Hoje cedo, após mais um velório, depois de realizadas as últimas formalidades do culto fúnebre, após abraçar e oferecer o conforto do abraço aos parentes do falecido, coloquei-me um pouco à distância pensativo. Olhei para a terra vermelha debaixo dos meus pés e, como havia acabado de pregar sobre a brevidade da vida, sabia que a condição de estar pisando sobre o chão era apenas temporária. Em breve, sim, em mais alguns poucos anos, não importa se em 5 ou 50, o pó forçosamente teria que voltar ao pó. As palavras do texto bíblico que usara na mensagem ecoavam em minha mente… “com efeito, todo homem, por mais firme que esteja, é pura vaidade.” Taciturno, observava como as pessoas choravam ao redor da sepultura que abria sua goela medonha para receber os restos mortais de seu parente.
Por um momento tirei os olhos da terra em que pisava e quis contemplar o céu. Ao elevar os olhos com perguntas prontas para apresentar ao Criador, esbarrei com a visão singela da residência do proverbial João de barro, pássaro caprichoso, mestre de obras capaz. E aconteceu que, quando pensava em formular perguntas endereçadas ao céu, Ele, o Criador, já trazia as respostas. O Criador é sempre elegante, jamais se utiliza de jargões, de clichés desbotados em suas argumentações, razão porque é sempre muito, muito interessante ouvi-lo. A lição seria dura. Nossa contumaz arrogância dificulta-nos constatar quão absurda é a nossa vaidade mas ali, estatelado diante da realidade fria de um sepulcro aberto, abriu-se também uma pequena fresta pela qual a humildade conseguiu entrar e fazer-se ouvir.
O João me disse que o Luiz é de barro, como também o são o Manuel, o Joaquim e a Maria… O Luiz as vezes se esquece, o Manuel se arroja, o Joaquim se arroga, a Maria enlouquece, mas são de barro, frágeis como um caco de argila. Quando nos esquecemos que somos feitos do mais humilde e frágil dos materiais, acabamos violando os limites da nossa própria humanidade e atropelando violentamente a fragilidade dos outros. Inflacionados em nosso valor intrínseco e envaidecidos, esquecemos completamente nossas origens humildes. Não tem coisa mais feia do que a arrogância, a soberba, o orgulho… Assim, esquecidos de nossa humilde condição e, tomados por uma pretensão descabida, tornamo-nos criaturas feias, desprezíveis, patéticas… A criatura nunca é desprezível. Sua vaidade a torna desprezível! O que é patético no homem não é sua condição de barro frágil, é a empáfia, a soberbia afetada!
Ser humano é ser de húmus. Húmus palavra latina que significa barro! Ser humano é ser de barro, não de ferro, não de aço, de barro. Humanidade rima com humildade. Rima com bondade, simplicidade, generosidade… Rima com fragilidade também. Precisamos descer das sandálias da altivez, do pedestal do orgulho, e reconhecer que somos de barro, material frágil, altamente quebradiço. Nessa fragilidade reconhecida e publicada, peçamos: ó Deus, tem misericórdia de mim! Ao mesmo tempo que peço misericórdia para mim, devo lembrar que o meu semelhante, feito como eu, de barro, também precisa da minha misericórdia. Enquanto meditava devastado, tendo minha vaidade desmantelada, olhando para a casa do joão de barro, admiti humildemente: É João, eu sou de barro também! Naquele exato momento um outro pássaro entrou na cena e disse cantando: Bem te vi!
- Luiz Leite
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