Introdução
O cenário político brasileiro, com suas controvérsias e desafios, muitas vezes nos deixa desnorteados. Entre discussões acaloradas, ouvimos com frequência que o cristão deve manter distância da política, mas será que essa é a orientação bíblica? Será que ignorar a esfera pública é coerente com a fé que professamos?
Como cristãos, temos na Bíblia nossa bússola, nosso guia soberano para todas as áreas da vida, incluindo o trabalho, a família e, sim, a política. Este artigo não busca defender um partido ou ideologia, mas usar as Escrituras como um prumo para discernir a verdade em meio ao caos e entender o que Deus requer de nós.
Para compreender o papel do cristão na política, precisamos começar pelo ponto mais importante: onde está nossa confiança.
Confiança em Deus, Não na Política
Em Jeremias 29, encontramos o povo de Deus em uma situação política devastadora: o exílio na Babilônia. Em meio ao sofrimento, surgiram falsos profetas com mensagens otimistas, prometendo uma libertação rápida e uma solução utópica. Eles diziam o que o povo queria ouvir. No entanto, a verdadeira palavra de Deus, vinda por Jeremias, era dura e contrariava todas as expectativas: o exílio duraria 70 anos (Jeremias 29:10).
Diante dessa realidade irreversível, Deus não ofereceu uma estratégia de revolução, mas uma orientação surpreendente para a sobrevivência e a paz:
1. Aceite a Realidade e a Vontade de Deus: O primeiro passo era abandonar as falsas esperanças e aceitar que aquela situação, embora dolorosa, estava sob o controle soberano de Deus. Muitas vezes, é mais confortável abraçar discursos que prometem soluções fáceis do que se submeter humildemente ao que Deus está permitindo em nosso tempo. O povo de Judá precisou entender que a luta não era contra a Babilônia, mas contra a própria teimosia em desobedecer a Deus (2 Reis 17:19-20).
2. Busque a Paz Onde Você Está: Em vez de incitar uma rebelião, Deus ordenou que eles buscassem a paz (shalom) da cidade para onde foram levados. E como fariam isso? "Edificai casas e habitai nelas; plantai pomares e comei o seu fruto. Tomai mulheres e gerai filhos e filhas" (Jeremias 29:5-6). Em outras palavras, trabalhem, constituam família e contribuam para a estabilidade da sociedade, mesmo sob um regime opressor. A mensagem era clara: nossa segurança e bem-estar não dependem de governos ou regimes, mas da soberania divina. A paz deles não dependia do sistema político, mas da obediência a Deus.
3. Ore pela Cidade (e por seus Inimigos): A instrução mais radical foi: "orai por ela ao SENHOR; porque na sua paz vós tereis paz" (Jeremias 29:7). Eles foram chamados a orar por seus opressores, incluindo o rei Nabucodonosor. Esse princípio ecoa no Novo Testamento, quando Paulo instrui a igreja a orar "pelos reis e por todos os que estão em eminente dignidade" (1 Timóteo 2:1-2), o que, em sua época, incluía orar pelo cruel imperador Nero. Imagine hoje exortar os cristãos perseguidos na China a orarem por seu presidente, ou os da Coreia do Norte a intercederem por seu ditador. Essa é a difícil, porém bíblica, postura que somos chamados a ter.
O Evangelho Transforma Mais do que o Indivíduo
A obra de Deus começa no coração de uma pessoa, mas jamais termina ali. Limitar a atuação cristã apenas à evangelização pessoal ignora que o “Evangelho todo” implica também em transformação social. A salvação tem um efeito que transborda do indivíduo para a família, a igreja e toda a sociedade. Deus chamou Abraão para que, através dele, "todas as famílias da terra" fossem abençoadas (Gênesis 12:1-3). Somos chamados para ser "sal da terra e luz do mundo" (Mateus 5:13-14), influenciando a cultura ao nosso redor.
Se o Evangelho transforma vidas, ele também deve, consequentemente, transformar bairros, escolas, empresas e, por fim, governos. Afastar-se das questões públicas não é uma opção. O reformador João Calvino nos lembra que devemos orar constantemente por nossos governantes, inclusive pelos que são indignos, pedindo a Deus que "converta os maus em bons governantes".
Conclusão: Cidadãos do Céu, com os Pés na Terra
O povo de Judá aprendeu no exílio que sua felicidade e segurança não dependiam de um Estado forte ou de uma monarquia gloriosa, mas da presença de Deus. Da mesma forma, a Igreja hoje glorifica a Deus quando obedece e intercede por seu presidente, governadores e prefeitos, e também quando clama por nossos irmãos que sofrem sob regimes totalitários ao redor do mundo.
O que fazer, então? Seja um cidadão de dupla nacionalidade. Leia a Bíblia todos os dias para firmar sua esperança no Reino que não terá fim. Ao mesmo tempo, leia as notícias, entenda o que acontece em sua cidade e em seu país. Transforme o noticiário em sua pauta de oração e seja um cidadão exemplar, para a glória de Deus.
Ricardo Soares (@ricardosoarespr) é pastor batista, músico, terapeuta, professor de teologia e filosofia, palestrante e escritor. Autor do livro “Introdução à Filosofia Cristã: O Encontro da Fé com a Razão”, atua na área de aconselhamento e desenvolvimento pessoal, ministrando cursos e palestras voltados para saúde emocional, espiritualidade e formação cristã. É casado com Sarah e pai de duas filhas, Pâmela e Polyana.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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