Salmo 119:116 é daqueles textos que parecem ter sido escritos ontem: “Sustenta-me conforme a Tua palavra, para que viva, e não me deixes envergonhado da minha esperança.” Nunca pensei sentir vergonha por causa da esperança que alimenta minha fé. Mas as vezes, por conta de fracassos atrás de fracassos, as pessoas que não compartilham a fé cristã acabam por zombar da esperança que anunciamos e alimentamos através do nosso Deus.
Equipados de dicionários teológicos, gramáticas gregas e hebraicas, Bíblias de variadas traduções e mais uma série de ferramentas, tentamos comunicar mensagens coerentes, sérias, comprometidas e atuais. Pregamos o perdão, o afeto, o amor, a salvação, uma vida nova. Ali, nos limites das paredes dos templos, tudo se encaixa na eloqüência da pregação, mas é lá fora, no dia a dia da vida, que os adversários da fé cristã se sentem a vontade para cobrar os resultados práticos da esperança que nos envolve.
Porque é fora dos templos que a desgraceira segue sem fim, crescendo, avançando e apavorando. Crimes cada vez mais sem noção e sem explicação. Como um que acabo de ler no jornal: Neto mata avós para vender os bens dos mesmos e pagar o tráfico. Assim, desgraça após desgraça, a vida vai sendo cada vez mais coisificada.
Não nos iludamos. Somos uma sociedade única, a sociedade humana. O que acontece aqui ou lá, no Brasil ou na Irlanda, não importa o lugar, tudo nos afeta. Pois estamos inegavelmente ligados uns aos outros. Arrogantes, orgulhosos, cínicos e afins conseguem apenas se isolar por tempos limitados, até descobrirem a impossibilidade de separação.
Uma classe que acha que pode viver a margem da dor e necessidade do outro é a classe política, pelo menos na sua maioria. E justo ela, que deveria servir ao povo, serve-se dele. Exemplos não faltam. Citarei apenas um, que me chocou por seu descarado descaso.
Vinte e cinco crianças indianas morreram por intoxicação alimentar após almoçar em uma escola primária no estado de Bihar, no leste da Índia. Aconteceu na última terça, 16.07.2013. O drama provocou a justa indignação de toda população. Os alunos comeram um prato de arroz com lentilhas. A investigação prévia detectou a possível presença de fosfato, uma substância de inseticidas.
Descaso realmente mata. O número de crianças mortas pode aumentar, pois outras dezenas delas estão internadas em estado grave por conta da mesma intoxicação. Quem processou a merenda? Qual empresa? Quem garantia a qualidade da comida? Quem comprou? Quanto pagou? Foi superfaturado? Os filhos dos envolvidos comem esse tipo de comida? Pelas informações que se tem até agora, não é difícil concluir que o caminho trilhado foi pontuado pelos vícios públicos de sempre: descaso, indiferença e morte.
Crianças na Jamaica ou na Índia, são igualmente crianças, dignas de serem imitadas porque delas é o reino. O cheiro ruim do que se faz aqui certamente já atingiu a presença do trono. Sempre penso como será a vinda do Cordeiro, acompanhada da majestosa e ao mesmo tempo assustadora expressão: “com poder e grande glória”. Que a graça dEle nos preserve no caminho bom, salvos por seu amor e poupados da sua justa ira.
Descaso mata de muitas formas. Mata a esperança, o amor e a fé. Ainda que estes três nunca terminem, conforme Paulo nos ensina em Coríntios 13; no coração das pessoas tais sentimentos e atitudes nobres vão esfriando até sumir, tanto pelo descaso com que são tratadas, como pelo descaso com que tratam a vontade de Deus em suas próprias vidas.
Se caminharmos um pouco mais no mesmo Salmo 119, chegaremos no verso 165, que afirma categoricamente: “Muita paz têm os que amam a Tua lei, e para eles não há tropeço”. A grandiosidade e fartura empregadas na expressão “muita paz” justificam amplamente o amor pela lei do Senhor. E é um tipo de amor onde não cabe o descaso, a indiferença. O descaso mata, mas em Cristo, o amor vivifica. Sempre, sempre e sempre.
Paz!
- por Edmilson Mendes
blog: calicedevida.com.br
twitter: @Edmilson_Regina