Não se afogue no raso

Não se afogue no raso

Fonte: Atualizado: sábado, 29 de março de 2014 às 3:29

Tentei aprender nadar algumas vezes. Numa delas, meu professor me salvou quando estava me afogando no meio da piscina. O ridículo é que estava me afogando ainda na parte rasa! Foi patético, mas desesperador. Algumas tentativas depois, desisti. Ciente dos meus limites, não brinco com água, afinal, não sei nadar. As estatísticas das praias alertam, via de regra, morre afogado quem sabe nadar, pois na auto-confiança se arrisca mais.

Como afirmei, não brinco com água. Porém levo muito a sério o Espírito. Dele tenho desejo, necessidade e sede. Apesar de todas as minhas inadequações quero mergulhar nEle, pois o Espírito Santo de Deus nos desafia para mais e mais, a cada dia, vivermos uma vida profunda, em franca insatisfação com a superficialidade. Richard Foster, no seu livro Celebration of Discipline, faz uma afirmação certeira: "A superficialidade é a maldição de nosso tempo. A doutrina da satisfação instantânea é, antes de tudo, um problema espiritual. A necessidade urgente hoje não é de maior número de pessoas inteligentes, ou dotadas, mas de pessoas profundas".

Um exemplo clássico, tão antigo e ao mesmo tempo tão atual, que denuncia as escolhas superficiais da nossa sociedade, chama-se televisão. Numa entrevista, falando sobre TV, o apresentador Serginho Groisman, do programa Altas Horas, da Rede Globo de Televisão, deu a enfática declaração: "A televisão é o veículo mais superficial que existe". E é mesmo. Não se trata de demonizar a TV, como "coisa do diabo". Trata-se tão somente de uma constatação. Você quer entretenimento? A TV tem. Quer variedade? A TV tem. Quer jornalismo? A TV tem. Filme, desenho, novela, esporte? A TV tem. Só que sua marca é a da superficialidade. Profundidade dá um pouco mais de trabalho, você precisará ler, pesquisar, comparar, anotar, ler de novo, investigar, comer, degustar, digerir e engolir informações e conhecimentos adquiridos. Neste exercício, às vezes, também precisará vomitar, faz parte.

A profundidade poderia curar muitas feridas, traumas, dores, angústias. No entanto a segurança do lugar raso, superficial, conquista cada vez mais adeptos. Uma das explicações se refere ao domínio no superficial. No raso eu controlo, eu sinto o chão, eu faço o que quero com minha própria força. Já no profundo, o "eu" simplesmente não domina nada. No profundo as regras são estabelecidas pela força do Espírito, que sopra onde quer, como quer, em quem quer. Na profundidade crescemos, aprendemos, amadurecemos, vivemos os valores do anonimato íntimo aonde ninguém vê, mas o Espírito vê, sonda e domina. No profundo, enfim, é revelada toda nossa impotência enquanto, ao mesmo tempo, é formada uma prudente e bem-vinda dependência nAquele que é o mais alto e também o mais profundo.

Foi a respeito dEle, o Deus alto e profundo, que Paulo lembrou do texto de Isaías 64.4 e afirmou: "Como está escrito: as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus", I Coríntios 2. 9 e 10. O versículo 9 termina com "Deus preparou para os que o amam", e o 10 termina com "as profundezas de Deus". Observe a intimidade estabelecida por Paulo na construção destas frases. O apóstolo destaca o ato de amar a Deus verdadeiramente associado com a ação do Espírito de fazer-nos experimentar um pouco das profundezas de Deus.

Neste ponto já é possível afirmar que quanto mais se ama, mais profundo se vai. Quanto mais profundo, mais amor se tem. Então, por que tantos nutrem tanto medo pela profundidade, fazendo opção pelo raso? Porque a profundidade é misteriosa e o amor exige doação. Na superficialidade do raso não se precisa doar, basta tão somente disfarçar o amor, demonstrando o mesmo através de regras controláveis. Regras como o tamanho da saia, a censura nas tinturas dos cabelos, as jóias que podem e as que não podem, se podem ou não podem as palmas, se a bateria é um instrumento para igreja ou não etc etc etc. Consegue perceber como é fácil aumentar esta lista de regras visíveis e facilmente controláveis? Consegue perceber como regras assim ou semelhantes a elas mantém as pessoas no raso, no superficial? Consegue perceber como a radical valorização destas regras têm feito irmãos, amigos, famílias, líderes, se afogarem no raso, com discussões, ofensas e divisões? Culminando por afogar a fé, a comunhão, o essencial?

Uma vida profunda deixa de priorizar a superficialidade das aparências para arriscar-se na compreensão da complexidade humana. Este é o paradoxo: uma vida rasa pode afogar minha fé, uma vida profunda fortalecerá mais e mais a minha fé. Pois no raso me iludo com meu aparente domínio, enquanto no profundo nada posso, e o que posso, só posso nAquele que me fortalece, me sustenta e me preserva. NEle, e somente nEle, posso suportar afrontas, humilhações, incompreensões, traições, perdas, desertos, doenças, amarguras. Pois somente nEle a vida, seja na alegria ou na dor, faz sentido. Estenda a mão, não se afogue, no mar da vida existe um salva-vidas, seu nome é Jesus, aquele que manda e os mares obedecem. Repetindo pausadamente: os mares O-B-E-D-E-C-E-M a voz de Jesus! Portanto, não tenha medo da profundidade, Ele guardará soberanamente a sua vida.

Paz!

Edmilson Ferreira Mendes é teólogo. Atua profissionalmente há mais de 20 anos na área de Propaganda e Marketing. Voluntariamente, exerce o pastorado há mais de dez anos. Além de conferencista e preletor em vários eventos, também é escritor, autor de quatro livros: '"Adolescência Virtual", "Por que esta geração não acorda?", "Caminhos" e "Aliança".

Contatos com o pastor Edmilson Mendes:

[email protected]

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