Um pastor evangélico de quinze anos de idade viraliza na internet por suas pregações para lá de carismáticas ou pentecostais. As mídias passam que ele não para de falar em línguas estranhas e é traduzido por outro pastor. Como tudo no Brasil da internet vira meme o garoto prodígio não ficou de fora. Virou piada.
Ainda sobre o garoto, foi noticiado que ele foi proibido pelos próprios pais de pregar. A mudança vem em meio a diversas críticas que o missionário tem recebido nas redes sociais. Ele virou alvo de ameaças após trechos de suas pregações viralizarem na internet. Com 1,2 milhão de seguidores no Instagram, o adolescente tem sido chamado de “anticristo”, “herege” e “profeta do demônio”.
Quem não conhece a língua dos anjos obviamente coloca o garoto no mesmo saco dos picaretas espirituais. A questão é saber se ele exagera ou não, se é vaidade ou não, se é do espírito ou não. Os frutos pessoais dizem mais do que a cantoria e o falatório alienígena na igreja. Como não o conheço não o julgo (não desconsiderando, claro, ao contrário do que pretendia o Papa Francisco, que ele deve ser, sim, julgado).
Mas o meu objetivo agora não é tratar das coisas do espírito que ocorrem dentro das igrejas nem fora delas. É tratar de sabedoria (que não deixa de ser, também, um fruto espiritual). Como diz aquele famoso livro A arte do sábio, o sábio é um artista quando consegue ficar quieto quando precisa. Porém, no caso, os celulares dos internautas desagradam a tal da democracia do stf, então é momento de abrir a boca, colocá-la no trombone.
O saturamento da internet com tantas bobagens elevadas ao ponto de novas “sabedorias”, inteligências emocionais, diálogo puramente racional com máquinas, intelectualização do mundo conhecível e perda da sensibilidade do coração. Max Weber explica bem esse sintoma, com o termo cunhado por Weber, que a esquerda diria que é culpa do capitalismo (assim como O livro negro do comunismo tem o seu primo pobre, O livro negro do capitalismo, o desencantamento trazido por Weber também tem o seu invejoso preferido, o desencantamento de Pierre Bourdieu).
Na verdade Rousseau já havia predito um Iluminismo do coração que aliviasse a carga racional do pensamento puro. Mas não era para dar outra, não deu muito certo. Jesus avisou que deveríamos ser acima de tudo espirituais. Quem avisa amigo é (Jesus foi mais do que amigo, foi e continua sendo advogado, nosso assessor para erros). Hoje pagamos o preço do fetiche pela técnica, a técnica pela técnica. Técnica sem espírito é a mesma coisa que sexo sem amor, música sem sentimento.
Mas nem tudo está perdido. Quem joga tudo na “desinformação”, como o STF e seu manifesto do “mal do século” (isso mesmo, estão falando que o mal do século é a desinformação), ainda não pegou literalmente o espírito da coisa. Uma comitiva brasileira de vinte pessoas do governo, que foi a Roma se despedir do Papa Francisco, paga com o dinheiro suado dos brasileiros, prova que uma elite burocrática precisa de ajuda espiritual.
Tem uma coisa boa no uso do celular além dos contatinhos, fotinhos, aplicativos de jogos, o besteirol todo que faz literalmente perder tempo e se perder: a sabedoria dos memes. No caso do Brasil, eles simbolizam o sentimento de um povo. Trocar o verde e amarelo da camisa da seleção brasileira de futebol por vermelho foi motivo de piada na internet, e piada de bom gosto, de gente que sabe o que fala. Por vezes, uma elite que se autodenomina messiânica e acha-se tutora dos interesses privados não percebe a vontade dos seus mandantes. Deveria não só pelo alto custo no bolso dos contribuintes.
A ficha não caiu ainda para os ‘defensores da democracia’. Tem tudo para ser inveja de quem usa celular, mas não dos celulares nem do jeito que eles sabem usar. Queriam um pouco da sabedoria dos seus usuários.
Sergio Renato de Mello é defensor público de Santa Catarina, membro da Igreja Universal do Reino de Deus e autor de obras jurídicas e dos seguintes livros: Fenomenologia de Jornal, O que não está na mídia está no mundo e Voltaram de Siracusa.
* O conteúdo do texto acima é uma colaboração voluntária, de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.
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