Pensar na música cristã em 1989 é imaginar um momento de grande crescimento e ao mesmo tempo de grandes perdas no segmento. Iniciava-se ali uma época de salto em qualidade em nossa música com o início do Movimento gospel, e ao mesmo tempo morreram alguns dos grandes nomes e gênios cristãos, como Sérgio Pimenta em 1987 de um forte câncer. Logo no início do ano seguinte faleceu Janires, fundador e ex-vocalista do Rebanhão e da Banda Azul por conta de um acidente de trânsito. Tanto Janires, quanto Pimenta faleceram jovens com um pouco mais de trinta anos de idade.
Falando em Janires, é impossível não citar este sem lembrar no Rebanhão, a banda cristã mais famosa da época. O músico foi responsável por unir suas composições à musicalidade de seus amigos e fazer uma literal revolução na nossa música a qual temos os efeitos positivos até nos dias de hoje.
O primeiro trabalho do grupo foi lançado em 1981, pelo título “Mais Doce que o Mel”, a qual eu considero como o clássico e grande obra prima da banda. Neste disco, o Rebanhão mescla vários ritmos, como o rock progressivo, pop rock, MPB, choro, baião com letras bastante poéticas e evangelísticas. O disco “Luz do Mundo” de 83 é mais folk, porém segue a proposta do primeiro álbum. Outro grande ato histórico feito pelo Rebanhão foi a gravação do primeiro disco evangélico ao vivo no Brasil, Janires e Amigos de 84. Daí Janires decidiu seguir outros rumos e foi evangelizar jovens e levar suas músicas à vários locais do Brasil, mas sem deixar de ter contato com seus amigos do Rebanhão, a qual atuava como conselheiro naquele momento.
Com uma carreira sólida, o Rebanhão foi contratado pela gigante PolyGram em 1985, a qual lançou os LPs Semeador e Novo dia, de 85 e 87, respectivamente. Ali o grupo adotava uma sonoridade bem pop que aumentou a popularidade do grupo e solidifcou ainda mais a carreira da banda.
Em junho de 1989 chegava através da novata Gospel Records o disco Princípio. A obra era a primeira após o grande incidente que levou à morte do pioneiro Janires, e a qualidade de seu repertório e arranjos contribuiu para que este fosse o trabalho mais elogiado do Rebanhão, e provavelmente o mais popular. Além de tudo esse disco possui uma importância histórica, pois foi o primeiro da nossa música a ser lançado em CD e considero, que em termos de produção musical, arranjos e repertório o melhor álbum cristão do Brasil dos anos 80.
O encarte, que traz o desenho de uma cidade e plantas é o primeiro totalmente conceitual da banda e alusivo à primeira canção da obra. A formação, na época não diferia muito da de 1980: Carlinhos Félix (Voz, guitarra e violão), Pedro Braconnot (Voz, teclado), Paulo Marotta (Voz, baixo) e Tutuca Nascimento (Bateria). Todos eles eram integrantes da banda há muito tempo.
A primeira faixa, Princípio é um show de qualidade em todos os aspectos. A letra de Lucas Ribeiro, um dos instrumentistas que trabalhavam com o Rebanhão na época mistura crítica social com assuntos bíblicos: As grandes maravilhas da criação divina e as destruições causadas pelo homem. A união dos metais com o violão dá uma sonoridade gostosa de ouvir, além da interpretação ávida de Felix. Destaco também, o vocal melódico no final da faixa.
Ao contrário da primeira, interpretada por Carlinhos Félix, a segunda é de autoria e interpretação do tecladista Pedro Braconnot. Fronteiras é uma excelente balada que, assim como a primeira faixa une o som leve de instrumentos de sopro com o violão, sem falar na forte presença do baixo. A letra é uma bela poesia, que versa sobre as questões da vida e nosso descanso em Jesus.
Palácios, também de Pedro Braconnot é talvez uma das canções mais notáveis e é a mais regravada do Rebanhão. Isso porque nomes como Carlinhos Felix, Paulinho Makuko e, mais recentemente Fernanda Brum incluíram-a já em seus repertórios. Mais uma vez a banda investiu em um som mais folk, como se destaca o som do violão na introdução. “Não se acende a luz do sol nos 220 volts dos palácios de Brasília, não se acende a luz do sol com a chave de um carro conversível do ano...” No meio da faixa ouve-se um dos primeiros solos de guitarra da obra.
Instrumentalmente a melhor faixa do disco é Muro de Pedra, escrita e interpretada por Paulo Marotta. O som psicodélico do teclado na introdução, a execução do baixo e os riffs da guitarra são excelentes. A letra lembra o Muro de Berlim aliada à ideia do compositor que diz: “A revolução que vai mudar esse mundo começa dentro do coração, jogue suas armas no lixo e estenda a tua mão...”
Numa melodia mais próxima a MPB, numa letra que lembra o estilo “Janires” de compor é ouvido Metrô. Escrita por Braconnot e cantada por Carlinhos Felix retrata um fato que ocorre diariamente em muitos lugares em nosso país: Pessoas bebendo para esquecerem as mágoas. Destaque para o virtuosismo do piano e o som do saxofone.
Chegando ao momento mais lento do disco, vem a sexta canção de Carlinhos e Pedro, Grito de Silêncio. Interpretada com sentimento por Felix, a faixa possui uma introdução um tanto quanto misteriosa, e logo nota-se que é uma balada pop que versa sobre as dificuldades da vida e a solução tendo Jesus como luz nos momentos de escuridão.
Má Sensação, de Carlinhos Felix é outra faixa de andamento mais acelerado do projeto, e em termos instrumentais destaca-se pela forte presença do baixo na introdução e riffs de guitarra. Ainda há um espaço para um pequeno instrumental. A letra destaca a importância da presença de Deus nos maus momentos.
A oitava canção, que ganhou uma versão em videoclipe mantém o foco evangelista do disco. Ele Te Ouve possui uma sonoridade envolvente, principalmente com a bateria.
De Pedro Braconnot, Arsenal traz o mesmo assunto de Muro de Pedra, versando a importância de se destruir os muros e espalhar o amor. O teclado se faz bastante presente, e em alguns momentos a guitarra.
A faixa mais congregacional do álbum, e também uma das de maiores destaques, fechando o disco com chave de ouro é Selo do Perdão, escrita e interpretada pelo cantor Carlinhos Felix, que contém uma forte presença do teclado com sintetizadores, e ao longo da canção, metais. Também recebeu uma versão em videoclipe.
Musicalmente, este é sem dúvida o trabalho que mostra com a maior clareza o amadurecimento musical do Rebanhão. Em relação à Novo Dia, este disco do Rebanhão traz arranjos mais complexos, e destaca-se na sonoridade do baixo e do teclado. A guitarra fica em segundo plano, e em algumas faixas é substituída pelo violão, trazendo um clima mais próximo ao folk. O Rebanhão claramente se torna mais pop rock em Princípio.
É um disco que sem dúvida merece ser ouvido e apreciado pelo público evangélico em geral. Nota-se que, mesmo nessa época o Rebanhão estava muito à frente de seu tempo. Suas canções continuam muito atuais e ainda são sucessos. Pena que um álbum como esse não esteja mais à venda atualmente. De 10, o disco sem dúvida merece nota 10 e é um dos melhores clássicos de um terreno tão incipiente em qualidade como é o nosso gospel nacional.