O Cilindro — e a revolução — de Ciro

Ciro anunciou que todos os escravos estavam livres e que todas as pessoas tinham a liberdade de escolher a própria religião.

Fonte: Guiame, Alisson MagalhãesAtualizado: quinta-feira, 24 de agosto de 2023 às 17:35
(Foto: Unsplash/Dev Benjamin)
(Foto: Unsplash/Dev Benjamin)

Nos primórdios da sociedade, quando o homem começou a formar tribos, líderes naturais foram surgindo e assumindo papéis frente aos seus grupos. Tempos depois, surgiram os líderes eleitos e, na sequência, o Estado, com um grupo de líderes que comandava a tribo. Lá, no início de tudo, não havia direitos humanos. Vigorava a lei do mais forte — ou do mais esperto. Se você estivesse do lado dos mais fortes, estava seguro. Caso contrário, poderia perder a cabeça. Literalmente.

Durante milhares de anos o Estado exerceu domínio quase absoluto sobre seus súditos, suprimindo direitos e determinando obrigações. Surge, então, na história, cerca de 500 anos antes de Cristo, Ciro II, rei da pérsia, que após sua conquista e ascensão ao trono da Babilônia, fez algo impensável e revolucionário para seus dias. Ciro publicou um decreto, gravado num cilindro de argila, anunciando que todos os escravos estavam livres e que todas as pessoas tinham a liberdade de escolher a própria religião. Diversos pesquisadores atribuem, a este fato, o nascimento dos direitos humanos.

O fato é que a ideia de Ciro se espalhou e, séculos depois, em 1215, o rei João Sem Terra, da Inglaterra, pressionado pelos súditos, assinou a 'Carta Magna', que pela primeira vez, na história do Ocidente, limitava os poderes do rei, pelas leis dos homens. No século XVIII a movimentação continua em a partir dos trabalhos de Jean-Jacques Rousseau, na Europa, e Tom Paine, nos Estados Unidos, se lançam as sementes da ideia moderna de que existem direitos que são tão importantes que não devem ficar sujeitos às vontades de governantes e aos humores inconstantes do Estado.

Na declaração da Independência dos Estados Unidos, em 1776, alguns desses direitos foram identificados pela primeira vez. Treze anos depois, em 1789, temos a revolução francesa, sob os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, eclodindo a revolta do povo contra o Estado absolutista, representado pela realeza e seus nobres. O resultado é o banho de sangue que resultou em milhares de mortes, que impulsionou a discussão sobre direitos humanos no mundo inteiro. 

Décadas se passam e, duas guerras mundiais depois, junto à extinção de metade dos judeus, pelos Nazistas, os direitos humanos nunca estiveram tão próximos da extinção, e o mundo se desesperou por mudanças. Surgem as Nações Unidas. Finalmente as nações concordavam com um conjunto de direitos universais e criaram a declaração universal dos direitos humanos.

Mas o que são esses direitos humanos? Foram as proclamações de Ciro? As leis naturais de Roma? Os ideais da França? E por qual motivo, anos depois, eles ainda não foram universalizados? Se as pessoas têm direito a comida e abrigo, por que milhares de crianças estão morrendo de fome todos os dias? Se as pessoas têm liberdade de expressão, por que milhares estão na prisão por falarem o que pensam? Se as pessoas têm direito à educação, por que mais de um bilhão de adultos continuam incapazes de ler?

O fato é que, por mais que se fale, direitos humanos parecem ser apenas um amontoado de palavra bonitas em papéis chiques. A questão central é: quem teria coragem de transformar as palavras em realidade? É ainda existem, nessa seara, grupos que surgem tentando usar a bandeira dos direitos humanos para tentar acabar com direitos.

Os casos mais próximos são o da Venezuela e da Nicarágua, onde a democracia é usada para solapar a democracia. No Brasil temos gente usando o mesmo discurso. Por exemplo, de que o Estado deve controlar a imprensa para poder dar liberdade de imprensa. Ginásticas verbais malucas tentam dar legitimidade a intenções claras de controle, controle e mais controle do Estado sobre os indivíduos.

Não se deve considerar sistema A ou B. A realidade das nações que citei mostram que democracia também não é garantia de direitos humanos, afinal, uma democracia onde a tirania da maioria não respeita minorias é só um pouco melhor do que uma ditadura. Quando direitos de minorias são sacrificados no altar do Estado é preciso proteger a democracia de si mesma, pois totalitarismo também pode infectar movimentos democráticos.

Se o socialismo é terreno fértil para o autoritarismo, especialmente o da variedade marxista, também alguns aspectos do liberalismo e do republicanismo podem cair na tentação, vide as ações recentes de uma certa corte nacional.

Precisamos refletir sobre isso. Eleanor Roosevelt perguntou, certo dia: onde, afinal, os direitos humanos universais começam? Em lugares pequenos perto de casa, tão perto e tão pequenos que não podem ser vistos em nenhum mapa-múndi. No entanto, eles são o mundo do indivíduo no bairro em que ele vive, na escola ou faculdade que frequenta, na fábrica, fazenda ou escritório onde ele trabalha.

Esses são os lugares onde cada homem, mulher e criança buscam justiça, igualdade de oportunidades e dignidade sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado lá, eles têm pouco significado em qualquer lugar. E a menos que você lute por esses direitos nestes lugares, falar em direitos humanos só torna você mais um hipócrita a serviço das narrativas de algum dos grupos que tentam solapar tais direitos.

Pare de amar a humanidade e lutar pelos direitos humanos e comece a amar seu vizinho e lutar pelo direito dele. É aí que os direitos vão começar a ser, de fato, mais humanos.

Alisson Magalhães é Ministro Ordenado na Igreja do Nazareno, formado em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, professor de Teologia em cadeiras teológicas, pastorais e na área de música e adoração. Autor do livro Cristianismo 4.0 – Desafios para a comunicação cristã no século XXI, à venda pela Book Up Publicações. Consultor em Comunicação Governamental e Marketing Político, atualmente serve com sua esposa, Elaine, na Serra Catarinense, onde também atua como jornalista e Chefe de Gabinete na prefeitura de Palmeira/SC.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: As lições de uma velha cidade: utilizando as dificuldades e o conhecimento a nosso favor

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