A história da serpente de bronze, feita por Moisés no deserto do Sinai, é um dos eventos mais proféticos que apontam para o Messias na Torá. Quando o próprio Yeshua afirmou que a Torá falava de si, sem dúvida, Ele tinha em mente a serpente de bronze de Moisés, entre outros tipos do Messias. Ele mesmo se referiu a ela em sua conversa com Nicodemos. Essa simbologia da serpente pode parecer um pouco confusa, mas é profunda e precisamos recorrer ao hebraico.
Números 21 narra um dos episódios mais trágicos ocorridos com Israel na travessia do Sinai, quando o povo murmurou contra o maná enviado por Deus para alimentá-lo. Declarar que “nossa alma detesta este miserável pão” (v. 5) fez com que o Senhor enviasse serpentes venenosas para picá-los, matando muita gente. Aquele terrível castigo fez o povo enxergar que havia pecado mais uma vez contra Deus.
Serpentes de fogo
O termo original para “serpentes venenosas” em Números 21:6 é hanachashim haserafim, também traduzida por “serpentes de fogo” em algumas versões. Esse termo aparece apenas sete vezes na Tanach (Velho Testamento). Cinco delas se referem a serpentes e são traduzidas por serpentes venenosas ou de fogo (termo mais preciso). As outras duas estão em Isaías 6 e são traduzidas por serafins, quando o profeta descreve os seres de seis asas em sua visão do trono celestial.
Sim, por mais incrível que possa parecer, a palavra para serpentes de fogo é a mesma para os serafins que cercam o trono de Deus. Na visão de Isaías, o profeta lamenta ser um “homem de lábios impuros” e teme morrer. “Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado” (Is. 6:6-7).
A visão de Isaías ocorre cerca de seis séculos depois do episódio das serpentes de fogo no deserto do Sinai e, de certo modo, é uma repetição daquele acontecimento. No Sinai, o povo murmura contra o alimento provido por Deus para sustentá-lo por quarenta anos no deserto e é castigado por serpentes de fogo. Na visão de Isaías, diante da revelação do Senhor assentado em seu trono, seu pecado é exposto e um serafim é enviado com fogo para purificá-lo. Tanto o pecado do povo no deserto quanto o de Isaías estão ligados a “lábios impuros” ou ao pecado da língua. E ambos precisam ser purificados por criaturas de fogo, sejam elas serpentes ou seres celestiais, formadas pela mesma palavra no hebraico: serafim.
Arrependimento e vida
O ato de olhar para a serpente de bronze era profético e significava reconhecer a condição de pecador. Era assumir o erro e se voltar para Deus. Era reconhecer que o castigo era merecido e o juízo de Deus justo. Contemplar a serpente de bronze equivalia a contemplar seu próprio pecado e o merecido castigo que ela simbolizava. As pessoas feridas mortalmente eram obrigadas a olhar para a imagem daquilo que lhes fustigava e causava morte, caso quisessem continuar vivas. Não era uma visão agradável, pois representava a própria condição miserável do povo perante um Deus Santo. No entanto, era a única maneira de permanecer vivo em face do juízo de fogo.
Tanto os israelitas no Sinai quanto Isaías em sua visão descobriram que o pecado cometido com a língua é muito grave e conduz ao juízo de morte. E que somente olhando para o juízo de Deus sobre esse pecado, em postura de humilhação e arrependimento, é possível escapar dele e viver. A serpente de bronze e o serafim com fogo em uma tenaz representam esse juízo capaz de livrar o pecador da morte.
“Olhai para mim”
Muito séculos adiante, à semelhança do que ocorrera no deserto, Yeshua foi erguido em uma estaca assim como a serpente de bronze fora erguida sobre uma haste por Moisés, tendo de sofrer todo o castigo dos pecados da humanidade. Os serafins de fogo estariam ministrando sobre Ele para lidar com a maldição do pecado desde o Éden, pois Yeshua se fez maldição em nosso lugar (Gl 3:13). E assim como todo o que fora picado pelas serpentes de fogo tinha de olhar para a serpente de bronze para ser salvo da morte, toda a humanidade precisa olhar para a cruz a fim de ser livre da morte eterna, pois todos pecaram e foram destituídos da glória de Deus (Rm 3:23). A serpente de bronze e o Filho do Homem são expressões de um Deus de justos juízos, porém, rico em misericórdias.
Para não perecer e ter a vida eterna, é necessário olhar para a cruz e para o fogo do juízo divino sofrido pelo Filho do Homem. Não é uma visão agradável, porém, necessária para quem quer ser salvo. Ao vê-lo, o homem deve reconhecer que pecou e que merece morrer. Precisa se arrepender de seus maus caminhos, abandonar suas práticas pecaminosas abomináveis e se voltar para Deus. Essa é a única maneira de escapar da morte. A serpente de bronze e o Filho do Homem na cruz representam o juízo sobre o pecado. E o ato de se olhar para eles redunda em vida. É exatamente isso que o Senhor diz em Isaías 45:22: “Olhai para mim e sereis salvos”.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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