Daniel Ramos é professor de teologia deste 2013 pela EBPS (Assembleia de Deus em Belo Horizonte). Graduado em Teologia pela PUC Minas (2013), pós-graduação em Gestão de Pessoas pela PUC Minas (2015), especialista em Docência em Letras e
A imagem da Babilônia, presente nas narrativas bíblicas, transcende sua referência histórica a um antigo império. Ela se ergue como um arquétipo poderoso, um símbolo de confusão, arrogância, idolatria e oposição sistemática aos desígnios de Deus. Ao transportar essa metáfora para o contexto eclesial, surge uma pergunta perturbadora e necessária: quando a instituição chamada para ser "coluna e baluarte da verdade" (1 Timóteo 3:15) pode se assemelhar ao próprio sistema que deveria confrontar?
A essência da Igreja, conforme fundada por Cristo, reside em sua missão de ser sal da terra e luz do mundo (Mateus 5:13-16). Sua identidade é construída sobre os alicerces da fé, do amor ágape, da humildade, do serviço e da proclamação fiel do Evangelho. É uma comunidade de pecadores redimidos, em processo de santificação, mas orientada pelo Espírito Santo. Babilônia, em contraste, representa o oposto: é a humanidade organizada em autossuficiência, rebelde a Deus, centralizadora de poder e corrompida em suas estruturas.
O primeiro sinal de que uma igreja pode estar trilhando o caminho de Babilônia é a confusão de identidade e propósito. Assim como a Torre de Babel foi construída para "fazer um nome" para os homens (Gênesis 11:4), uma igreja que abandona sua missão evangelística e diaconal para buscar notoriedade, crescimento numérico a qualquer custo ou influência política secular, está substituindo a glória de Deus pela glória própria. O foco desloca-se de "fazei discípulos" para "edificai o nosso império".
Paralelamente, surge a idolatria sutil. Babilônia não é apenas estátuas de ouro; é a substituição do Deus vivo por ídolos modernos. O pastor ou líder carismático que centraliza toda a autoridade e adulação, tornando-se o "homem forte" inquestionável, pode se tornar um ídolo. Os programas, os edifícios suntuosos, a marca da denominação e a busca desenfreada por prosperidade material podem tornar-se fins em si mesmos, usurpando o lugar de Deus como objeto de devoção e confiança. A liturgia vazia, repetitiva e desconectada de um coração sincero ecoa o ritualismo vazio que os profetas do Antigo Testamento denunciavam.
Outro pilar babilônico é o controle e a manipulação. A Igreja de Cristo é caracterizada pela liberdade do Espírito (2 Coríntios 3:17), onde há espaço para dons, questionamentos saudáveis e crescimento individual. Uma estrutura eclesial babilônica, however, opera por controle, dogmatismo excessivo em questões periféricas, medo e manipulação emocional. A obediência cega aos líderes é colocada acima da consciência individual e do sacerdócio de cada crente, criando uma cultura de dependência e subserviência que nega a liberdade conquistada por Cristo.
Por fim, a aliança espúria com o mundo solidifica a transição. A Igreja é chamada a estar no mundo, mas não ser do mundo (João 17:14-16). Babilônia, por sua vez, é o mundo system. Quando a igreja abraça valores secularizados em detrimento da verdade bíblica, quando busca poder político e influência cultural através de concessões éticas e teológicas, ela se amalgama ao sistema. A voz profética que deveria confrontar as injustiças e a imoralidade se cala em troca de relevância e acesso aos corredores do poder. Ela se torna, nas palavras de alguns teólogos, "a capelã do império", abençoando rather than challenging as estruturas opressoras e pecaminosas.
É crucial enfatizar que esta reflexão não é um chamado ao cinismo ou à deserção da comunidade de fé. Pelo contrário, é um alerta profético para um exame de consciência constante. A linha entre a Igreja de Cristo e o espírito de Babilônia é tênue e pode ser cruzada não apenas por apostasia declarada, mas por um desvio gradual e quase imperceptível do primeiro amor (Apocalipse 2:4).
Reconhecer esses sinais é o primeiro passo para o arrependimento e a reforma. A antídoto para Babilônia não é a fuga para o deserto, mas um retorno radical aos fundamentos do Evangelho: a centralidade de Cristo, a autoridade das Escrituras, a simplicidade da adoração, a primazia do amor e a coragem de ser uma comunidade contrastante, mesmo que seja uma voz clamando no deserto do mundo. A verdadeira Igreja, mesmo imperfeita, sempre carregará a marca do Cordeiro, enquanto Babilônia carrega a marca do poder, do orgulho e da confusão. Cabe a cada comunidade de fé escolher qual marca deseja carregar.
Que o Senhor nos ajude!
Daniel Santos Ramos (@profdanielramos) é professor, possui Licenciatura em Letras Português-Inglês (UNICV, 2024) e bacharelado em Teologia (PUC MINAS, 2013). Pós-graduado em Docência em Letras e Práticas Pedagógicas (FACULESTE, 2023). Mestre em Teologia (FAJE, 2015). Atualmente é colunista do Portal Guia-me, professor de Língua Portuguesa no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio e de Língua Inglesa no Ensino Fundamental (ll) da SEE-MG, professor de Teologia no IETEB e professor de Português Instrumental do IE São Camilo. Escreveu dois livros, "Curso de Teologia: Vida com Propósito" (AMOB, 2023) e "Novo Curso de Teologia: Vida com Propósito (IETEB, 2025). Além de possuir mais de 20 anos de experiência na ministração da Palavra. É membro da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (desde sempre), congrega no Templo Central.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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