Alisson Magalhães

Alisson Magalhães

Ordenado na Igreja do Nazareno, formado em Teologia pela Faculdade Nazarena do Brasil, professor de Teologia em cadeiras teológicas, pastorais e na área de música e adoração.

O veneno que mata o bom senso

A PEC da Blindagem deixa uma lição dura, mas necessária: quando o veneno é servido como remédio, o paciente não melhora — só agrava o quadro.

Fonte: Guiame, Alisson MagalhãesAtualizado: quarta-feira, 24 de setembro de 2025 às 18:18
(Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)
(Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

A chamada “PEC da Blindagem” nasceu com a promessa de limitar os abusos do Supremo Tribunal Federal, especialmente o ativismo cada vez mais explícito do ministro Alexandre de Moraes. No papel, parecia um antídoto contra a hipertrofia da Corte. Na prática, virou um veneno contra a própria credibilidade da política e, principalmente, da direita.

O que se pretendia como remédio para conter os excessos do STF foi percebido pela opinião pública como mais uma dose tóxica de privilégios parlamentares. E aqui está a ironia: a diferença entre remédio e veneno sempre está na dose. O Congresso até poderia – e deveria – ter proposto limites legítimos ao Supremo, mas a fórmula escolhida foi exagerada e o efeito colateral foi devastador.

Em vez de abrir o debate sobre os riscos do ativismo judicial, a PEC serviu de presente narrativo ao Planalto. O governo e sua base ganharam a oportunidade de pintar a direita como defensora da impunidade. Só não conseguiram isso porque parlamentares de esquerda votaram a favor do projeto, irritando o presidente Lula, que, com isso, perdeu a chance de se apropriar de mais uma pauta.

A comunicação foi tão mal calibrada que transformou uma iniciativa, que poderia ecoar como “defesa das instituições”, em mais uma tentativa de autoproteção da classe política. E, como em todo envenenamento, o antídoto se transformou em sintoma: a reação contra os abusos de Moraes reforçou ainda mais a desconfiança contra o Parlamento.

Esse desastre não é só técnico, é cultural. Ele nasce da polarização, que funciona como veneno de ação lenta: a cada dose de “nós contra eles”, o organismo político perde um pouco mais de lucidez. Parlamentares erraram porque não legislaram para a sociedade, mas para suas bolhas. Esqueceram que, em democracia, a percepção pública pesa tanto quanto o texto da lei. E quando a comunicação falha, até a melhor intenção soa como autoproteção.

Se o objetivo era recuperar protagonismo frente ao STF, o resultado foi o oposto. Se não se pode argumentar que a corte saiu fortalecida, certamente o Congresso saiu enfraquecido. E a narrativa governista ganharia combustível para, mais uma vez, apresentar Lula e o Planalto como guardiões da moralidade contra um Legislativo que só pensa em se blindar. Lula só esqueceu de combinar com a própria base. No fim, a vitória foi do desastre perpetrado por uma comunicação sem estratégia, de todos os lados.

O mais grave, no entanto, é o que fica nas entrelinhas desse episódio: a incapacidade da classe política de compreender como funciona a opinião pública no século XXI. Não se trata apenas de aprovar ou rejeitar projetos. Trata-se de como cada movimento é percebido em meio a uma sociedade saturada pela polarização e moldada por narrativas instantâneas.

Os deputados que abraçaram a PEC pareciam não entender que, no Brasil de hoje, não basta acertar na intenção. É preciso comunicar o porquê, o como e o para quem. E quando esse cuidado não existe, o vácuo é ocupado pela narrativa do adversário. Resultado: a proposta que nasceu como reação ao STF virou manchete como privilégio político.

No fim das contas, essa é a grande lição da PEC da Blindagem: a polarização cega. Cega para a percepção pública, para o simbolismo dos gestos e para o impacto das doses mal administradas. Quando a política enxerga tudo apenas na chave do “nós contra eles”, esquece que as decisões têm peso sobre todos, e não apenas sobre a própria bolha. É aí que o remédio vira veneno.

O saldo é amargo. O STF continua sem limites claros para conter seu ativismo. O Congresso sai mais desmoralizado do que entrou. E a sociedade, mais uma vez, paga a conta da intoxicação institucional.

No fim, a PEC da Blindagem deixa uma lição dura, mas necessária: quando o veneno é servido como remédio, o paciente não melhora — só agrava o quadro. E enquanto a política insiste em medicar suas bolhas com overdoses de polarização, a sociedade inteira segue adoecendo.

No Brasil, a diferença entre remédio e veneno não está no princípio ativo. Está na dose de bom senso — e essa, convenhamos, anda em falta.

Como cristãos, devemos estar atentos a todos os movimentos — inclusive os políticos — pois eles impactam diretamente nossa vida e nosso discernimento. Como ensina Provérbios 4:7: “A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria, sim, com tudo o que possuis, adquire o entendimento.”

 

Alisson Magalhães (@pralissonmagalhaes) é Ministro Ordenado na Igreja do Nazareno, formado em Teologia pela FNB/Unicamp, professor de Teologia em cadeiras teológicas, pastorais e na área de música e adoração. Autor do livro Cristianismo 4.0 – Desafios para a comunicação cristã no século XXI, é publicitário, jornalista, Consultor e Especialista em Comunicação Pública, Marketing Político e Eleitoral. Atualmente serve com sua esposa, Elaine, na Serra Catarinense, onde também atua como Chefe de Gabinete no município de Palmeira/SC.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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