Lembro vividamente das vezes que minha mãe pedia para eu ir comprar carne moída. Atentamente acompanhava cada movimento do açougueiro colocando cubos de carne de um lado da máquina de moer e recolhendo os mesmos moídos do outro lado. Olhando o quadro atual a comparação foi automática: vivemos num mundo que é uma máquina de moer carne. E mói com uma eficiência impressionante, sem dó ou apelação.
De um lado da máquina entra o sonho adolescente. O sonho da carreira, da turma, do carro, da paixão, da viagem, da roupa, do corpo, da popularidade, da aceitação. Não demora muito e estes sonhos vão sendo triturados pelas maldades, malandragens e falsidades de parte da própria turma. No caminho surgem as facilidades que aos poucos vão se tornando dificuldades, drogas, álcool e práticas sexuais em total descompasso com o sexo abençoado e orientado por Deus. Nas madrugadas e através dos bate-papos com amigos as engrenagens vão fixando a ideia que tudo isso é liberdade. O fato é que do outro lado da máquina não para de sair adolescente moído e vazio de qualquer sonho.
De um lado da máquina entram casais preocupados com listas, fotos, filmagens, festas, vestidos, flores, cerimônias, enfim, cada detalhe para o dia do sim. Mas não se preocupam com a realidade que marca o real início do casamento, que só acontece a partir do dia marcado no convite. A realidade que aponta para a vida real, o lugar onde aquele amor prometido no altar deverá atuar. Ou seja, aquela delicada geografia por onde duas vidas precisarão descobrir dia a dia o que significa ser um. Aquela geografia onde duas famílias necessitam viver harmoniosamente, a família dela e a dele com todas as manias, tradições, preferências e costumes. E tudo isso necessitando interagir, crescer, aprender, respeitar, perdoar, renunciar e comungar. Itens que só funcionam e acontecem com amor sacrificial, verdadeiro e doador. Se faltar, dançou. E assim o que foi unido para ser uma só carne vai aos poucos transformando-se em carne moída.
De um lado da máquina entra uma mão erguida e aos prantos de tanta emoção por se render a Cristo. Não demora muito e as engrenagens trituradoras de fé, dons e talentos começam a funcionar. E tudo que se imaginava não haver no corpo de Cristo vai aparecendo: jogos políticos, disputas, calúnias, armações diabólicas, denúncias anônimas do inferno, invejas, tiranias, manipulações de ingênuas emoções, projeções artificiais, deslumbres posicionais, farisaísmos tolos, hipocrisias toscas. Em uma palavra: carnalidade. Resultado: mais e mais carne moída saindo do outro lado e, neste caso, para piorar, carne moída saindo da igreja.
Escrevo sobre o que vejo, o que ouço através de lágrimas e desabafos. Escrevo sobre o que percebo em olhares já desiludidos por sistemas e esquemas que só fazem repetir os velhos erros, os surrados pecados. Escrevo porque também luto contra toda essa engrenagem tão louca e eficiente chamada mundo, que não poupa ninguém e a todos tenta moer ao destruir suas esperanças e sonhos.
Escrevo porque sonho o sonho adolescente, o sonho da família, o sonho eclesiástico. A solução, evidentemente, não é aceitar as soluções que a máquina-mundo oferece, como drogas, álcool, curtição, separação, desligamento, exclusão.
Viver os anos dourados da adolescência e juventude intensamente é uma dádiva. Mergulhar no mistério diariamente revigorante do leito sem mácula é como caminhar para o grande dia no qual veremos face a face o noivo que descerá dos ares. Negar nosso eu, tomar nossa cruz e seguir o Cordeiro é a decisão da qual ninguém jamais deveria desistir, pois trata-se do único caminho que também é a verdade, e também é a vida.
E Ele, o Cordeiro, é o segredo. Para enfrentar esse mundo seja na esfera e ambiente que for, somente através dEle. Ele já teve sua carne moída por causa dos nossos erros, falhas e pecados. Ele sabe como nos livrar do mal, das tentações, das traições. E se Ele livra, não se iluda, tudo isso existe e ao menor descuido pode moer a qualquer um de nós. Então confie sua juventude a Ele, e não a turma. Confie seu casamento a Ele, e não as tendências da pós-modernidade. Confie sua fé somente a Ele, jamais a homens. Ou seja, Ele jamais decepciona, frustra, muda ou trai. Ele é o amor da forma como sempre sonhamos e almejamos, mas não encontramos palavras para explicar. Ele é simplesmente Jesus.
E se ainda assim, do outro lado, a nossa frágil carne sair moída? Pode ser que com alguns isso de fato aconteça. Ou com muitos. Ou venha a acontecer com todos. A diferença, no entanto, é gritante. O mundo nos mói para matar a visão, a esperança, a alegria, o sonho. Jesus, ao contrário, ao permitir moeduras, muitas vezes por nós mesmos provocadas, tritura opiniões equivocadas, teimosos orgulhos, temperamentos violentos, fanatismos cegos, legalismos petrificados, vícios escravizantes, caprichos cínicos, convencimentos ególotras, pecados mortais, enfim, Jesus vai pouco a pouco nos mudando até a transformação final, época na qual as engrenagens destruidoras deste mundo cessarão de funcionar, pois não resistirão a plenitude do amor do Pai sobre nós, em nós e por nós.
Paz!
- por Edmilson Mendes
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