Na última terça-feira (2), cristãos que foram vítimas de ataques islâmicos ocorridos em agosto de 2023 encerraram um protesto sem precedentes, que durou 17 dias, após receberem garantias de justiça por parte do governo do Paquistão.
O movimento foi considerado uma rara demonstração de solidariedade cristã no país, classificado em 8º lugar na Lista Mundial da Perseguição 2025 da Portas Abertas, que aponta os locais mais difíceis para a prática da fé cristã.
Durante o ato de encerramento, o organizador do Comitê de Vítimas de Jaranwala, Lala Robin Daniel, destacou que esta foi a primeira vez na história do Paquistão que os cristãos realizaram um protesto tão longo em defesa de seus direitos.
“Os cristãos sofreram mais de 13 ataques de multidões em seus bairros ao longo dos anos, mas nunca antes levantaram suas vozes por justiça. É a primeira vez na história deste país que, num raio de 10 quilômetros, protestos foram realizados não apenas nas ruas, mas também em cemitérios e igrejas”, disse Daniel.
“A mobilização também foi a primeira vez que cristãos, especialmente mulheres, participaram dos protestos em jejum, deixando de lado as tarefas diárias para garantir que suas vozes fossem ouvidas”, acrescentou.
‘Alheios à situação’
Os cristãos se mobilizaram contra a falta de justiça após os ataques de 16 de agosto de 2023, na região de Jaranwala, província de Punjab. Segundo Daniel, a comunidade decidiu recorrer às ruas porque seus apelos por reparação e indenização pelas perdas foram ignorados.
“Fomos obrigados a tomar as rédeas da situação porque aqueles que dizem estar nos defendendo realizam reuniões em hotéis cinco estrelas em Lahore e Faisalabad, mas permanecem alheios à situação no local”, contou ele.
E continuou: “Nenhum dos supostos defensores visitou as casas das vítimas para verificar se elas receberam o dinheiro da indenização ou para descobrir o status de seus processos judiciais”.
“Essas pessoas, vestidas com ternos e togas, têm realizado reuniões cerimoniais com autoridades governamentais apenas para tirar fotos e ganhar dinheiro em nosso nome, e é por isso que o governo também não as levou a sério. Nossa reivindicação desde o primeiro dia é para que o governo se engaje conosco diretamente”, acrescentou.
Encerramento do protesto
O líder comunitário afirmou que, durante as negociações com o governo, três mulheres vítimas foram incluídas no comitê, ao lado de outros representantes, para expor os desafios que ainda enfrentam em seu dia a dia.
Em Faisalabad, Daniel e outros cristãos se reuniram com representantes de uma instituição do governo federal. Na ocasião, foram informados de que suas reivindicações haviam sido consideradas e receberam a garantia de que começariam a ver resultados.
“Eles nem sequer nos pediram para encerrar o protesto, ao contrário da administração distrital, que vem nos pressionando para cancelá-lo”, disse ele.
Diante das promessas das autoridades federais, o comitê de vítimas decidiu por unanimidade suspender o protesto, além da consideração das chuvas torrenciais e inundações no país.
“No entanto, se não virmos nenhuma mudança na nossa situação, reiniciaremos o protesto com mais vigor”, destacou Daniel.
Uma manifestante que se dirigia ao público disse que os cristãos de Jaranwala estavam decepcionados com a negligência do governo contra os agressores.
“O estado deve saber que não descansaremos até obtermos justiça”, disse ela, pedindo aos participantes que continuassem orando e permanecessem unidos na luta por seus direitos.
‘Impunidade para os agressores em Jaranwala’
O protesto, promovido pelo Comitê de Vítimas de Jaranwala em parceria com o Movimento pelos Direitos das Minorias do Paquistão, teve início em 16 de agosto na Colônia Cristã de Jaranwala.
Naquele mesmo dia, milhares de muçulmanos atacaram a região após dois irmãos cristãos serem acusados de escrever conteúdo blasfemo e profanar o Alcorão. O episódio resultou no saque e na destruição de mais de 25 igrejas e 85 residências cristãs em Jaranwala Tehsil, no distrito de Faisalabad.
Apesar da gravidade da violência, nenhum dos agressores foi condenado. Mais de 300 pessoas chegaram a ser presas, mas a maioria foi liberada sob fiança ou solta em razão de falhas na investigação policial.
Em 4 de junho, um tribunal antiterrorismo em Faisalabad absolveu 10 suspeitos acusados de incendiar uma igreja e saquear a residência de um cristão durante os ataques.
Segundo Babu Ram Pant, vice-diretor regional da Anistia Internacional para o Sul da Ásia, dos 5.213 suspeitos identificados pelos ataques em Jaranwala, apenas 380 foram presos — enquanto 4.833 permanecem foragidos um ano após o crime. Entre os detidos, 228 acabaram libertados sob fiança e outros 77 tiveram as acusações retiradas.
As acusações de blasfêmia são frequentes no Paquistão, onde insultar Maomé, o profeta do Islã, pode resultar em pena de morte. Embora nenhuma execução tenha sido realizada até hoje, muitas vezes a acusação por si só pode desencadear tumultos e incitar multidões à violência.
Em Jaranwala, os dois irmãos cristãos foram absolvidos das acusações de blasfêmia depois que um tribunal antiterrorismo concluiu que eles foram incriminados por outro cristão após uma disputa pessoal.