Daniel Ramos

Daniel Ramos

Daniel Ramos é professor de teologia deste 2013 pela EBPS (Assembleia de Deus em Belo Horizonte). Graduado em Teologia pela PUC Minas (2013), pós-graduação em Gestão de Pessoas pela PUC Minas (2015), especialista em Docência em Letras e

Não existe teologia fora do cristianismo. Uma dissertação crítica

Teologia é o estudo sobre Deus, e fora da Igreja os ídolos são nada.

Fonte: Guiame, Daniel RamosAtualizado: quinta-feira, 31 de julho de 2025 às 19:01
(Foto: Unsplash/Marjhon Obsima)
(Foto: Unsplash/Marjhon Obsima)

A afirmação de que "não existe teologia fora do cristianismo" é um postulado que, à primeira vista, pode parecer restritivo e até mesmo etnocêntrico. No entanto, uma análise mais aprofundada da natureza e do desenvolvimento da teologia revela que, em seu sentido mais rigoroso e sistemático, ela está intrinsecamente ligada à tradição cristã. Embora outras religiões e sistemas de crença possuam suas próprias formas de reflexão sobre o divino, o sagrado e o propósito da existência, a disciplina formal da teologia, com suas metodologias, conceitos e arcabouço histórico, emergiu e se desenvolveu de maneira única no contexto do pensamento cristão.

Para compreender essa perspectiva, é crucial definir o que se entende por teologia. A etimologia da palavra, do grego theos (Deus) e logos (estudo, discurso, razão), sugere um estudo racional e sistemático sobre Deus. No contexto cristão, isso se traduz em uma disciplina que busca compreender e articular a natureza de Deus, Sua revelação na história (especialmente em Jesus Cristo), a relação entre Deus e a criação, a salvação, a ética e a escatologia, tudo isso fundamentado nas Escrituras Sagradas, na tradição da Igreja e na razão. A teologia cristã não é meramente um conjunto de crenças ou práticas devocionais, mas uma investigação intelectual rigorosa que se preocupa com a coerência interna, a fundamentação histórica e a relevância contemporânea de sua fé.

Outras grandes religiões do mundo, como o islamismo, o budismo, o hinduísmo e o judaísmo, certamente possuem ricas tradições intelectuais e espirituais. O Islã, por exemplo, desenvolveu o Kalām, uma forma de teologia especulativa que aborda questões como a natureza de Deus, o livre-arbítrio e o destino. O judaísmo tem uma vasta tradição de exegese bíblica, filosofia religiosa e lei rabínica, que se assemelham a alguns aspectos da teologia. No hinduísmo, os Darshanas (escolas filosóficas) e os textos como os Upanishads exploram profundamente a natureza da realidade, do eu e do divino. O budismo, por sua vez, embora não se concentre em um deus criador no sentido teísta, possui uma sofisticada

filosofia da mente e da existência que se equipara em profundidade a muitas reflexões teológicas.

No entanto, a distinção fundamental reside na estrutura sistemática e na metodologia desenvolvida na tradição cristã. Desde os Padres da Igreja, passando pela escolástica medieval com figuras como Tomás de Aquino, pela Reforma Protestante e até a teologia contemporânea, o cristianismo tem se empenhado em construir um corpo de conhecimento teológico abrangente e interconectado. Isso envolve a formulação de doutrinas (como a Trindade, a cristologia, a eclesiologia), o uso da razão filosófica para elucidar mistérios da fé, o desenvolvimento de métodos hermenêuticos para interpretar as Escrituras e a constante busca por uma compreensão mais profunda da revelação divina. A teologia cristã tem sido uma disciplina acadêmica nas universidades por séculos, com seus próprios departamentos, programas de estudo e publicações especializadas, algo que não encontra um paralelo exato e universal em outras tradições religiosas.

Apesar de haver reflexões "sobre o divino" em outras religiões, a ausência de um foco em uma divindade pessoal e revelada, ou a prioridade de uma experiência mística sobre a articulação doutrinária, pode levar a formas de pensamento que, embora profundas, não se encaixam na definição estrita de "teologia" como desenvolvida no Ocidente cristão. Por exemplo, o budismo foca na experiência do nirvana e na superação do sofrimento através do caminho óctuplo, com menos ênfase na natureza de um ser supremo. O hinduísmo, com sua vasta panteão de deuses e diversas escolas de pensamento, não possui uma doutrina unificada de Deus no sentido monoteísta-cristão.

Em conclusão, enquanto todas as grandes religiões possuem suas formas de reflexão religiosa, filosofia da religião ou estudo do sagrado, a teologia em seu sentido mais completo, como uma disciplina acadêmica e sistemática que busca compreender a Deus e Sua relação com o mundo a partir de uma revelação específica, é um fenômeno que floresceu e se consolidou predominantemente dentro do cristianismo. Essa não é uma afirmação de superioridade, mas uma observação da peculiaridade histórica e epistemológica da teologia cristã. Afirmar que "não existe teologia fora do cristianismo" não significa negar a riqueza intelectual e espiritual de outras tradições, mas reconhecer a singularidade da jornada do pensamento cristão na construção de uma ciência de Deus.

 

Daniel Santos Ramos (@profdanielramos) é professor, possui Licenciatura em Letras Português-Inglês (UNICV, 2024) e bacharelado em Teologia (PUC MINAS, 2013). Pós-graduado em Docência em Letras e Práticas Pedagógicas (FACULESTE, 2023). Mestre em Teologia (FAJE, 2015). Atualmente é colunista do Portal Guia-me, professor de Língua Portuguesa no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio e de Língua Inglesa no Ensino Fundamental (ll) da SEE-MG, professor de Teologia no IETEB e professor de Português Instrumental do IE São Camilo. Escreveu dois livros, "Curso de Teologia: Vida com Propósito" (AMOB, 2023) e "Novo Curso de Teologia: Vida com Propósito (IETEB, 2025). Além de possuir mais de 20 anos de experiência na ministração da Palavra. É membro da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (desde sempre), congrega no Templo Central.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Quando a fé se politiza: Os riscos da igreja-comunista

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