No livro Jesus e suas dimensões, Anselm Grün dedica um capítulo para discorrer sobre a forma como Jesus se relacionou com as mulheres e as tratou. Deixo aqui um trecho desse capítulo.
Marcos diz que na crucifixão de Jesus os discípulos homens fugiram. "Mas algumas mulheres olhavam de longe, entre elas Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé: elas haviam acompanhado Jesus já na Galiléia e o serviam. Encontravam-se ali muitas das outras mulheres, que tinham vindo com Jesus para Jerusalém" (Mc 15,40-41).
O termo que Marcos aplica aos discípulos seguir também emprega para as mulheres. Elas o seguiam da mesma forma que os homens. Para aquela época isso era novidade, pois o rabino sempre reunia ao redor de si apenas homens. Entre os discípulos de Jesus, as mulheres tinham os mesmos direitos. O que terá levado Jesus a reunir em torno de si mulheres, da mesma forma que homens?
Ao que tudo indica, ele, como homem, não tinha medo algum do contato com mulheres. Todos os evangelhos nos dizem que foram exatamente as mulheres que permaneceram junto à cruz de Jesus. Isso não era natural, absolutamente, pois os romanos crucificavam também os parentes e amigos que ficassem chorando em torno do crucificado. Eles não admitiam simpatizantes perto da cruz. Para uma Igreja masculina, sempre foi uma humilhação o fato de as mulheres terem sido as primeiras a ir ao encontro do Ressuscitado. Foram as mulheres que anunciaram aos discípulos a mensagem da ressurreição.
O grego Lucas vê com especial consideração a relação de Jesus com as mulheres. Ele conta que, em suas peregrinações, Jesus era acompanhado não só pelos doze apóstolos, mas também por "algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e enfermidades: Maria Madalena, de quem tinham saído sete demônios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que o serviam com seus bens" (Lc 8,2-3). Portanto, quando Jesus andava pelo país, em torno dele sempre havia também mulheres, com as quais tinha uma relação pessoal. Ele as havia curado, tocado, erguido, libertado de demônios isto é, de padrões de comportamento que as impediam de viver , da autodesvalorização e da autocondenação. Restabeleceu-as em sua dignidade de mulher. E tais mulheres não eram pessoas que apenas recebiam, elas também lhe retribuíam alguma coisa. Serviam não apenas com seus bens, mas também com as capacidades próprias de cada uma, com todos os dons, interiores e exteriores, de que dispunham. A palavra grega para "servir" aplica-se propriamente ao serviço à mesa. As mulheres serviam à mesa, serviam à vida, despertavam vida em Jesus e em seus discípulos. Criavam um espaço em que a vida podia florescer.
Na casa das irmãs Maria e Marta, que acolheram Jesus como hóspede (cf. Lc 10,3842), Maria ficou sentada a seus pés. A atitude descrita é a expressão típica que designa o discípulo. De Paulo se diz, de maneira semelhante, que ficava sentado aos pés de Gamaliel, sendo instruído na lei do Senhor (cf. At 22,3). A mulher, portanto, é discípula de Jesus com os mesmos direitos. Enquanto Jesus e seus discípulos são servidos à mesa por Marta, Maria simplesmente fica ali, escutando-o. Isso irrita sua irmã que, então, se queixa a Jesus, pedindo-lhe que mande Maria ajudá-la. Mas Jesus toma o partido de Maria. Ela escolheu a melhor parte, esta não lhe será tirada. A cena em que Lucas descreve Marta mostra como Jesus era desinibido no trato com as mulheres. Ele quer ser hóspede delas, desfrutar sua hospitalidade. Mas também as leva a sério como discípulas. Instrui Maria naquilo que ele considera importante. E envolve-se na discussão entre as duas irmãs, sem ferir nenhuma e sem se deixar monopolizar por qualquer uma delas. Toma uma posição clara, mas de tal forma que ambas se sentem valorizadas em sua dignidade.
Existe ainda uma outra passagem do evangelho de Lucas que me parece importante para esclarecer a relação de Jesus com as mulheres. No sepulcro, os anjos dizem às mulheres, que foram as primeiras testemunhas da ressurreição: "Lembrai-vos do que vos falou quando ainda estava na Galiléia" (Lc 24,6). Para os anjos, essas mulheres não eram somente testemunhas da ressurreição, mas também das palavras que Jesus lhes dissera.
Jesus anunciou sua doutrina tanto aos discípulos como às discípulas. Elas são, com os mesmos direitos deles, testemunhas de sua doutrina. Transmitem suas palavras. Recordam-nas, conservam-nas na lembrança. E, como Maria, refletem sobre essas palavras que guardam na mente, para sempre lhes penetrar melhor o sentido. Portanto, a interpretação da mensagem de Jesus não provém somente dos homens, mas também e igualmente das mulheres. Quando Lucas narra uma cena que tem como protagonista um homem, logo se segue outra onde a protagonista é uma mulher. A uma "parábola dos homens" contrapõe-se uma "parábola das mulheres". Lucas acha que só pode falar adequadamente de Deus e das pessoas se falar ao mesmo tempo do homem e da mulher. A Igreja, infelizmente, não extraiu disso as lições que devia. Por muito tempo foram apenas os homens que interpretaram a mensagem de Jesus.
Anselm Grün, Jesus e suas dimensões, tradução de Carlos Almeida Pereira, Campinas, Verus Editora, 2006, pp. 33-35.
Trecho reproduzido com a autorização da editora.
Eudoxiana Canto Melo é formada em letras, revisora do Departamento de Cultura Cristã da IAP - Igreja Adventista da Promessa - e autora de estudos das Lições Bíblicas da IAP. Também colabora com artigos para o site da FUMAP (Federação das Uniões da Mocidade Adventista da Promessa). Blog: Poeira de Ouro - http://eudoxiana.blogspot.com/
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