-ão pelas fendas das rochas, e pelas cavernas das penhas, por causa da presença espantosa do Senhor, e por causa do esplendor da sua majestade, quando ele se levantar para sacudir a terra” (Is. 2:12,19,21).

A ira do Cordeiro

Essa atmosfera descrita pelo profeta se alinha perfeitamente com o que viu João em Apocalipse: “E os reis da terra, e os grandes, e os ricos, e os tribunos, e os poderosos, e todo o servo, e todo o livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas. E diziam aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós, e escondei-nos do rosto daquele que está assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro. Porque é vindo o grande dia da sua ira; e quem poderá subsistir?” (Ap. 6:15-17).

Quando examinamos o significado do Dia do Senhor nas Escrituras do Velho Testamento, a compreensão do que João relata em Apocalipse é imediata. Não precisamos acrescentar interpretações. João não estava preocupado em mencionar o dia em que foi arrebatado, mas em relatar que foi arrebatado em Yom Adonai, o tempo do acerto de contas de Deus no fim dos dias, e viu os juízos terríveis sobre a Terra de que escreveram os profetas de Israel séculos antes dele. É disso que trata o livro de Apocalipse e é esse o real significado do Dia do Senhor. As comunidades messiânicas da Ásia Menor não tiveram nenhuma dificuldade de compreensão quando leram sua profecia, pois estavam inseridas dentro do contexto judaico de sua época. 

 

Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

 

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