
Adriana Bernardo (@adrianammbernardo) é jornalista, escritora e idealizadora do grupo feminino cristão “Amigas de Deus”. Professora de Teologia e Aconselhamento. Casada com Bene Bernardo, é mãe de Raphael, Aline e Guilherme, e avó de Raquel, Daniel e Júli

Recentemente, viralizou nas redes sociais um vídeo que mostrava dois policiais – um ajoelhado e outro de mãos erguidas – orando ao som intenso tiroteio em frente a uma escadaria, supostamente localizada em uma comunidade ou favela carioca.
A cena, que transmitia um gesto de fé dos agentes em meio ao caos, sugeria ter acontecido no calor da Operação Contenção, realizada nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro – o que levava ainda mais à comoção.
A megaoperação, que envolveu cerca de 2,5 mil agentes, várias viaturas blindadas e helicópteros, se tornou a mais letal da história do estado, com mais de 120 mortos – incluindo quatro policiais.
Nesse contexto, a cena dos policiais em oração mobilizou milhares de reações, incluindo compartilhamentos e comentários de apoio – até mesmo de perfis influentes e de líderes religiosos, que a interpretaram como um símbolo de fé naquele momento de guerra urbana.
Cheguei a ver perfis internacionais publicando a mesma imagem, considerada parte daquele episódio, que também viralizou no exterior.
SPOILER! A imagem não é da megaoperação: ela foi gerada e publicada dias antes daquela ação.
A narrativa, publicada por um perfil de humor, parecia perfeita para aquele momento: em meio a um intenso tiroteio, lá estavam dois policiais em oração. O fato de haver muitos policiais cristãos tornava a imagem ainda mais crível como sendo daquele episódio. Isso se confirma em uma matéria publicada aqui no Guiame, intitulada “Militares cristãos do Rio clamam por mudanças: ‘Só Deus pode curar o Brasil’”, escrita por uma colega que entrevistou policiais cristãos envolvidos na megaoperação.
Nesse cenário de extremo enfrentamento – que despertou o olhar público e gerou choque, apreensão e indignação – a imagem parecia oferecer algo diferente no caos: um gesto de rendição a Deus, uma pausa no confronto, uma expressão de fé em meio à guerra do narcotráfico.
O dono do perfil que publicou o vídeo semanas antes e o viu repostado durante a megaoperação declarou: "Eu só quis mostrar que, mesmo no meio da correria, ainda tem espaço pra fé. O resto foi Deus que fez acontecer."
Mimetização da realidade
O vídeo, comovente, mas desconectado da realidade da megaoperação, passou despercebido pela maioria das pessoas, que não verificou se correspondia àquele evento antes de compartilhar, deixando-se levar apenas pela emoção – e até pela fé.
Recentemente, vimos imagens criadas com IA que também provocaram reações nas redes sociais, como a suposta conversão de Messi, que viralizou – mostrando que o fenômeno não é isolado. Estamos sendo desafiados a distinguir entre o visível e o autêntico, entre o imaginado e o registrado, entre o antigo e o atual, entre a mentira e a verdade.
Este episódio evidencia algo mais profundo: estamos numa era em que a realidade e a construção tecnológica se misturam de forma quase indistinta.
Em conversa com colegas jornalistas, levantamos o desafio que esse tipo de construção impõe e refletimos sobre como nosso ofício – cuja responsabilidade inclui apurar a veracidade e a atualidade das informações – se torna ainda mais complexo nesta nova era da inteligência artificial.
Estamos testemunhando uma imagem circulando como se fosse um registro de um momento atual, transmitindo ao público um gesto que nunca existiu fisicamente naquele ambiente e momento, mas que pareceu existir.
O alerta tecnológico e o discernimento digital
Esses episódios – e tantos outros na mesma linha – nos convocam a refletir: estamos vivendo uma era em que a “tecnologia da imagem” pode mimetizar a realidade de forma convincente.
Conversando com pessoas que trabalham e estão envolvidas com IA sobre a crescente presença dessa tecnologia realista – como no caso da conversão do Messi – em nosso cotidiano de comunicação – especialmente nas redes sociais – ouvi que esse cenário traz três implicações principais:
A distinção entre “fotografia que retrata o mundo” e “imagem que cria um mundo” está cada vez mais sutil.
Gestos, cenas e narrativas sequer precisam existir para serem adotados como reais – basta que “pareçam” críveis e influentes.
A fé (ou a reação emocional), por si só, não assegura autenticidade. Apoiar ou compartilhar uma imagem emotiva é legítimo, mas torna-se problemático quando isso reforça ilusões ou narrativas artificialmente construídas.
Em outras palavras: não se trata de desconfiar de todas as imagens nem de amordaçar a esperança – seja por autoridades em oração ou por celebridades se convertendo –, mas sim de cultivar discernimento digital.
Algumas dicas que recebi desses especialistas e que compartilho aqui:
Pergunte: isso realmente existiu? É de agora? Qual é a fonte? Há verificação confiável? Qual é a intenção por trás da informação?
No contexto da nossa fé cristã, por exemplo, isso se alinha ao chamado bíblico para “provar tudo, reter o que é bom” (1 Tessalonicenses 5:21), o que pode ser aplicado também à era digital: examine, questione, confirme.
Fora toda essa questão de enganos aos quais nossa geração está sendo submetida de forma contundente, o que me chamou a atenção na imagem dos policiais orando foi a forte reação das pessoas à fé, à oração, à esperança e até à humildade de supostos agentes diante de Deus, onde a submissão ao sobrenatural como proteção parecia ser mais importante que as armas.
Isso foi muito positivo, na minha percepção, pois me deparei com centenas de comentários que expressavam a crença no poder da fé e da oração.
Adriana Bernardo (@adrianammbernardo) é jornalista, escritora e idealizadora do grupo feminino cristão “Amigas de Deus”. Professora de Teologia e Aconselhamento. Casada com Bene Bernardo, é mãe de Raphael, Aline e Guilherme, e avó de Raquel, Daniel e Júlia.
* O conteúdo do texto acima é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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