Arqueólogos comprovam que primeiros cristãos em Israel transformaram suas casas em igrejas

Muitas dessas igrejas eram estruturas edificadas em casas de famílias mais ricas, com portas que se abriam tanto para a área de convivência privada quanto para a rua.

Fonte: Guiame, Jarbas AragãoAtualizado: quinta-feira, 24 de abril de 2025 às 10:45
O mapa de Madaba representando a histórica Jerusalém faz parte de um mosaico no chão da antiga igreja bizantina de São Jorge em Madaba, Jordânia. (Foto: Domínio público/Wikipédia)
O mapa de Madaba representando a histórica Jerusalém faz parte de um mosaico no chão da antiga igreja bizantina de São Jorge em Madaba, Jordânia. (Foto: Domínio público/Wikipédia)

Novas pesquisas de arqueólogos mostram que, nos primeiros séculos após a vinda de Jesus, cristãos construíram inúmeras igrejas particulares. Já os cidadãos judeus pareciam canalizar seus recursos para uma sinagoga comunitária.

O desejo de celebrar sua fé impulsionou cristãos a construírem centenas de igrejas na terra de Israel e na região do Oriente Médio durante a chamada “Antiguidade Tardia” (séculos IV a VII d.C.), aponta um extenso relatório de estudiosos israelenses, divulgado pelo jornal The Times of Israel.

Muitas dessas igrejas eram estruturas edificadas em casas de famílias mais ricas, com portas que se abriam tanto para a área de convivência privada quanto para a rua. A escolha desse tipo de construção entre cristãos contrastava com a prática dos judeus no mesmo período e regiões, que colocavam seus recursos em uma sinagoga centralizada. Esse local geralmente também servia como centro comunitário para toda a aldeia ou cidade.

“Na época clássica, sob o domínio grego e romano em todo o mundo antigo, pessoas ricas costumavam contribuir para a esfera pública”, explica o professor Jacob Ashkenazi, do Kinneret College, localizada às margens do Mar da Galileia. Ele acaba de publicar um novo artigo sobre o tema na revista científica Levant.

“Eles [os ricos] financiavam a construção de casas de banho, teatros e anfiteatros, e patrocinavam espetáculos e festivais públicos”, acrescentou. “Isso tinha propósito duplo: além de ser visto como um dever cívico da elite, reforçavam seu prestígio social. Com a expansão do cristianismo, esse fenômeno sofreu uma leve transformação, à medida que os ricos começaram a se converter a financiar a construção de igrejas.”

Durante décadas, observou o especialista, estudiosos que escavavam sítios arqueológicos em áreas como a atual Israel, Jordânia, Líbano e até mesmo na Arábia Saudita registraram um número surpreendente de igrejas.

“Somente na província palestina romana, mais de 700 igrejas foram encontradas em escavações arqueológicas, sem mencionar as igrejas registradas em fontes históricas”, destaca Ashkenazi. “É realmente inacreditável.”

O pesquisador vem presenciando algumas descobertas em primeira mão desde que se envolveu em um projeto para analisar a presença do cristianismo na Galileia nos primeiros séculos da era cristã.

“Só na região da Galileia Ocidental, o professor Motti Aviam e eu escavamos sete igrejas, mas pesquisamos mais de 70”, disse ele. “Por exemplo, os escombros de uma pequena vila em um sítio conhecido como Khirbet Bata, dentro da moderna cidade de Carmiel, aponta para sete pequenas igrejas.”

Para Ashkenazi, esse trabalho o fez tentar entender por que havia tantas igrejas em comunidades tão pequenas. Logo percebeu que a prática era mais comum que se pensava até então. A vila de Hippos, na Galileia, tinha cerca de 2.000 habitantes e oito igrejas (seis delas eram em casas particulares). Em Khirbet al-Samra, no território da cidade síria de Bostra, estudiosos identificaram pelo menos oito igrejas, a maioria datada do início do século VII. Umm al-Jimal, no norte da Jordânia, uma vila com cerca de 3.000 habitantes, tinha pelo menos 15 igrejas.

“Os estudiosos tradicionalmente explicavam esse fenômeno apontando para a proliferação de templos cristãos durante um período de intenso conflito religioso dentro da Igreja que tinha sede em Roma", disse Ashkenazi, referindo-se a grandes sínodos, como os realizados em Niceia, Constantinopla e Éfeso, que lidaram com disputas teológicas. "Como resultado, surgiram numerosos grupos cristãos."

No entanto, Ashkenazi disse que essa interpretação histórica mostra–se inconsistente com a arquitetura interna, o design e os artefatos descobertos nas igrejas, que não refletem diferenças teológicas.

"Concluímos que disputas religiosas não são suficientes para justificar o número de igrejas e que a explicação era muito mais simples", disse ele. "Numa época em que todos eram crentes, os indivíduos ricos buscavam tanto dar quanto receber, construindo igrejas que servissem à comunidade."

Muitas igrejas, apenas uma sinagoga

A multiplicidade de igrejas naquelas comunidades contrasta com o funcionamento das comunidades judaicas no Oriente Médio na Antiguidade Tardia.

“As sinagogas também eram ricamente decoradas, exibindo mosaicos e inscrições em homenagem aos seus doadores”, disse Ashkenazi. “No entanto, as sinagogas eram edifícios públicos, serviam como centros comunitários, onde as pessoas se reuniam, aprendiam e liam a Torá [primeiros 5 livros do Antigo Testamento].”

Segundo o estudioso, em contraste, cada aldeia tinha apenas uma sinagoga. "As sinagogas tinham um propósito diferente das igrejas e, portanto, precisavam ser um lugar único, onde toda a comunidade se reunia", disse ele.

Mosaicos nas paredes (e no chão)

Às vezes, diferentes famílias de cristãos faziam doações para a construção da igreja central em sua aldeia. No entanto, era muito comum construírem locais de culto em suas próprias casas, mas que eram acessíveis à comunidade por uma entrada pública.

De acordo com Ashkenazi, existe muitas informações sobre as igrejas encontradas nas  inscrições em homenagem aos donos das casas.

“Há alguns anos, encontrei uma inscrição nas ruínas de uma pequena igreja em Horvat Hesheq, entre Carmiel e Maalot. Ela mencionava o patrono [Demétrio, um diácono] e também seus avós, pais, irmãs e filhas.” A igreja que era pequena, mas bonita, observou Ashkenazi.

O pesquisador explicou que as inscrições em igrejas que serviam como o principal santuário da vila ou cidade geralmente mencionavam o nome do primeiro líder, chamado de bispo.

“Normalmente, essas igrejas centrais eram maiores e tinham inscrições na entrada, ou ao lado do altar, que começavam com as palavras gregas ‘No tempo de’, seguidas do nome do bispo”, disse Ashkenazi.

De acordo com o relatório, em algumas dessas igrejas particulares também havia espaço para imagens de santos.

“Vemos que o culto a santos que uma exclusividade de algumas famílias, não de toda comunidade local”, disse ele. “Por exemplo, em toda a província romana da Palestina, apenas três igrejas tinham menções ao nome São Pedro, uma figura universal. “Curiosamente, são raras as evidências de cultos a santos em igrejas públicas”, acrescentou. “Parece que algumas pessoas que construíram igrejas em suas casas decidiram por uma forma mais personalizada de expressão religiosa.”

 

Jarbas Aragão é pastor, jornalista e tradutor. Mestre em teologia, foi missionário da Jocum e da Junta de Missões Mundiais da CBB, além de professor do seminário Batista. Colabora com diferentes mídias no Brasil, nos Estados Unidos e em Israel.

* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

Leia o artigo anterior: Número de cristãos no Oriente Médio está diminuindo rapidamente



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