Vade retro, César!

A tendência do juiz avesso à espiritualidade é condenar toda e qualquer pregação religiosa, catando ódio onde não tem.

Fonte: Guiame, Sergio Renato de MelloAtualizado: quinta-feira, 23 de novembro de 2023 às 17:50
(Foto: Unsplash/Tingey Injury Law Firm)
(Foto: Unsplash/Tingey Injury Law Firm)

No Estado que separa religião e direito existem dois poderes paralelos e inconfundíveis, porém confundidos. A igreja tem o poder de dizer a crença e o Estado o de dizer o devido. Enquanto a igreja convida à salvação de fiéis, o Estado condena os infiéis. Na pregação, onde estiverem duas ou mais pessoas com elas estará mais um, Deus. No judiciário brasileiro de maior poder, dois ou mais indivíduos com celular na mão é sinônimo de balbúrdia, barbárie, fundamentalismo religioso, principalmente se forem religiosos.

Em julho de 2021, Aijalon Florêncio, pastor de uma igreja evangélica em Pernambuco, usou o Instagram para criticar murais pintados no Recife, que faziam referências à religião africana, e foi denunciado pelo Ministério Público por discriminação racial e religiosa, violando a Lei n. 7.716, de 1989. O que ele falou? Chamou de “feitiçaria”, “entidades malignas, satânicas, espíritos das trevas”, “demônios”, e que “satanás está querendo estabelecer portais para escravizar, aprisionar e inebriar vidas e cidades”. Foi processado por “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com possibilidade de uma pena ainda maior, já que houve publicação em mídias sociais.

Ou seja, o referido pastor foi processado, morto e sepultado por simplesmente falar a verdade cristã. Ora, Deus é Deus, demônios são demônios!

O Estado vigia o pastor, quer saber o que ele faz no púlpito da igreja ou das redes sociais, se busca likes, faz política, apologia a partido político ou a alguma ideologia. Mas o que o Estado tem a ver com isso? O que impede o pastor de pregar política, de expulsar satanás dos corações dos hereges, de falar que comunismo é do diabo? A igreja não é instituição estatal, é laica, logo, privada. Não pode haver censura estatal. Vade retro, César!

Não é a fé que deve alguma coisa ao Estado, mas o Estado que deve à religião. A Constituição Federal é clara ao dispor um direito fundamental do indivíduo: “VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;”; “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”. Por fim, diz ser vedado aos entes públicos “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”.

Infelizmente, uma justiça brasileira ateia, agnóstica, sem Deus, laica, o que quer que seja, é ainda imatura o suficiente para separar religião de política e condena a pregação maximamente retórica como se todo discurso religioso fosse engajamento político para causar desordem. Os cristãos receiam misturar religião com política para não virarem joio e perderem a salvação, enquanto juízes supostamente laicos fazem questão de misturar as coisas. Os dois casos são coisa do diabo. Os cristãos têm que aprender a saber lidar com a política como devem saber andar com a religião.

Onde houver dois ou mais escutando a pregação ali estará Deus, principalmente se o Espírito Santo tiver descido com fogo, como no Pentecostes. Fogo neles, Espírito Santo!

A tendência do juiz avesso à espiritualidade é condenar toda e qualquer pregação religiosa, catando ódio onde não tem. Provavelmente para que o tal do ódio não se espalhe mais do que violência como uma pandemia do “mal” conservador (é com “l” mesmo, não com “u”). Assim agindo, juízes estarão dando uma de revolucionários da toga e do martelo.

A intenção dos pastores é messiânica. Eles querem salvar, visando uma coroa eterna. Então, se pudesse haver pregação para juízes seria um pedido para não julgar: “não julgueis para não ser julgado, não condeneis para não ser condenado”. O STF segue sendo condenado pelo povo. Não tem quem o salve, nem a turma da Mônica, como planejava o Ministro Luís Roberto Barroso, o poeta supremo que disse ao povo manifestante “Perdeu mané!”. Talvez Jesus, que vale muito mais do que a Mônica! E só depende do próprio STF.

Como termina Johan Huizinga falando sobre a veemência da vida em seu magnífico O outono da Idade Média, referindo-se aos sentimentos humanos que a modernidade “esclarecida” e “iluminada” acha que são exclusivos da Idade Média, “Esse é um mundo mau”. Como ele diz, o ódio e a violência “arde vigorosamente”, “a injustiça reina”, “o demônio cobre com suas asas negras a terra em trevas”. Mas, continua e conclui, “a humanidade não se converte; a Igreja combate em vão, e em vão lamentam e exortam os pregadores e os poetas”.

Sergio Renato de Mello é defensor público de Santa Catarina, colunista do Jornal da Cidade Online e Instituto Burke Conservador, autor de obras jurídicas, cristão membro da Igreja Universal do Reino de Deus.

* O conteúdo do texto acima é de total responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal Guiame.

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