As Marcas Profundas da Disciplina

Uma das abordagens mais conhecidas sobre a disciplina foi escrita pelo rei Salomão em Provérbios 3:11-12.

Fonte: Guiame, Getúlio CidadeAtualizado: terça-feira, 29 de agosto de 2023 às 17:56
(Foto: Unsplash/Ben White)
(Foto: Unsplash/Ben White)

Disciplina é uma palavra de abrangência ampla em sua definição secular. Dentre seus vários sentidos, pode se referir ao respeito às normas e regulamentos; à boa conduta de uma pessoa, em especial no trabalho; ou a um modo de agir que preze pelo método a fim de se alcançar um resultado eficaz. Em sua definição bíblica, a disciplina ganha um contexto familiar e, quando aplicada corretamente, tem o mesmo significado de correção. É a esse tipo de disciplina que me refiro nesse breve texto, cuja definição é bem conhecida, porém, pouco compreendida.

Uma das abordagens mais conhecidas sobre a disciplina foi escrita pelo rei Salomão: “Meu filho, não rejeite a disciplina do Senhor, nem se aborreça com a sua repreensão. Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como um pai repreende o filho a quem quer bem” (Provérbios 3:11-12). A palavra para disciplina é musar que significa também instrução, correção e castigo. É uma palavra ainda usada no hebraico moderno que significa ética, moral, princípios, mas também pode significar castigo, mantendo o significado original das Escrituras. Logo, pode-se dizer que uma pessoa de boa moral e princípios é aquela que foi corrigida ou disciplinada.

Uma prova de amor

O autor da carta aos Hebreus cita essa mesma passagem de Provérbios para ensinar sobre a disciplina de Deus. Ele é mais categórico ao dizer que, se somos filhos, seremos disciplinados, “pois que filho há a quem o pai não corrige?” (Hb. 12:7). É nesse contexto de convívio doméstico que o autor nos apresenta a disciplina divina. Ela é um bom sinal, pois indica que somos filhos legítimos (os ilegítimos ficam sem disciplina). Se fomos capazes de suportar a disciplina de nossos pais biológicos, aos quais respeitamos, deveríamos nos sujeitar muito mais ao nosso Pai celestial que nos disciplina para o bem. A disciplina de Deus visa a nos tornar participantes de sua santidade (v.8-10).

Por fim, o autor resume bem o sentimento de quem é disciplinado e seu resultado: “Na verdade, toda disciplina, ao ser aplicada, não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza. Porém, mais tarde, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (Hb. 12:11). E é exatamente assim que funciona a disciplina; como aquele remédio em xarope de cheiro nauseante e gosto amargo que somos forçados a ingerir para combater alguma moléstia em nosso corpo. É preciso tomá-lo para, em seguida, obtermos a cura.  

Em seu último ensinamento aos discípulos, Yeshua disse que todo ramo que produz fruto é podado pelo Pai para que produza mais fruto ainda (João 15:2). A poda é um processo doloroso e, muitas vezes traumático. Por vezes, Deus cortará aquilo que estimamos ou que achávamos bom ou bonito. Algumas vezes, Ele fará com que pareça que tenhamos voltado ao início, como em um jogo de tabuleiro, para recomeçar. Isso é sua disciplina em ação, a sua correção em andamento. Poderemos não compreender exatamente o porquê, porém, o fim será sempre o de produzir mais fruto para Deus. Ao exortar à Igreja de Laodiceia, o Senhor diz: “Eu repreendo e castigo a todos quantos amo. Portanto, sê zeloso e arrepende-te” (Ap. 3:19). A disciplina é uma prova de amor de Deus para com seus filhos.

As marcas de Jesus

Há muitos anos, li uma história que muito me marcou e me leva a refletir ainda hoje. Em um belo dia ensolarado, um menino do interior, cuja casa era próxima a um rio, saiu para se banhar em suas águas. Vigiado nas proximidades por sua mãe, ele começou a brincar em suas águas turvas, quando o imprevisível aconteceu. Um grande jacaré, atraído pelo barulho, emergiu com a cabeça de fora nadando rapidamente em sua direção. A mãe, ao ver essa cena horripilante, gritou de pânico para o menino, mandando-o sair da água. Ele obedeceu, confuso e sem entender o que ocorria, mas era tarde. O jacaré o abocanhou pelos pés, bem na margem do rio, derrubando-o e tentando arrastá-lo para dentro d’água.

A essa altura, a mãe alcançara seu filho e o agarrara com todas as forças pelos braços. Começou, então, um angustiante cabo de guerra entre o enorme jacaré e a mãe do garoto. O animal com a mandíbula cerrada sobre os pés e pernas do garoto puxava-o para dentro da água, enquanto sua mãe, em desespero, puxava-o para fora do rio. O grande jacaré era páreo duro para a mulher, mas aquela mãe não deixaria escapar de suas mãos o filho que tanto amava, ainda que ele ficasse sem os pés. No meio dessa disputa horrenda, o jacaré, a despeito de seu tamanho, percebeu que não conseguiria nada e soltou o garoto. Da mesma forma que surgira, o animal desapareceu rapidamente dentro das águas turvas do rio. O menino estava salvo, mas precisou ser hospitalizado.

A despeito dos ferimentos profundos nos pés e nas pernas, não precisou amputar nada e teve seus movimentos preservados. Durante seu período de recuperação, um canal de TV local entrevistou o menino e a jornalista quis mostrar as marcas do ataque do jacaré em seu corpo. Enquanto ela ressaltava a gravidade do ataque que poderia ter ceifado a vida do menino, ele a interrompeu e mostrou seus braços com os ferimentos causados por sua mãe. Eles estavam profundamente marcados pelas unhas, quando as cravara em seus braços para resgatá-lo do jacaré faminto. Ele mostrou orgulhosamente essas feridas e disse à jornalista: “Olha essas aqui! Foram as unhas da minha mãe! Ela que me salvou de ser comido pelo jacaré!”.

Muitos de nós nos assemelhamos à história desse menino. Trazemos em nossas almas (ou mesmo em nosso corpo) cicatrizes de feridas causadas por tragédias, traumas e perdas. Muitas delas, no entanto, são marcas feitas pelo próprio Deus que, como aquela mãe zelosa e vigilante, não deixaria seu filho ter sido devorado por um monstro, seja ele qual for. São marcas profundas de sua disciplina para nos corrigir, ensinar e, sobretudo, livrar-nos de sermos destruídos por nosso inimigo. Paulo, acostumado a essa disciplina do alto e ao sofrimento inerente ao Reino de Deus, entendia isso como ninguém. Por isso se referiu às cicatrizes dos açoites em seu corpo como sendo “as marcas de Jesus” (Gl. 6:17). Seja no corpo ou na alma, todo filho querido carrega consigo essas cicatrizes de um Pai amoroso que jamais nos abandona.

Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br

* O conteúdo do texto acima é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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