O que é o grito da alma? Pode-se dizer que é a expressão das necessidades mais profundas da vida humana. Compõe a essência da pessoa humana que clama por existência. Numa vivência de muitos boicotes da expressão da essência de uma pessoa, a saúde mental poderá ficar seriamente comprometida. Isso pode acontecer em qualquer contexto, como por exemplo, no ambiente social, conjugal, familiar, laboral e eclesiástico.
Quando a alma fala e não é escutada, ela pode gritar, e cada vez mais alto, por meio de adoecimentos diversos no corpo, na relação, na psiquê e mesmo no espírito. O que leva à uma necessidade inevitável: o grito da alma precisa ser escutado. Mas, como escutar esse grito? Ele pode ser escutado de várias formas. Aqui, nesse texto, serão abordadas duas vias indispensáveis: o silêncio e a fala.
No silêncio a alma cria uma linguagem própria, que revela as necessidades mais profundas, mesmo aquelas que foram amassadas e empurradas para uma não existência. Essa via de escuta da alma nem sempre é confortável, pois além de revelar uma linguagem libertadora, pode também revelar uma linguagem assustadora. Ela é assustadora quando revela nossos monstros internos, como também o nosso potencial destrutivo, que nos mantém reféns de construções passadas, e que se manifestam impositivas e atualizadas no presente. A linguagem pelo silêncio pode ser libertadora quando revela a nossa imagem e semelhança com o divino, como também o nosso potencial construtivo para ressignificar e reestruturar as construções anteriores, bem como para favorecer novas possibilidades na vida presente.
No silêncio, ainda podemos aprimorar nossa escuta para ouvir a fala divina, que se inclina ao nosso interior com compaixão, misericórdia e graça. A fala divina não se pode fabricar pela razão, nem pela imaginação de quem é Deus e de como ele deveria se manifestar, mas é uma fala livre e espontânea para se mostrar como o Eterno quiser. Enquanto falamos podemos inviabilizar essa escuta sensível do divino. É preciso calar para escutar. Calar as palavras e os pensamentos. Assim, a meditação numa dimensão espiritual nos conecta à essa escuta.
No entanto, silenciar pode ser difícil para nós humanos, apressados e agitados pela infinidade de estímulos provindos do mundo externo. Facilmente, ao silenciarmos, antes de escutar a fala divina que nos conecta à uma linguagem libertadora, escutamos uma linguagem assustadora, que nos coloca em contato com o nosso lado pior, aquele que não consegue sair das superficialidades e nem dos autoflagelos existenciais. Silenciar mais um pouco será preciso, para ultrapassar a escuta da linguagem assustadora e alcançar a profundidade de uma escuta de algo mais promissor, que nos acorde para melhores condições existenciais, tanto para a vida terrena como a eterna.
Portanto, o grito da alma para ser escutado, precisa do silêncio. Mas, além dessa escuta é preciso que seja escutado pela fala. Uma fala que se expresse pelo manifesto do percebido nas entranhas da alma. Muitas questões angustiantes podem se apresentar: Onde está o potencial construtivo? Porque a imagem e semelhança de Deus se mostra bloqueada na expressão da vida? Onde foi que se perdeu o sentido da vida? Onde foi parar o desejo de viver? Será que ainda existe alguém que se importe e me escute?
Essas podem ser perguntas aflitivas provindas do grito da alma. E elas precisam ser escutadas.
Quando o grito da alma não é escutado, pode não haver reconhecimento do sofrimento, as posturas e escolhas podem ficar reféns de padrões impostos, a essência (potencial) na relação humana pode ficar bloqueada, subjugada e boicotada, e a vida pode perder o sentido. Mesmo que se tenha uma fé consistente e arraigada no Eterno, a interação humana pode favorecer a saúde mental ou não. Somos seres em relação! Nas relações podemos nos encontrar ou perder.
Seja na família, casamento, amizade, trabalho ou ministério: os gritos da alma precisam ser escutados e acolhidos para que as necessidades básicas (físicas, emocionais, relacionais, espirituais) sejam favorecidas. Somente assim, o sofrimento pode ser reconhecido para ser ressignificado e reconfigurado na continuidade do que se faz, as posturas e escolhas podem ser revisadas e reestruturadas para serem desconstruídas as repetições do que insiste em fazer sofrer, e a essência (potencial) de cada ser na relação humana pode encontrar um lugar de existência.
Portanto, a saúde mental é facilitada na escuta do grito da alma, tanto pela meditação no silêncio, onde é aprimorada uma escuta da interioridade em suas necessidades e potenciais, como também pela fala e escuta interativa com o divino e os semelhantes. A saúde mental é beneficiada no aprendizado de se ver a si e ao outro com amor e respeito, de se dialogar com assertividade e empatia, de se reconhecer a humanidade, tanto na relação humana como na divina.
Dessa forma, a saúde mental não se mapeia apenas pela responsabilidade do indivíduo, numa clausura de superação individualista, como se as situações, as contingências e as relações não precisassem ser levadas em conta. Ao contrário, a saúde mental se estabelece na relação divina e humana. O contexto sociocultural-relacional, onde uma pessoa vive, precisa ser considerado. Isso significa que o grito da alma não diz respeito ao indivíduo apenas, mas a todos, pois somos responsáveis por construir contextos vivenciais mais humanos e justos, onde o cuidado de uns aos outros seja marcado pelo amor, igualdade, justiça, solidariedade e compaixão.
Portanto, escutar o grito da alma se faz na escuta silenciosa e também na partilha, tanto com o Eterno, como com o semelhante, que saiba escutar com empatia. É o “eu” encontrando um espaço de escuta e fala, junto a outros “eus”. Tanto junto ao Grande outro, que é o divino “Eu sou”, como os outros semelhantes humanos, que feitos da mesma matéria, se mostrem acolhedores e facilitadores na integração dos sentidos da vida.
A escuta do grito da alma pode devolver a vontade de viver.
Setembro amarelo: mês de prevenção ao suicídio. Uma campanha pela vida!
Por Clarice Ebert, Psicóloga (CRP0814038), Terapeuta Familiar, Mestre em Teologia, Professora, Palestrante, Escritora. Sócia do Instituto Phileo de Psicologia, onde atua como profissional da psicologia em atendimentos presenciais e online (individual, de casal e de família). Coordenadora e palestrante, em parceria com seu marido, do Ministério Vida Melhor (um ministério de cursos e palestras). Membro e docente de EIRENE do Brasil.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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