A endo-mística do reino de Deus

A endo-mística do reino de Deus

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 03:24

''Deus me é mais íntimo que meu íntimo, mais íntimo que eu a mim mesmo''. [Santo Agostinho, Confissões III, 6, 11]

A noção de que Deus e o seu amor se fazem presentes no meio de nós na medida em que amamos e servimos aos pobres e excluídos (cf 1Jo 4,12) é [...] o que Hugo Assmann chamou de ''endo-mística'': ''Deus em nós''.

A presença do Amor de Deus em nós acontece no amor solidário ao próximo. Não há uma relação de causalidade entre o que vem primeiro e o que vem depois. Nas palavras de Assmann, ''Deus solidário é o Deus em todos e de todos''. A presença de Deus se faz presente em nós quando nós nos abrimos ao próximo no amor solidário, e nós somos capazes disso porque o amor de Deus opera em nós. É um ''acontecimento'' onde os ''dois amores'' ocorrem simultaneamente, que só acontece na medida em que o amor solidário pelo próximo e o amor de Deus se fazem presentes ao mesmo tempo.

Antes do amor solidário, Deus em nós está presente em nós como ausência. Para ter uma ideia do que seja a presença na forma de ausência, podemos tomar como exemplo a saudade. Nós não sentimos saudade de uma pessoa que está presente, e nem de uma pessoa de quem não sentimos a falta. Saudade nos mostra que sentimos a falta, a ausência da pessoa querida. A ausência dela está presente em nós, ou ela está presente conosco como ausência. De modo análogo, Deus está lá, mas como ausente, porque o seu amor em nós não é realizado. Como diz a primeira carta de João, ''se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é realizado'' (1João 4,12). Assim como pessoas que estão fisicamente próximas de nós só entram nas nossas vidas na medida em que nos abrimos a elas, podemos fazer analogia e dizer que Deus está no mais íntimo do nosso ser, mas se torna ''Deus em nós'' na medida em que nos abrimos para as angústias e alegrias das outras pessoas.

É claro que, na vida concreta, há momentos em que precisamos e devemos buscar esse ''Deus em nós'' na solidão e no silêncio. Mesmo nesses momentos, há uma diferença entre ir ''para dentro de si'' de modo solitário, sem carregar consigo os sofrimentos e angústias de outras pessoas, e a busca de ''Deus em nós'' no mais íntimo do nosso ser levando conosco ''os rostos, olhos e sorrisos...'' da nossa gente. São buscas e encontros diferentes!

Nesse sentido, o termo ''nós'' do ''Deus em nós'' não significa aqui o coletivo de indivíduos, cada um tendo seu Deus dentro de si, mas sim a relação comunitária entre sujeito-sujeito. Relação essa que se vive ao se fazer próximo do necessitado, e juntos na luta pela libertação sempre provisória e relativa, nos alegrarmos com o viver (a celebração do Deus da Vida). Assim, construindo uma sociedade mais humana e justa, sinal antecipatório do Reino de Deus, fazemos acontecer a presença do Deus em nós, o reinado de Deus que já está no meio de nós.

Ed René Kivitz   é mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, escritor, conferencista e pastor da Igreja Batista de Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo, tendo obras e pastorais publicados neste site:   www.ibab.com.br   .  

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