De quem é a "Terra Santa"?

Será que a criação do estado de Israel é um dos indícios de que a segunda vinda de Cristo está próxima? Espero que, depois de ler atentamente a perspectiva histórica e teológica, você possa fazer suas próprias conclusões e atuar em conformidade com elas

Fonte: UltimatoAtualizado: quinta-feira, 31 de julho de 2014 às 15:46
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Israel_2Nas últimas semanas tem sido quase impossível ler jornais ou ouvir notícias na televisão sem se deparar com a violenta situação envolvendo palestinos e judeus e, mais especificamente, com a luta ferrenha envolvendo os islamitas do Hamas e o exército israelense. Este problema tem enormes consequências políticas e sociais não só para o Oriente Médio, mas para todo o mundo e poderia se transformar facilmente no estopim de uma grande guerra mundial. Para entendê-lo precisamos, inevitavelmente, entender um pouco da história do conflito.

Para nós, cristãos, o problema também tem uma dimensão teológica que, dependendo do nosso posicionamento, afetará a maneira como interpretamos essa situação e, consequentemente, nossa práxis missionária. Será que o que está acontecendo na “Terra Santa” é parte do cumprimento das profecias e promessas do Antigo Testamento e, portanto, os palestinos não têm nenhum direito de demandar uma parte do território? Será que a criação do estado de Israel é um dos indícios de que a segunda vinda de Cristo está próxima? Espero que, depois de ler atentamente a perspectiva histórica e teológica, você possa fazer suas próprias conclusões e atuar em conformidade com elas.

1. Perspectiva Histórica1

Nossa retrospectiva começa entre os séculos 20 e 18 a.C., com a promessa de Deus para Abraão e seus descendentes. Essa promessa, ou seja, a conquista da Palestina, foi cumprida somente séculos mais tarde, ao redor do ano 1240 a.C., sob a liderança de Josué. Por volta do ano 1000 a.C. David estabeleceu seu reino em Jerusalém. Mas, em 586 a.C. o Reino do Sul deixou de existir e os judeus foram levados para o cativeiro.

Mesmo com o regresso parcial dos judeus a Jerusalém anos mais tarde, sob o comando de Esdras, a realidade é que a partir de 586 a.C. até o ano 638 d.C. (ou seja, mais de mil anos) a “Terra Prometida”, a não ser por breves intervalos de tempo, não voltou a estar sob o domínio judeu, e esteve sob o controle dos Impérios Babilônico, Persa, Grego ou Romano. No ano 70 d.C. Jerusalém, que naquele tempo então estava sob o domínio do Império Romano, foi destruída e em 135 d.C. os judeus foram expulsos da cidade e passaram a viver em diferentes partes da região.

A Palestina passou a estar sob o domínio dos muçulmanos a partir do ano 638, quando Omar era o califa. Este domínio permaneceu até o ano 1918, exceto por alguns anos durante as Cruzadas, o que representa cerca de 1280 anos sob o domínio muçulmano. Foi a partir de então que a região passou a estar sob o Protetorado Britânico.

De 1880 em diante o número de judeus que se estabeleceram na Palestina, fugindo da perseguição antissemítica que estava havendo na Europa, começou a aumentar significativamente. Nessa época, 5% da população era composta por judeus e 95% por árabes palestinos. Quando os árabes perceberam as intenções a longo prazo dos judeus, passaram a ter uma atitude mais violenta.

Em 1917, na Inglaterra, foi assinada a Declaração de Belfour, em que se reconhecia o direito dos judeus a terem sua própria pátria, com a ressalva de que em nenhum momento os árabes palestinos poderiam ser prejudicados pelas concessões feitas aos judeus.

A violência entre os dois grupos continuou em aumento até que, em 1947, a Organização das Nações Unidas aprovou um plano que dava 52% das terras para os judeus (que então representavam 31% da população e possuíam legalmente apenas 6% das terras) e 48% para os árabes (que representavam 69% da população).

Em 1948 o Estado Judeu foi estabelecido. Os árabes, inconformados com o que eles entendiam ser uma grande injustiça, se levantaram contra os judeus, foram derrotados e, no processo, perderam ainda mais território. Como resultado desta situação, ainda hoje há 3,5 milhões de palestinos refugiados em diferentes países do Oriente Médio.

Este acontecimento foi visto por muitos cristãos como o “início do fim” e o cumprimento de promessas bíblicas. O povo judeu precisava de um território próprio, depois de sofrer intensamente o holocausto levado a cabo pelos nazistas. O problema era que a Palestina já era habitada pelos árabes palestinos há mais de mil anos, ou seja, há muito mais tempo do que o Brasil foi descoberto! (Podem imaginar os brasileiros atuais sendo expulsos de suas casas e do Brasil, para que os habitantes originais regressem às suas terras?). O mundo tinha sido compreensivelmente simpático aos judeus que sofreram terrivelmente, mas ignorou os direitos e o clamor do povo Palestino, que vivia naquele lugar há vários séculos.

Seiscentos e cinquenta mil muçulmanos e 55 mil cristãos palestinos foram expulsos de suas casas. O novo governo de Israel destruiu mais de 400 povoados palestinos. Desde então milhares, principalmente palestinos, morreram em meio às intermináveis batalhas. Milhares de árabes (muçulmanos e cristãos) continuam sem uma casa, sem uma pátria. Anos atrás conversei com um cristão palestino, que vive na cidade de Belém, onde Jesus nasceu, e ele me contava os sofrimentos dele e da sua família para a sobrevivência diária.

Os milhões de muçulmanos em todo o mundo olham esta situação e se perguntam: por que os governos ocidentais (que são considerados pelos muçulmanos como governos cristãos) não fazem algo para solucionar esta injustiça? Por que durante a Guerra do Golfo as potências mundiais reagiram rapidamente para liberar o Kuwait (país que possui muito petróleo e, portanto, o mundo tem muitos interesses comerciais ali) e há 50 anos não resolvem o problema entre Israel e o povo Palestino? É claro que o povo e as autoridades palestinas cometeram erros, e parte da responsabilidade pela situação atual recai sobre eles. No entanto, eu não tenho nenhuma dúvida de que os atentados terroristas que são frequentemente perpetrados no Ocidente e a situação tensa que perdura no Iraque, Paquistão, Afeganistão, Irã e Gaza estão intimamente relacionados com esta situação.

2. Perspectiva Teológica

De acordo com Chapman, quando o tema está relacionado ao conflito Judeu-Palestino, todos os cristãos se encaixam em uma de duas categorias: os dispensacionalistas/“restauracionistas” e os que defendem a Teologia do Pacto.

No primeiro grupo estão aqueles que acreditam que a restauração da terra aos judeus é parte do plano de Deus, um cumprimento das profecias e promessas do Antigo Testamento. A promessa feita a Abraão ainda é válida e deve ser interpretada literalmente. Os judeus são detentores do direito, dado por Deus, de possuir a terra e a criação do Estado de Israel com o retorno dos judeus à terra prometida mostra que a Segunda Vinda de Cristo é iminente. Sob este ponto de vista tudo o que está acontecendo hoje naquela região do mundo é parte do plano de Deus de abençoar seu povo, que culminará com um grande conflito e a Segunda Vinda.

Já os que defendem a Teologia do Pacto crêem que

"O Pacto com Abraão e todas as promessas e profecias do Antigo Testamento devem ser interpretadas sob a luz da chegada do Reino de Deus em Jesus; o Antigo Testamento deve ser lido através das lentes do Novo Testamento. Devido ao fato de que as profecias e promessas do Antigo Testamento foram cumpridas na chegada do reino em Jesus, o regresso dos judeus à Terra Prometida e o estabelecimento do Estado de Israel não tem nenhum significado teológico especial.2"

Em prol dos que defendem esta posição Chapman3 argumenta que Jesus teve pouco, ou nada, a dizer sobre a restauração de um reino terrestre, e que não há nada no Novo Testamento que sugira que os discípulos e apóstolos, depois da ressurreição e ascensão de Cristo, tenham tido outra expectativa que não fosse "uma herança reservada nos céus”4, ou a “Jerusalém celestial”5, ou ainda a falta de necessidade de um templo em Jerusalém para que houvesse adoração verdadeira.6

Alguns dos que se identificam com o primeiro grupo muitas vezes concluem que, como o que está acontecendo é parte do plano de Deus, os Palestinos devem ser vistos como inimigos, sem nenhum direito à Terra Prometida e, por isso, a mão de Deus está pesando sobre eles. Ao fim e ao cabo, além de palestinos, eles são muçulmanos (esquecendo-se que uma minoria importante de árabes palestinos é de cristãos)!

Já os que se identificam com a segunda posição concluem que tanto os palestinos como os judeus erraram e, portanto, “carecem da glória de Deus”. Consequentemente, como cristãos, o que resta a ser feito é denunciar as injustiças de ambos os lados e apresentar-lhes o Evangelho da Reconciliação.

“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um... E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto... Assim já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da familia de Deus...” Efésios 2.14-19.


• Marcos Amado

Notas
1. Os dados para esta resenha histórica foram obtidos no artigo escrito por Colin Chapman, “Israel and Palestine: Where is God in the Conflict?”, Redcliffe Lectures (manuscrito não publicado), 2005, e do livro escrito por Christine A. Mallouhi, Waging peace on Islam (Monarch Books).
2. Chapman, “Israel and Palestine: Where is God in the Conflict?”, 9.
3. Chapman, “Israel and Palestine: Where is God in the Conflict?”, 11.
4. 1 Pedro 1.3-5.
5. Hebreus 12.24
6. João 4.21-24.

 

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